Concorrência na área de saneamento é essencial

Em artigo publicado no site Poder 360, o presidente em exercício da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Paulo Afonso Ferreira, defende a expansão dos serviços de água e esgoto de companhias privadas para mudar atual cenário de atraso

Numa era de notáveis avanços tecnológicos, o Brasil ainda convive com indicadores típicos do século 19 na área de saneamento básico, segmento mais atrasado na infraestrutura nacional.

Os números não deixam margem para dúvidas. No país com o maior volume de água doce do mundo, 34 milhões de pessoas (mais de 16% dos brasileiros) não têm água tratada nas torneiras de suas casas. Quase metade da população não possui acesso a coleta de esgoto.

Esse cenário negativo resulta da falta de prioridade ao saneamento básico, que compete por recursos com outras áreas nos orçamentos públicos, num momento de estrangulamento fiscal da União, dos Estados e dos municípios.

A média de investimentos totais no setor, nos últimos anos, foi de R$ 13,6 bilhões anuais. O volume necessário para assegurar a plena universalização dos serviços até 2033, conforme a meta estabelecida no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), é de quase R$ 22 bilhões. A falta de recursos é, portanto, de R$ 8,4 bilhões por ano.

Além da quantia insuficiente, as verbas são aplicadas de maneira altamente concentrada: cerca de 60% do total foi investido nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná. No outro extremo, 1.456 municípios apresentaram aporte nulo nos últimos anos. Ou seja, não tiveram nenhuma expansão ou mesmo manutenção dos sistemas de água e esgoto.

Com o objetivo de reverter esse quadro negativo, em dezembro de 2018 foi editada a Medida Provisória n° 868/2018, que traz uma série de melhorias para tornar a universalização dos serviços de água e esgoto possível. A MP deve ser votada nesta terça-feira, 7 de maio, na Comissão Mista do Congresso Nacional. Depois, terá que ser aprovada pelos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado.

Um aspecto extremamente importante do texto é a competição entre as companhias públicas e o setor privado. O modelo atual do setor, com empresas estaduais sendo responsáveis por cerca de 75% do mercado, foi estabelecido na década de 1970.

Atualmente, essas delegações, chamadas de “contratos de programa”, não estabelecem metas claras de investimentos ou atendimento à população. Além disso, os contratos são constantemente renovados, sem que haja uma avaliação sistêmica da qualidade e da eficiência do serviço prestado.

A MP 868 estabelece que, após o vencimento desses contratos, será necessária a celebração de concessões para a prestação dos serviços, seguindo as regras de licitação. Em termos práticos, a MP cria condições para a maior participação do setor privado na área de saneamento, abrindo o sistema a uma saudável e necessária competição.

Esse novo mecanismo é indispensável para o desenvolvimento do saneamento. O atual contexto fiscal reforça a necessidade do aumento da participação privada, hoje responsável pelo atendimento de apenas 9% da população e por 20% dos investimentos realizados.

Se nenhuma mudança for feita nesse panorama, diante da indisponibilidade de recursos orçamentários, as companhias sem capacidade de investimentos não conseguirão expandir os serviços de água e esgoto. O Congresso Nacional não deve permitir que isso aconteça.

Muitos mitos e equívocos têm sido disseminados sobre a questão das concessões. A falsa ideia de que somente municípios ricos e grandes serão bem atendidos, por exemplo, mostra o quanto a resistência em segmentos do setor infelizmente supera o interesse de expandir e melhorar o saneamento no país.

A realidade é outra: cerca de 58% das concessões das companhias privadas estão em municípios com menos de 20 mil habitantes. Ademais, do total de 3.919 municípios atendidos pelas companhias estaduais, 2.575 (65,7%) só têm disponível o serviço de abastecimento de água.

Outro aspecto importante da medida provisória é o estabelecimento de normas regulatórias de referência pela Agência Nacional de Águas (ANA). No Brasil, 49 agências reguladoras tratam do setor, muitas sem autonomia decisória, independência financeira e sem equipe técnica suficiente.

Há uma diversidade de normas. Cerca de metade dos municípios não são regulados por uma agência estruturada. Tampouco dispõem de recursos financeiros para a estruturação de um órgão com corpo técnico apto a realizar uma regulação robusta e tecnicamente embasada.

As normas de referência previstas na MP 868 facilitarão a construção e a aplicação da regulação nas cidades. A metodologia prevista no texto permitirá que os municípios economizem com capacitação e consultorias. Com clareza e qualidade regulatória, será possível aumentar os investimentos e atender os interesses da população.

As polêmicas levantadas pela MP, especialmente no que diz respeito à possibilidade de concorrência, não fazem o menor sentido diante da situação do saneamento. O modelo atual, que já dura meio século, nitidamente fracassou ao ser incapaz de atender bem os brasileiros. A MP 868 não obriga a privatização do setor no país. Companhias públicas eficientes continuarão prestando seus serviços. O que se pretende é permitir que haja concorrência, acabando com a inércia dos contratos atuais.

A população não pode continuar sofrendo com a ausência do serviço mais básico para a dignidade humana: o abastecimento de água, e a coleta e o tratamento de esgoto. Da mesma maneira, o meio ambiente não pode mais ser afetado pelo derramamento de esgoto sem tratamento nos nossos mananciais hídricos ou a céu aberto. Por isso, a indústria brasileira defende a aprovação da MP 868.

O artigo foi publicado nesta terça-feira (7) no site Poder 360.

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