Este é o momento oportuno para o Brasil definir uma estratégia que amplie sua participação nas cadeias globais de valor. O primeiro passo para isso é entender o processo de reorganização desses arranjos produtivos, que se aprofundou com os impactos da covid-19 sobre a fabricação e o transporte de mercadorias.
As cadeias globais de valor, que permitem produção de um bem a partir de matérias-primas e componentes vindos de diversos países sob a coordenação de grandes empresas, ganharam força na década de 1990 e trouxeram uma série de benefícios, como o aumento da eficiência e a redução dos custos industriais. A integração da produção também mudou o fluxo internacional de investimentos e abriu oportunidades para empresas e trabalhadores de nações em desenvolvimento, promovendo crescimento econômico e social em todo o mundo.
Entre 2005 e 2020, multis brasileiras foram as que menos investiram no exterior em relação às de países emergentes. Entretanto, mesmo antes do choque do coronavírus sobre a atividade econômica, alguns riscos dessas redes internacionais, como a concentração da produção em poucos países e a elevada dependência de um pequeno número de fornecedores, vinham sendo criticados por Estados Unidos, Holanda e Japão.
Esses países e o Reino Unido já discutiam políticas para retomar os processos industriais que haviam migrado para outras partes do mundo. Além de recuperar os empregos perdidos para a globalização, a estratégia, que ficou conhecida como reshoring, busca a diversificação e a formação de uma rede de fornecedores mais próxima e menos sujeita a instabilidades.
O movimento ganhou força com a interrupção de linhas de produção e a imprevisibilidade no abastecimento provocadas pela covid-19. Na primeira onda da pandemia, a falta de insumos médicos e equipamentos hospitalares, como remédios, luvas, máscaras e respiradores artificiais, evidenciou a elevada dependência de muitos países em relação a fornecedores do Sudeste Asiático.
Pesquisas internacionais mostram que 94% das empresas enfrentaram dificuldades com a interrupção das cadeias de suprimento, como a escassez de insumos e peças. Nos Estados Unidos, por exemplo, 26% das companhias afirmaram que suas atividades tiveram prejuízos expressivos com a ruptura dos sistemas de abastecimento, causada pela pandemia.
Esses problemas são sentidos, ainda hoje, em todos os países. No Brasil, a sondagem trimestral da Confederação Nacional da Indústria (CNI) confirma que a falta ou o alto custo das matérias primas se mantém, há mais de um ano, como o principal obstáculo para a recuperação do setor industrial.
Diante desses desafios, é preciso melhorar a gestão dos fornecedores e ampliar as fontes nacionais e regionais de abastecimento das cadeias globais de valor. Também é necessário o fortalecimento da gestão de riscos e o aumento dos investimentos em tecnologias e digitalização de processos.
Essas tendências, identificadas em um estudo feito pela CNI e pela empresa Totvs, devem orientar o plano para o Brasil aumentar sua presença no mercado global.
Nesse período, o valor dos investimentos externos do Brasil foi de US$ 47,5 bilhões, enquanto os da China atingiram US$ 1,4 trilhão, os da Rússia chegaram a US$ 587 bilhões, os da Índia alcançaram US$ 181,8 bilhões e, os do México, US$ 146,1 bilhões. Ou seja, os investimentos de empresas brasileiras no exterior são 30 vezes menores do que os dos chineses e três vezes inferior aos dos mexicanos.
Outro indicador da frágil presença do Brasil no cenário global é a queda das nossas exportações de bens industrializados. O país vem se destacando no cenário mundial como fornecedor de commodities. No ano passado, apenas três produtos - soja, minério de ferro e petróleo - foram responsáveis por 35% do total das vendas externas brasileiras.
Por isso, o projeto para conquistar espaços nas cadeias globais de valor deve incluir medidas que melhorem o ambiente de negócios e promovam a inserção internacional das empresas. Também necessitamos de políticas que ajudem a atrair investimentos vinculados a essas redes de produção.
É indispensável reduzir os custos tributários e as despesas com logística e energia. Em primeiro lugar, precisamos aprovar uma reforma tributária ampla, que simplifique e corrija as distorções do sistema de arrecadação de impostos. Devemos, ainda, modernizar e ampliar a infraestrutura. Com custos competitivos, poderemos receber investimentos de países e empresas que querem diversificar a rede de fornecedores.
Outra ação imprescindível é a adoção de políticas voltadas à integração com regiões e países estratégicos com os quais o Brasil mantém um fluxo significativo de comércio e investimentos. Ao aprofundarmos a aproximação com os Estados Unidos, a América Latina e a União Europeia, por exemplo, teremos mais chances de fazer parte dos arranjos produtivos que valorizarão os fabricantes regionais.
As iniciativas empresariais destinadas a aumentar os ganhos de eficiência e de produtividade também são decisivas para melhorar a nossa inserção global. Devemos expandir os investimentos em novas tecnologias e na digitalização das atividades, além de buscar o controle de custos, o aprimoramento contínuo da gestão e a diversificação de fornecedores.
Essas estratégias vêm sendo adotadas por empresas da China, dos Estados Unidos e de países da Europa, para reforçar sua capacidade de enfrentar eventuais crises de suprimentos e para manter ou até mesmo ampliar sua posição nos arranjos produtivos internacionais.
Com políticas públicas adequadas e ações empresariais sintonizadas com as mudanças que vêm ocorrendo em todo o mundo, o Brasil pode aproveitar a nova configuração das cadeias globais de valor para ocupar um lugar de maior destaque no cenário internacional. Isso é crucial para o país atrair mais investimentos e voltar a crescer de forma sustentada.
Robson Braga de Andrade é o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)
O artigo foi publicado no site do Valor Econômico
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