Política: 5 perguntas para Cristovam Buarque

Em entrevista à Revista da Indústria Brasileira, o ex-senador Cristovam Buarque fez uma análise sobre o cenário político do país neste ano eleitoral

O ex-governador e ex-senador Cristovam Buarque conversou com a Revista Indústria Brasileira sobre o cenário político do país neste ano eleitoral. O político está fazendo a curadoria do ciclo de seminários em celebração ao bicentenário da Independência do Brasil: 200 anos de Independência - A indústria e o futuro do Brasil, promovido pela CNI. O evento ocorre de 6 de abril a 1º de junho de 2022.

REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Onde erramos nos últimos 200 anos, enquanto nação independente?

CRISTOVAM BUARQUE - Alguns dizem que nosso erro foi ter instituído um Império, e não a República, logo no começo. Eu creio que isso não tenha sido fundamental, até porque o Império teve suas conquistas, como a integração territorial, a unidade no idioma e a manutenção das fronteiras. O maior erro, para mim, foi manter a escravidão. O segundo erro, que tem a ver com a escravidão, foi o abandono da educação para a maioria da população. Os escravos não recebiam qualquer educação. A República veio, mas a educação não. Outro erro é a instabilidade institucional. Desde a República, tivemos muitos presidentes que não terminaram o mandato e tivemos períodos de autoritarismo, tanto com presidentes civis quanto com militares. Chegamos ao segundo centenário como um país sem coesão, sem um povo unido e sem um rumo claro.

REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Dado esse contexto, qual é a importância do ciclo de seminários promovido pela CNI?

CRISTOVAM BUARQUE - A primeira importância é que, apesar de todos os erros, temos muito do que nos orgulhar. Conseguimos manter nosso território e não temos guerras sectárias, como há em tantos países. Tivemos tantos anos de escravidão, mas, apesar do racismo, há convivência entre os diversos grupos raciais. Conseguimos, apesar de tudo, ser uma das maiores economias do mundo e sair de um país agrícola e rural para um país industrial e urbano. Mesmo que a educação tenha ficado atrasada, temos 98% das crianças matriculadas [na escola], embora a qualidade ainda seja um desafio. Não somos um país que esteja fazendo uma revolução científica e tecnológica, mas temos grandes centros de ciência e tecnologia.

Então, a primeira coisa é refletir nosso orgulho, do tamanho do Brasil, mas também precisamos refletir sobre nossas dificuldades. Continuamos um país extremamente concentrador de renda e que não oferece educação de qualidade. Nossa indústria ainda não tem a competitividade que deveria ter, embora tenha setores extremamente competitivos. Somos um grande exportador de alimentos, mas temos vinte milhões de pessoas que não têm o que comer. Queremos que, nesse segundo centenário, reflitamos sobre as conquistas e sobre as nossas dificuldades.

REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Quais foram os critérios para escolher os cinco temas dos seminários?

CRISTOVAM BUARQUE - Escolhemos esses cinco temas porque achamos que eles abarcam quase tudo. É verdade que não incluem, por exemplo, relações internacionais e a questão da segurança nacional, mas, de qualquer maneira, são temas que contemplam uma parcela significativa de questões. No primeiro, tratamos da evolução política. Quais foram os grandes momentos políticos no Brasil? No segundo, tratamos da evolução econômica e da sustentabilidade. No terceiro, queremos saber como foi a evolução social. No quarto, queremos avaliar o desenvolvimento industrial, científico e tecnológico. Por fim, no quinto, queremos ver o que melhorou do ponto de vista da educação, e juntamos aí a cidadania. 

REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - O que as pessoas podem esperar desse ciclo de seminários?

CRISTOVAM BUARQUE - Nós chamamos pessoas que têm o que dizer, para que ninguém pudesse questionar o porquê da escolha. São pessoas capazes de responder às três perguntas estratégicas dos seminários: quais foram os grandes saltos nesses 200 anos; quais são as amarras que ainda temos; e quais são os passos que precisamos dar daqui para frente. Concluídos os seminários, seu conteúdo será transformado em um livro comentado. Nosso objetivo é bastante pretensioso: que daqui a 100 anos, as pessoas saibam o que era dito e refletido no país em 2022. Teremos um marco do que esta geração pensa, um registro da nossa geração para as gerações posteriores.

REVISTA DA INDÚSTRIA BRASILEIRA - Onde estaremos daqui a 200 anos e quais são os caminhos para chegar lá?

CRISTOVAM BUARQUE - Não nos atrevemos sequer a olhar para 100 anos à frente. O mundo hoje é tão dinâmico, as coisas mudam tão rapidamente, que fica impossível [responder a essa pergunta]. Só para provocar um pouco: daqui a cem anos vai ter país? Ou tudo vai ser um país só? Vinte e sete países da Europa já se juntaram em uma união. Não dá para a gente saber, por exemplo, se o mundo estará integrado em uma só unidade geopolítica. Agora, para as próximas décadas, tenho a impressão de que teremos um país integrado socialmente. Vai ter desigualdade, mas não exclusão. Para isso, precisamos que duas coisas sejam igualmente boas para todos: saúde e educação.

O segundo ponto é termos um país presente no mundo, o que vai exigir um bom sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação.

O terceiro é sermos um país culto, não só de grandes produções literárias, cinematográficas, teatrais, televisivas, mas nos costumes civilizatórios. Por fim, que tenhamos um sistema político democrático e estável.

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