Com quase metade do território ocupado pela Floresta Amazônica e dono de 20% da biodiversidade do planeta, o Brasil precisa adotar, com urgência, um plano consistente que assegure o uso sustentável desse admirável patrimônio natural. A estratégia precisa ter uma abrangência nacional e deve considerar as metas do Marco Global para a Biodiversidade de Kunming-Montreal, aprovado na 15ª Conferência das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, a COP15, que ocorreu em dezembro do ano passado, no Canadá. O acordo, que traz avanços importantes para a conservação da fauna e da flora em todo o planeta, será uma referência para orientar os projetos do setor privado e o financiamento de atividades baseadas na utilização dos recursos biológicos.
Assinado por mais de 190 países, inclusive o Brasil, o Marco Global estabelece quatro objetivos a serem alcançados até 2050. Também define 23 metas que visam reverter a perda de biodiversidade até 2030. Esses compromissos são tão relevantes para o mundo quanto os assumidos no Acordo de Paris para controlar o aquecimento global e adaptar as estruturas dos países aos impactos das mudanças climáticas.
O setor produtivo tem um papel importante nessa pauta, pois a fauna e a flora são valiosas fontes de matérias primas e insumos para a produção de alimentos, remédios, vacinas, biocombustíveis e outros itens fundamentais para a saúde e o bem-estar das pessoas. A negligência e as ações que causam danos ou perdas a esse patrimônio prejudicam as operações das empresas, e o funcionamento das cadeias de suprimento.
A definição de uma estratégia abrangente para a biodiversidade é fundamental para ajudar o Brasil a proteger o meio ambiente, destacar-se no combate ao aquecimento global, e voltar a crescer de forma vigorosa e sustentada.
Além disso, podem comprometer o desenvolvimento da bioeconomia, um promissor modelo de produção industrial baseado no uso sustentável dos recursos biológicos. Dados da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI) mostram que o faturamento da indústria nacional pode ter um acréscimo de US$ 284 bilhões ao ano se o país investir em tecnologias inovadoras que permitam o desenvolvimento de biocombustíveis, plástico verde e outros bens de alto valor agregado, como tecidos, fertilizantes e aditivos químicos.
Por isso, a indústria defende a incorporação efetiva das metas do pacto de Kunming-Montreal a um plano nacional de conservação da biodiversidade.
Entre os pontos positivos do Marco Global para a Biodiversidade está a questão do financiamento. Graças à atuação efetiva dos negociadores brasileiros e de outros países em desenvolvimento na COP15, foi prevista a mobilização de US$ 200 bilhões até 2030 para viabilizar o cumprimento das metas estabelecidas. Esses recursos devem vir de diversas fontes, especialmente de países desenvolvidos e de fundos privados de financiamento.
O tratado reconhece, ainda, a importância do setor produtivo para a conservação da biodiversidade e para o cumprimento do que foi pactuado em Montreal. A meta 15, por exemplo, prevê que os governos adotem medidas para estimular as empresas a inovar e implementar modelos de produção mais sustentáveis. Essas políticas devem aumentar a capacidade da indústria para desenvolver tecnologias e soluções que ajudarão o Brasil a alcançar objetivos como a recuperação de áreas degradadas e a redução dos riscos associados ao uso indiscriminado de pesticidas e de produtos químicos perigosos.
A indústria será igualmente indispensável para o país atingir as metas que tratam do acesso aos recursos genéticos e da repartição dos benefícios, da biossegurança e da biotecnologia. Felizmente, muitas empresas brasileiras já combinam o cuidado e o uso sustentável da biodiversidade com medidas de combate ao aquecimento global.
A indústria de base florestal, por exemplo, planta mais de 1,5 milhão de árvores por dia de espécies como eucalipto e Pinus, que sequestram e estocam gás carbônico, ajudando a conter as mudanças climáticas e gerando retorno financeiro. Empresas do setor de cosméticos investem em pesquisas e no desenvolvimento de produtos sustentáveis a partir da biodiversidade da Amazônia. Além de proteger a floresta, esses negócios geram renda para as comunidades extrativistas e ajudam a promover o desenvolvimento da região.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) tem sido uma das protagonistas dos debates. Organizamos estudos e eventos que identificam os desafios e as oportunidades da conservação e do uso sustentável da biodiversidade. Com base nesses trabalhos, apresentamos recomendações para a internalização do Protocolo de Nagoia, que estabelece regras internacionais para a utilização e a repartição de benefícios do uso de recursos genéticos da biodiversidade. Também subsidiamos o governo brasileiro nas negociações do Marco Global e podemos contribuir para a formulação de um plano nacional que traga benefícios para toda a sociedade.
A elaboração e a implementação de uma política eficiente para proteger o patrimônio biológico e estimular a bioeconomia estão entre os principais desafios do novo governo. Nesse sentido, a criação, pelo novo governo, de secretarias específicas para as questões da biodiversidade e da bioeconomia em diferentes ministérios representa um importante avanço, e demonstra que o setor público está disposto a tratar a questão de forma transversal e estratégica.
No entanto, a efetividade das ações dos ministérios e de outros organismos estaduais e municipais depende do estabelecimento de uma governança bem definida, objetivos claros e instrumentos adequados para alcançá-los. O desenvolvimento da bioeconomia requer, ainda, estímulos à pesquisa, à ciência e à tecnologia, e a expansão da rede nacional de inovação. Exige, também, a criação de regulamentos equilibrados que tragam segurança jurídica aos investidores.
Acreditamos que a definição de uma estratégia abrangente para a biodiversidade é fundamental para ajudar o Brasil a proteger o meio ambiente, destacar-se no combate ao aquecimento global, e voltar a crescer de forma vigorosa e sustentada. A adoção das metas pactuadas no Marco Global para a Biodiversidade de Kunming-Montreal será um importante passo nessa direção.
*Robson Braga de Andrade é empresário e presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
O artigo foi publicado no jornal Valor Econômico no dia 17/02/2023.
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