A modernização das leis do trabalho: oportunidade, não oportunismo

Especialistas da CNI falam sobre as reformas em momentos de crise

Crises econômicas em qualquer país do mundo ensejam debates sobre reformas. São nos cenários de recessão prolongada que as nações se defrontam com seus problemas estruturais.

Natural, portanto, que no Brasil voltem às rodas de discussão a disciplina fiscal, o sistema de Previdência e as relações de trabalho. Nada há aqui de oportunismo, como muitos dizem do momento em que tais agendas se enfatizam. Há apenas o atestado fático de que perdemos, como país, a oportunidade de corrigir nossas deficiências quando gozávamos tempos de bonança. Dentre esses temas, a modernização das leis do trabalho é talvez o que mais suscita polêmica.

Em países desenvolvidos, quando o desemprego e a informalidade atingem percentuais altos, costuma-se questionar quais alterações trabalhistas podem ser promovidas para um ambiente mais propício ao trabalho e ao empreendedorismo. Nos últimos anos, Itália e França decidiram enfrentar essa agenda após prolongado período de estagnação e elevadas taxas de desemprego, sobretudo entre jovens, após a crise de 2008. O mercado de trabalho da Alemanha, país que havia iniciado em 2003 a reforma de sua legislação à nova realidade produtiva atravessou, por sua vez, esse período difícil com resiliência.

Mas o Brasil há anos enfrenta um cenário trabalhista atípico – o que apenas se enfatizou com a crise econômica –, que exige a adequação da legislação às novas técnicas de produção e formas de trabalhar do mundo moderno.

A nossa legislação trabalhista em cotejo com a realidade produtiva moderna estabelece condições que dificultam o empreendedorismo, a geração de empregos, a produtividade e a competitividade, pela sua burocratização, pela sua rigidez e pelo excessivo detalhamento, e, sobretudo, pela baixa possibilidade de negociação de condições de trabalho específicas entre trabalhadores e empregadores. E com isso menos protege quem deveria proteger: o trabalhador.

Não é à toa que metade dos trabalhadores brasileiros estão à margem das garantias e proteções da lei, pois se encontram na informalidade. Mesmo após uma década de crescimento econômico, em 2014, quase metade dos trabalhadores permaneciam sem carteira de trabalho assinada.

Hoje, mesmo quando um empreendedor faz o máximo esforço para cumprir toda a legislação trabalhista, contando, muitas vezes, com uma equipe multidisciplinar formada, por contadores, advogados, administradores, engenheiros de segurança, médicos do trabalho, ainda assim não é possível ter certeza de que todos detalhes da legislação foram atendidos. Também é difícil ter certeza se as centenas de jurisprudências consolidadas em súmulas, precedentes e orientações jurisprudenciais da Justiça do Trabalho estão sendo observados. Isso quando elas não são alteradas abruptamente, com geração de passivos que até então não existiam e que podem prejudicar até a continuidade dos negócios e dos empregos.

Por isso, não surpreende que em 2015 o Brasil tenha tido quase 4 milhões de novas ações trabalhistas. É claro que esse volume assombroso de processos não é responsabilidade exclusiva das empresas. É uma soma de fatores, em que a nossa legislação tem uma forte participação. Isso porque, a base maior da legislação trabalhista, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criada 73 anos atrás (em 1943), não está adequada para a realidade produtiva e de trabalho atual, de plena era da revolução digital, marcada, pelo altíssimo grau de interconexão do mundo, de pessoas, de trabalhos e de redes de produção.

Para se constatar o abismo existente entre a época atual e a primeira metade do século anterior, quando a CLT foi editada, basta reconhecer que a primeira transmissão televisiva no Brasil ocorreu em 1948, cinco anos depois do lançamento da legislação. Já os essenciais computadores só foram popularizados mais de meio século depois, e estão hoje, presentes ao lado de um arsenal de tecnologias de ponta utilizado nos mais diversos setores e ramos de atividades. A medicina, por exemplo, utiliza hoje a tecnologia de ponta da era digital para que os médicos possam participar de cirurgias delicadíssimas a distância em pacientes localizados em cidades, países e mesmo em outros continentes.

Essa distância entre a legislação e as novas técnicas de produção e trabalho só tende a aumentar e fomentar ainda mais o conflito. Atualmente vê-se o surgimento, em países como a Alemanha, da chamada Indústria 4.0, que pode ser definida simplificadamente como uma indústria com alto grau tecnológico, atendimento quase personalizado ao cliente e uma forte conectividade na produção, em um aprofundamento do que é chamado de produção em rede. Tal revolução exigirá profissionais cada vez mais capacitados e uma legislação moderna e elástica, capaz de atender de forma dinâmica as necessidades e os interesses dos trabalhadores e das empresas.

É necessário, portanto, vencer o preconceito contra a modernização da legislação trabalhista. Os méritos da CLT, claro, devem ser aproveitados, mas é preciso que se tenha um novo olhar para o mundo do trabalho, não só para garantir a fundamental proteção ao trabalhador, mas também para proporcionar um ambiente de maior competitividade para as empresas. Isso é ainda mais imprescindível em momento de crise econômica. Trata-se, assim, de mais uma oportunidade de realizar uma das mudanças necessárias e colocar o país de volta à rota do crescimento.

Leia também

Relacionadas

Leia mais

Flexibilidade nas relações de trabalho contribui para proteção do emprego, dizem especialistas
Relações do trabalho equilibradas contribuem para a geração de emprego, diz Robson Braga de Andrade
Três perguntas sobre relações do trabalho para o ministro do STF Luís Roberto Barroso

Comentários