Um ministério à altura do setor industrial

Em artigo publicado no portal O Globo, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, ressalta que é imperativo que o governo não só mantenha, mas fortaleça o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços

Simplificações administrativas são, teoricamente, bem-vindas, mas é preciso avaliar, com muita cautela e pragmatismo, se o enxugamento da estrutura não vai prejudicar a atividade econômica, em vez de ajudá-la. A ideia, surgida no contexto da campanha presidencial, de extinguir o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) preocupa o setor industrial. No momento em que o mundo acelera rumo à Quarta Revolução Industrial, é imprescindível uma instância ministerial forte para elaborar, executar e coordenar as políticas públicas nessa área, monitorando seus impactos.

O MDIC não pode ser visto como uma instituição transitória. Ao contrário, precisa ser elevado ao patamar de organismo essencial a qualquer governo, integrando uma política de Estado. O ministério — responsável por temas importantes, como desenvolvimento industrial, inovação, micro e pequenas empresas, comércio exterior, comércio interno e serviços —  deve ser parte da equipe econômica, mas como órgão autônomo. Dessa forma, pode trazer para o processo de tomada de decisão a perspectiva da competitividade, da geração de empregos e da ampliação da renda.

Nesse debate, é importante lembrar a nossa história. A versão original do MDIC, batizada de Ministério da Indústria e Comércio, foi criada por ninguém menos que Juscelino Kubitschek, o presidente brasileiro que simbolizou um esforço comum de desenvolvimento e modernização. Ao longo de décadas, o ministério foi chefiado por importantes lideranças políticas e empresariais, como Ulysses Guimarães.

Contudo, o MDIC foi extinto no governo do presidente Fernando Collor, que considerava a abertura comercial unilateral a única política industrial (se é que o termo pode ser usado nesse caso) viável. Naquela época, a abertura sem planejamento adequado —  e sem contrapartida na ampliação de mercados para a exportação, por meio da negociação de acordos comerciais — desorganizou a indústria.

Milhares de empresas foram dizimadas; muitos empregos, destruídos; e vários setores, desnacionalizados. Os ganhos de produtividade, no entanto, foram baixos diante do custo social dessa iniciativa equivocada. Ainda assim, o avanço nesse campo foi pontual, pois as medidas necessárias para aumentar a competitividade da economia não foram tomadas, de modo que a produtividade ficou praticamente estagnada nas duas décadas seguintes.

No complexo cenário atual, quando ainda estamos sentindo os terríveis reflexos da mais profunda e duradoura crise econômica da nossa história, não podemos cometer novos erros. É imperativo que o governo não só mantenha, mas fortaleça o MDIC. Precisamos de um ministério com um papel específico, que não seja atrelado à Fazenda, mais preocupada em arrecadar impostos e administrar as contas públicas. Esse ministério reforçado deve contar com os instrumentos adequados para conduzir as políticas públicas apropriadas ao crescimento do setor industrial. 

O próximo governo tem o desafio incontornável de recolocar o Brasil no caminho do desenvolvimento econômico e social. As ações necessárias para atingir esse objetivo são claras. Será indispensável avançar nas reformas, sobretudo a da Previdência Social e a tributária, desburocratizar e garantir segurança jurídica à atividade econômica, tornar o governo mais eficiente na oferta de serviços públicos, viabilizar investimentos na infraestrutura, em parceria com o setor privado, promover o aumento da produtividade e ampliar a inserção internacional do país. 

No entanto, o desenvolvimento só se tornará realidade se houver, por parte do governo, atenção à indústria. O setor industrial deve estar no centro da estratégia do esforço para sairmos da crise — e as razões são evidentes. A indústria contribui com R$ 1,2 trilhão para a economia brasileira. Apesar de representar 21% do PIB do país, o setor responde por 51% das exportações, 68% dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento feitos pelo setor privado, 32% da arrecadação de tributos federais e 25% da arrecadação previdenciária. Na indústria, cada R$ 1 produzido gera outros R$ 2,32. Na agricultura, esse efeito é de R$ 1,67 e, em serviços, de R$ 1,51. 

A indústria emprega 9,6 milhões de brasileiros —  e paga melhores salários. O salário de um trabalhador com o ensino médio completo é de R$ 1.989. Na indústria, ele recebe R$ 2.291. Quem possui o ensino superior tem salário médio de R$ 5.476. Na indústria, esse trabalhador com maior qualificação recebe R$ 7.374. Ou seja, sem desenvolvimento industrial, o Brasil não conseguirá trilhar o caminho do crescimento econômico sustentado, com geração de bons empregos e ampliação da renda.

Da mesma forma como ninguém cogita acabar com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o setor industrial espera que, de uma vez por todas, a discussão sobre a extinção do MDIC seja encerrada. Nenhuma grande economia do mundo abre mão de ter um ministério responsável pela indústria e pelo comércio exterior forte e atuante. 

Desde a crise de 2008 e o impacto da Indústria 4.0, aumentou o número de países com ministérios específicos e estratégias industriais. A Inglaterra, por exemplo, voltou a incluir um dos seus órgãos estatais voltados para temas empresariais — seu nome é Departamento para os Negócios, Energia e Estratégia Industrial. Os Estados Unidos, que são tidos como referência de liberalismo econômico, empreendem uma política industrial ampla e consistente, com um Departamento de Comércio que foi reforçado pelo governo Donald Trump para, justamente, cumprir essa função.

A eventual perda de status do MDIC colocaria o Brasil, portanto, na contramão dessa tendência e reduziria a nossa capacidade em negociações internacionais. Além disso, a excessiva concentração de funções em um único ministério reduziria a atenção sobre temas que são cruciais para a indústria, que ficariam diluídos em meio aos incêndios que cotidianamente desafiam a gestão macroeconômica. Por tudo isso, é fundamental que o próximo governo siga a boa prática internacional, que prioriza o fortalecimento do setor industrial. Sem uma indústria forte, não será possível alcançarmos o Brasil que desejamos para nós e para as futuras gerações. 

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