Brasil tem oportunidade de ser líder na bioeconomia, diz presidente da Associação Brasileira de Bioinovação

Em entrevista à Agência CNI de Notícias, Thiago Falda destaca que, mesmo carente de ecossistema de inovação em biotecnologia, país deu saltos significativos em desenvolvimento tecnológico no setor

"O Protocolo de Nagoia rege as regras de uso da biodiversidade globalmente. Se tivermos uma legislação internacional muito diferente da brasileira, teremos que nos adaptar, ao passo que temos a lei mais moderna do mundo" - Thiago Falda, presidente da ABBI

Pela primeira vez na história, o Brasil tem a chance de ser protagonista em uma das agendas que deve se tornar estratégica no pós-pandemia: o desenvolvimento da bioeconomia avançada. A aposta é do presidente da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), Thiago Falda, que está à frente da instituição desde setembro do ano passado. Por meio da bioeconomia avançada, recursos genéticos da biodiversidade são transformados em produtos de alto valor agregado, como biocombustíveis e bioquímicos, por meio do uso de tecnologia de ponta. “Não fomos o primeiro país a produzir o automóvel, a desenvolver a indústria química nem a de informática, mas hoje estamos na vanguarda da bioeconomia avançada”, destaca Falda.

Em entrevista à Agência CNI, Falda, que é biólogo de formação, diz que o país consegue estar à frente dessa agenda, apesar da falta de recursos, de ecossistema de inovação e de financiamento para bioeconomia. Ele explica que o Brasil tem caracteríscas que favorecem esse pioneirismo, como ter a maior biodiversidade e área agriculturável do planeta e a maior produção de biomassa ao menor custo do mundo. “No entanto, para despontar efetivamente como um líder global da bioeconomia, o país precisa superar entraves, sobretudo, em inovação.”

Confira a entrevista.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Quais as oportunidades da bioeconomia para o Brasil?

THIAGO FALDA – Pela primeira vez na história, o Brasil está na vanguarda de uma tecnologia. Não fomos o primeiro país a produzir o automóvel, a desenvolver a indústria química nem a de informática, mas hoje estamos na vanguarda da bioeconomia avançada. Não temos recursos, não temos um ecossistema de inovação e não temos estrutura de financiamento como os países desenvolvidos têm. Mas temos diversas características que permitem o país estar à frente dessa agenda, como a maior biodiversidade do mundo, a maior produção de biomassa ao menor custo do mundo e a maior área agriculturável do mundo, passível de se expandir. Agora o Brasil precisa quebrar os entraves, superar os gargalos e se consolidar na agenda de bioeconomia para despontar realmente como líder global. Por exemplo, temos de aproveitar os potenciais do país e aproveitar a biodiversidade na busca de ferramentas para conversão da biomassa em produtos de alto valor agregado, e não apenas para a produção de energia.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Como o Brasil pode avançar em cadeias de maior valor agregado na área de bioeconomia?

THIAGO FALDA – Como toda a atividade inovadora, a conversão de açúcar celulósico, ou seja, a biomassa para produtos de alto valor agregado, passa – e podemos dizer que o Brasil está em uma fase de superação – pelo gargalo tecnológico. O grande ponto nessa agenda toda é que, superado o gargalo tecnológico para se produzir etanol, com um refinamento dessa mesma tecnologia, evolui-se para produtos de valor muito mais alto. Estou falando de bioquímicos, por exemplo. A tendência é que você passa por um cenário de transição energética, ou seja, o petróleo deixando de se tornar essencial para a produção de combustível e o crescimento da importância dos biocombustíveis. A produção de biocombustíveis vai exigir essas quebras de barreiras tecnológicas que vão permitir depois a produção de bioquímicos. Mas por que os biocombustíveis vêm primeiro? Simplesmente porque a gente utiliza muito mais biocombustíveis. É natural que se tenha um investimento maior nesse segmento. Com a superação desses gargalos, será possível, então, se fazer a transição dessas tecnologias para a produção de bioquímicos. Muitos bioquímicos hoje são produzidos em escala industrial, mas ainda existe um potencial de diversificação enorme.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Quais os principais avanços e entraves para o desenvolvimento da bioeconomia no país e como superá-los?

THIAGO FALDA –
 O Brasil vem fazendo o seu dever de casa nos últimos anos. Hoje temos o marco legal de biossegurança que, até dois anos atrás, era o principal entrave. Tínhamos até 2015 o acesso a recursos genéticos era regido por uma medida provisória que gerava uma insegurança jurídica enorme. Então, em 2015, tivemos a aprovação da Lei 13.123, que trouxe uma desburocratização e um segurança jurídica muito grande com relação ao uso da biodiversidade. No entanto, ainda precisa ser aprimorada, sobretudo, em sua operacionalização pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen), que está trabalhando no desenvolvimento das normas infralegais. Outro entrave é em relação às regras de patenteamento de sequências biológicas no Brasil, que estão desalinhadas com as normas de patentes no mundo. Mas o principal gargalo está relacionado ao ecossistema de inovação, sobre o custo Brasil, o quanto que custa fazer inovação, quais são os riscos associados e o quanto é difícil empreender no país. Com a pandemia, sentimos na pele as consequências de não termos um ecossistema de inovação adequado.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Qual a contribuição que a agenda de bioeconomia pode ter para tempos pós-pandemia?

