A educação é o passaporte do jovem para o futuro do trabalho

Em entrevista para a revista ISTOÉ Dinheiro, o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, avalia que o Brasil tem o grande desafio de preparar a sua força de trabalho para a indústria do futuro e para o futuro do trabalho

A necessidade de qualificar 10,5 milhões de trabalhadores em ocupações industriais até 2023 foi um dos pontos citados na entrevista do presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, para a revista ISTOÉ Dinheiro. O número faz parte do Mapa do Trabalho Industrial, divulgado pelo SENAI. Andrade ressaltou ainda que a educação é imprescindível para quem deseja dominar as tecnologias da indústria 4.0. Leia a íntegra da entrevista:

ISTOÉ DINHEIRO - Em que estágio se pode classificar o trabalhador brasileiro hoje, diante das novas demandas impostas pela evolução tecnológica?

ROBSON BRAGA DE ANDRADE - O Brasil tem o grande desafio de preparar a sua força de trabalho para a indústria do futuro e para o futuro do trabalho. Temos um parque industrial diversificado e moderno, temos trabalhadores capacitados e qualificados, mas é preciso que o país invista muito mais para requalificar os trabalhadores que já estão no mercado e qualificar aqueles que estão chegando, tendo em vista as demandas da chamada Quarta Revolução Industrial, que já está em curso. Uma boa educação (básica e técnica) é imprescindível para quem deseja dominar as tecnologias da indústria 4.0.

O Mapa do Trabalho Industrial, que o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) divulgou no final do ano passado, mostra que as profissões ligadas à tecnologia estão entre as que mais vão crescer até 2023. A capacitação, a qualificação e a requalificação do trabalhador são processos permanentes, mas temos muito ainda a fazer, para fazermos frente a esse novo cenário da vida profissional, que desafia o Brasil e o mundo.

ISTOÉ DINHEIRO - Como compatibilizar a necessidade de requalificar a mão de obra brasileira com as deficiências observadas?

ROBSON BRAGA DE ANDRADE - De acordo com o citado Mapa do Trabalho Industrial, do SENAI, o Brasil terá de qualificar, até 2023, 10,5 milhões de trabalhadores em ocupações industriais de nível superior, técnico, de qualificação profissional e aperfeiçoamento. Demos um importante passo com a aprovação do Novo Ensino Médio, que deve ampliar de forma sensível o número de jovens brasileiros que chegarão à vida adulta com formação profissional. Isso é fundamental para dar ao jovem brasileiro um passaporte para o mercado de trabalho.

Uma boa educação (básica e técnica) é imprescindível para quem deseja dominar as tecnologias da indústria 4.0

Temos 80 milhões de brasileiros sem o ensino médio, um fator que contribui, infelizmente, para a crônica baixa produtividade do trabalho no país. Superar esse quadro é um desafio de país, que exige esforços conjuntos das empresas, do poder público e de entidades que representam o setor produtivo.

ISTOÉ DINHEIRO - De que maneira instituições, como a CNI, podem contribuir para melhorar esse quadro?

ROBSON BRAGA DE ANDRADE - A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por meio do  Serviço Social da Indústria (SESI) e do SENAI, tem liderado o debate e um conjunto de ações para preparar anualmente centenas de milhares de brasileiros e brasileiras para o futuro do trabalho. O SESI oferece, em sua rede de escolas, educação básica de qualidade com metodologias que valorizam o ensino de ciências e matemática, num modelo de educação voltado para o trabalho. A robótica também é usada para estimular a criatividade e o raciocínio lógico e aumentar o interesse dos alunos pela matemática, a física e as engenharias, que são importantes para a formação de novos profissionais e no fomento à inovação.

O SENAI, considerado o maior hub de educação profissional e serviços tecnológicos da América Latina, é referência internacional na formação e qualificação de trabalhadores para a indústria. A educação profissional facilita o ingresso dos jovens no mercado de trabalho e é a base para a construção de uma carreira de sucesso. Uma pesquisa recente do SENAI mostra, inclusive, que sete em cada dez ex-alunos dos cursos técnicos que se formaram em 2017 estavam empregados em 2018.

ISTOÉ DINHEIRO - O que cabe às empresas fazer para também darem a sua contribuição nesse processo?

ROBSON BRAGA DE ANDRADE - As empresas brasileiras têm adotado, cada vez mais, a inovação como parte de sua cultura e de sua estratégia de negócios. Temos avançando e podemos avançar ainda mais. Nos últimos anos, houve aumento significativo no número de indústrias brasileiras que utilizam tecnologias digitais, ou seja, que estão na Indústria 4.0, ainda que em estágio inicial. Entre 2016 e 2018, o percentual das grandes empresas que utilizam pelo menos uma tecnologia digital passou de 63% para 73%.

Sob a liderança da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), que reúne mais de 200 líderes empresariais, a indústria brasileira está trabalhando para ampliar a interlocução no setor sobre o tema e estreitar o diálogo entre a iniciativa privada, a academia e o setor público para aprimorar e ampliar a efetividade das políticas de apoio à inovação. 

