Embora o mundo esteja concentrado na redução das emissões de gases de efeito estufa para conter o aumento da temperatura, a mudança climática já afeta a vida na Terra. Seus impactos são visíveis em diversas partes do planeta, com aumento da intensidade e frequência de desastres naturais como secas e inundações. No Brasil, que é responsável por 12% da reserva mundial de água doce, um dos efeitos que mais preocupam, por incrível que pareça, é a escassez hídrica.
Além do risco de desabastecimento, a falta de água gera perdas significativas na produção, aumento dos custos e diminuição da competitividade dos produtos industriais. Para se ter ideia desses reflexos, o total arrecadado pelo setor elétrico com as bandeiras tarifárias adotadas por causa da última crise hídrica chegou a R$ 12,9 bilhões entre setembro e dezembro de 2021, conforme dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Esse valor é quatro vezes maior do que o do último quadrimestre de 2019, ano anterior à pandemia da covid-19, e 16 vezes superior ao do mesmo período de 2020.
A explicação para essa disponibilidade mais escassa de água está na frequência menor de chuvas em regiões de alta e crescente densidade populacional e industrial, como a Sudeste, responsável por quase metade da economia brasileira e por 45% da população, mas que possui apenas 6% da oferta de água do país. Enquanto isso, na Região Norte, onde vivem somente 5% da população, estão 81% da água doce disponível no país.
Esses fatores explicam a escassez hídrica, mas não justificam a insegurança hídrica em que vivemos. Precisamos aprender a lidar com esse cenário com mais previsibilidade, criatividade e agilidade. Afinal, a segurança hídrica é essencial para a sobrevivência humana, para os processos produtivos e ecossistêmicos, e para a geração de emprego e renda. Com os desafios adicionais impostos pela mudança climática, é necessário adotar uma visão integrada dos diversos usos da água, com planejamento e construção de alternativas viáveis para a utilização mais eficiente desse recurso.
Há muito tempo, a indústria brasileira tem feito a sua parte para reduzir o consumo de água em seus processos e produtos. Hoje, com participação de 20,5% no Produto Interno Bruto (PIB), o setor é responsável por apenas 9% da água total retirada dos mananciais. Mesmo assim, a indústria continua os esforços para reduzir a pressão sobre os corpos hídricos com investimentos em novas tecnologias, sobretudo em fontes alternativas, como reúso de efluentes tratados e projetos de dessalinização.
O setor tem apostado fortemente em iniciativas de eficiência e apoio à diversificação da matriz energética. Isso contribui para diminuir a participação de fontes fósseis e cumprir as metas de redução das emissões de gases de efeito estufa. Também tem colaborado para aumentar a geração de energia por meio de fontes renováveis (como solar, eólica e biomassa) e diminuir a nossa dependência da geração hidráulica, que hoje representa 65,2% da matriz.
O exemplo da indústria, de se preparar para crises de abastecimento de água, precisa ser disseminado em outros segmentos da economia e da sociedade, podendo inspirar a busca por eficiência em todo o sistema de gestão hídrica do país. Dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) estimam um crescimento de 42% das retiradas de água até 2040, dos atuais 1.947 metros cúbicos por segundo para 2.770. Isso representa um aumento de 26 trilhões de litros extraídos dos mananciais.
Para se preparar para esse cenário desafiador no futuro, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) lançará, em breve, o estudo Cobrança pelo direito de uso dos recursos hídricos, que traz propostas para melhorar a gestão hídrica nos próximos anos. O documento mostra que, nos últimos 10 anos, houve pouca evolução no sistema, com alguns retrocessos, como o contingenciamento ou desvio de finalidade dos recursos arrecadados, que poderiam ser reinvestidos em projetos para garantir o abastecimento de água nas próximas décadas.
Entre as propostas para a evolução do sistema, estão sua reorganização, o possível estabelecimento da concessão administrativa ou de gerenciamento de bacias hidrográficas pelo setor privado, e a regulamentação da arrecadação e da aplicação dos recursos. É imprescindível harmonizar metodologias e modelos de delegação e de cobrança nos estados que utilizam uma mesma bacia e tornar claras as funções legais dos entes envolvidos.
Houve um importante avanço, em 2020, com a aprovação do novo marco geral do saneamento básico. Além de estimular investimentos e acelerar a universalização desse serviço, a lei abriu oportunidades de negócios com efluentes tratados, que podem ser reutilizados pela indústria e até ser consumidos por humanos e animais, embora, para isso, seja necessário vencer uma barreira cultural.
As fontes alternativas de água, como o reúso e a dessalinização, também carecem de regulamentação para dar segurança jurídica e atrair investimentos. Precisamos atacar com urgência essas e outras frentes, acelerar obras em andamento e começar outras prioritárias. Projeções da ANA mostram que, se essas tarefas não forem feitas, em 2035, haverá 70 milhões de brasileiros em situação de risco hídrico e perdas econômicas da ordem de R$ 518 bilhões para a indústria e o setor agropecuário.
Os desafios hídricos são grandes e complexos, mas somos plenamente capazes de resolvê-los. As alternativas para solucioná-los estão à mão. Precisamos, acima de tudo, de vontade política e liderança para que avancem. Assim, o Brasil poderá ocupar a posição de destaque em um cenário que busca soluções sustentáveis para o enfrentamento das mudanças climáticas e para a plena recuperação da economia.
*Robson Braga de Andrade é empresário e presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
O artigo foi publicado no dia 23/03, no jornal Correio Braziliense.
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