THIAGO FALDA – Mais do que nunca estamos vendo que os modelos de produção, a indústria convencional, tradicional vai ter que se adaptar a esse novo cenário. O Brasil tem uma oportunidade de se colocar à frente da agenda de bioeconomia. Inclusive, ela pode ajudar o país na recuperação da crise pós-coronavírus. Diversos países estão anunciando um foco em economia verde, em desenvolvimento sustentável na bioeconomia para sair da crise que vai se instaurar no período pós-pandemia.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – A partir da pandemia, os países devem repensar o atual modelo de cadeias globais de valor para internalizar a produção de itens estratégicos. Quais as perspectivas para o Brasil com essa tendência?

THIAGO FALDA – Há alguns anos, estamos discutindo na ABBI a necessidade da criação de um ecossistema estimulante para o desenvolvimento da bioeconomia no Brasil. Com essa situação que estamos vivendo hoje, de não existir insumos para importação, estamos vendo na prática as consequências de não termos um parque de inovação instituído no país. Temos diversos entraves regulatórios, a questão dos impostos de importação para insumos que não são fabricados no Brasil, enfim, estou falando de questões das mais diversas possíveis que envolvem custo Brasil. Tudo isso dificulta a atividade empreendedora e de desenvolvimento e inovação, que são de alto risco. Esse ambiente no Brasil acabou resultando em um ecossistema ainda carente de inovação, em especial na área de bioeconomia, apesar de todas as características positivas que o Brasil tem. Há empresas, por exemplo, que fabricam kits para o diagnóstico da Covid-19 que não estavam vendendo porque não conseguiam os insumos para a produção dos kits. O mesmo a gente pode dizer para diversos outros produtos da cadeia da bioeconomia. Então, sem dúvida nenhuma, é uma oportunidade para o Brasil repensar e a gente tem que aprender com os erros.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – É importante inserir a bioeconomia em uma estratégia de estado para canalizar esforços em inovações e avanços nessa área?

THIAGO FALDA – O que a gente observa no Brasil não é só com bioeconomia, mas é que nós temos muitos programas de governo e não temos programas de Estado. Precisamos de uma estratégia de longo prazo para aqueles setores que o Brasil tem vocação. Então, a bioeconomia é uma área para qual o Brasil tem vocação pelas características naturais, geográficas, climáticas que possibilitam o seu desenvolvimento. Por isso, ela deve ter uma política de longo prazo.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS –  Quais as perspectivas para a agenda de bioeconomia até 2021 e expectativas para a próxima reunião da Convenção da Diversidade Biológica (CDB)?

THIAGO FALDA – Na CDB, o Brasil sempre foi protagonista, a começar pela Convenção ter sido assinada no Brasil em 1992, na Rio-92. O Brasil vem liderando as discussões em relação à agenda da bioeconomia, de uso sustentável da biodiversidade e, na próxima reunião, temos um marco importante, que é a definição da agenda pós-2020. A cada dez anos, a convenção revisa as suas metas e um ponto fundamental para ser colocado na agenda pós-2020, que seria uma agenda entre 2020 e 2030, seria os benefícios da biotecnologia no âmbito da conservação da biodiversidade. A gente sempre vê na agenda da CDB a biotecnologia ser considerada como um risco. Apesar de conhecer os benefícios, sempre se avalia oficialmente pelo que eles chamam de princípio da precaução, que são quais são os riscos que a tecnologia pode oferecer à conservação da biodiversidade. Mas nunca se fala dos benefícios oficialmente. Depois de tantos anos do desenvolvimento da biotecnologia com o histórico de uso seguro, o grande ponto para ser colocar nas discussões e nas decisões são os benefícios ambientais que a biotecnologia pode trazer, que para a gente que trabalha no setor, são claros, mas que precisam ser muito bem comunicados e definidos na agenda do CDB.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS –  Quais as perspectivas para ratificação do protocolo de Nagoia, acordo internacional sobre repartição de benefícios do uso da biodiversidade e conhecimentos tradicionais a ela associados?

THIAGO FALDA – Entendo que a ratificação do protocolo é inevitável. Isso já foi superado. O que a gente precisa trabalhar enquanto país é a experiência que o Brasil tem na agenda de uso da biodiversidade e na legislação de repartição de benefício para que ela seja levada para a CDB de maneira célere e que a legislação internacional seja o mais parecida possível com a legislação brasileira. Porque é essa legislação internacional que vai reger todas as regras de uso da biodiversidade globalmente. Se nós tivermos uma legislação internacional muito diferente da legislação brasileira, nós teremos que nos adaptar às regras internacionais, ao passo que temos a legislação de biodiversidade mais moderna do mundo. Então, temos que trabalhar para que o mundo adote a legislação brasileira como modelo e, então, colhemos todos os frutos de se ter uma legislação internacional que foi produzida com base brasileira.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Qual a importância da parceria entre indústria e universidade para o avanço da bioeconomia?

THIAGO FALDA – A atividade de inovação está estritamente ligada com a academia, com a ciência básica e, a partir daí, se tem a ciência aplicada. Esse distanciamento tem muita relação com os processos burocráticos internos das universidades. Para se aprovar determinado projeto na universidade, há muitas instâncias para passar e, como a biotecnologia evolui muito rápido e, muitas vezes, um projeto que está pronto para começar demora muitas vezes mais de um ano para ser aprovado na universidade. Outro ponto que acaba gerando uma série de dificuldades é a disputa sobre as patentes. Então, às vezes, há uma dificuldade de entendimento sobre qual é a percentagem em relação à patente que vai ficar com a indústria e que vai ficar com a universidade. Algumas universidades têm saído na frente. A Unicamp é um excelente exemplo de universidade com processos ágeis, com uma agência de inovação que acaba dando celeridade e importância necessárias. Outra questão importante – que já está mudando – é que ainda encontramos pesquisadores que não se sentem à vontade de terem seus projetos de pesquisa financiados pela indústria. Isso ainda é comum. Era muito mais comum anteriormente.

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