ISTOÉ DINHEIRO - Que medidas podem ser tomadas pelo governo brasileiro nesse âmbito?

ROBSON BRAGA DE ANDRADE - As economias desenvolvidas têm buscado estruturar políticas para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades trazidas pela indústria 4.0. Países que têm avançado mais rapidamente na indústria 4.0 - como Alemanha, China e Estados Unidos -, os respectivos governos investem de forma bem expressiva no desenvolvimento de competências dos trabalhadores nas novas tecnologias e para acelerar a incorporação de tecnologias digitais pelas empresas, em especial as de pequeno e médio porte. O atual governo tem mantido importante interlocução com o setor produtivo nesse sentido.

Está implementada, por exemplo, a Câmara Brasileira da Indústria 4.0, iniciativa dos ministérios da Economia e da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), para concentrar as ações de governo nessa área. É um passo importante para que as políticas sejam pensadas de forma articulada. A modernização dos currículos das engenharias, comandada pela CNI, através da MEI, e anunciada no início do ano passado, é outro importante passo para que tenhamos engenheiros formados de acordo com as exigências do mercado.

Além disso, é fundamental que tenhamos avanços significativos na qualidade da formação básica do brasileiro e na implementação do Novo Ensino Médio. 

ISTOÉ DINHEIRO - Que indústria deve emergir no Brasil a partir da cada vez mais veloz transformação tecnológica pela qual o mundo inteiro vem passando?

ROBSON BRAGA DE ANDRADE - A indústria mundial, não apenas a brasileira, está sob uma pressão inédita exercida pelo forte ritmo de transformação das tecnologias digitais. A CNI e as instituições a ela ligadas têm reforçado nos fóruns empresariais e nos contatos com o poder público que a indústria 4.0 é uma oportunidade única para o país, mas requer um esforço significativo de adequação, de modernização e de inovação.

Em 2019, o SENAI realizou um projeto de pilotos de indústria 4.0 para mostrar, exatamente, que é possível incorporar essas inovações da Quarta Revolução Industrial, algumas de baixo custo, mas com impacto positivo na produtividade e, consequentemente, na competitividade das empresas. As indústrias que prosperarão no decorrer desta Revolução, tanto no Brasil como no mundo, serão as mais capazes de se adequar e aproveitar as soluções que a indústria 4.0 tem trazido.

ISTOÉ DINHEIRO - Essa rapidez na evolução tecnológica não pode fazer o Brasil correr o risco de pensar em formar o profissional do futuro, ao passo que outros países já o têm no presente?

ROBSON BRAGA DE ANDRADE - De fato, temos mais trabalho a fazer do que os países desenvolvidos. Mas já estamos pensando e atuando na formação do trabalhador do futuro. Uma grande parte do desafio é capacitar e requalificar o trabalhador que já está no mercado de trabalho. A indústria 4.0 exige novas competências que podem perfeitamente serem dominadas e absorvidas por quem já está empregado.

O citado Mapa do Trabalho Industrial mostra, por exemplo, que dos 10,5 milhões dos trabalhadores que terão de ser qualificados e requalificados, 78% deles já estão no mercado, enquanto 22% ainda ingressarão na vida profissional.

Temos 80 milhões de brasileiros sem o ensino médio, um fator que contribui, infelizmente, para a crônica baixa produtividade do trabalho no país

Além disso, o SENAI – que atua de forma sinérgica com a indústria brasileira e tem apoiado o setor com sua rede de institutos e centros de tecnologia e inovação – tem ampliado a oferta de cursos voltados a atender as exigências desta indústria do futuro.

ISTOÉ DINHEIRO - No final dos anos 1980, a indústria de transformação chegou a ter 30% de participação no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, enquanto hoje beira 11%? Que impacto a qualificação do trabalho pode ter nesse índice?

ROBSON BRAGA DE ANDRADE - A perda de espaço da indústria na economia ocorre em todo o mundo, especialmente em países mais desenvolvidos. Nas economias mais maduras, os serviços ganham importância e são responsáveis por uma parcela significativa do PIB. Entretanto, no Brasil, a perda de participação da indústria no PIB se acelerou por uma série de questões estruturais, em que a falta de qualificação do trabalhador é parte de um conjunto de dificuldades que tiram a competitividade do setor. Entre esses obstáculos estão a elevada carga tributária, as deficiências na infraestrutura, o excesso de burocracia, o alto custo dos financiamentos e a insegurança jurídica.

Mesmo com a queda de participação no PIB, a indústria de transformação desempenha um importante papel no Brasil. O setor emprega 6,7 milhões de trabalhadores e paga os melhores salários. Atualmente, um trabalhador com ensino superior completo recebe, em média, R$ 7.316,00 na indústria de transformação, muito acima da média nacional que é de R$ 5.750,00. Além disso, o setor é responsável por 52,7% das exportações de bens e serviços e por 26,5% da arrecadação de tributos federais, dando uma importante contribuição para as ações do poder público em área importantes, como saúde, educação e desenvolvimento social.

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