Criar um melhor ambiente de regulação e propiciar maior competição entre o capital privado e público no setor de saneamento básico são fatores imprescindíveis para a expansão do abastecimento de água e de redes de coleta de esgoto no país. Esse é um consenso entre especialistas que participaram nesta quinta-feira (28) do seminário Dia Mundial da Água na Indústria, realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
No evento, representantes da indústria, do governo e de entidades que atuam no segmento defenderam a aprovação da Medida Provisória 868/2018, que aperfeiçoa as regras do setor de saneamento e aprimora as normas para a iniciativa privada operar na área de maior déficit de atendimento da infraestrutura brasileira. Na avaliação da CNI, a MP 868 aumenta a isonomia competitiva entre companhias públicas e privadas por meio do chamamento público.
O especialista no tema Frederico Turolla, sócio da Pezco Consultoria, defendeu a aprovação da MP 868. “É preciso gerar competição no mercado, o que trará mais investimentos para o setor. A MP pressiona os operadores a se tornarem mais eficientes e propicia o vínculo de financiamentos a boas práticas regulatórias”, enfatizou.
Também participante de painel sobre saneamento, o diretor de Relações Institucionais e Sustentabilidade da BRK Ambiental, Pedro Fiorelli, alertou que o desafio para o setor de saneamento básico é dobrar os investimentos em saneamento do atual patamar de 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB) para 0,4%. Segundo ele, os recursos necessários podem vir em parte da redução das perdas de água – hoje de 38% da água que sai das companhias de abastecimento é perdida antes de chegar às residências ou estabelecimentos industriais e comerciais.
“O que perdemos de água chega a R$ 10 bilhões, que é praticamente o que é preciso de investimento a mais a ser feito no setor”, frisou Fiorelli. “Com a Medida Provisória prosperando, iremos avançar nesses pontos. A MP ajuda a dar o senso de urgência que essa medida tem o país”, acrescentou.
O presidente do Instituto Trata Brasil, Edison Carlos, alertou para a desigualdade regional tanto dos recursos destinados ao setor de saneamento básico quanto da cobertura por redes de esgoto. “Os investimentos são muito desiguais. É mais fácil os estados do Sudeste e o Paraná chegarem à universalização que o resto do país, que está muito atrasado”, frisou. Na soma dos últimos oito anos, o investimento somado no setor foi de R$ 90 bilhões. O país precisa, no entanto, de pelo menos R$ 21 bilhões anuais para atingir a meta do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) de universalizar os serviços de abastecimento de água e coleta de esgoto até 2033.
Para o especialista sênior em Água e Saneamento do Banco Mundial, Thadeu Abicalil, o saneamento precisa ser tratado pelos governos como tema central para o desenvolvimento nacional. Ele ressalvou, porém, que, em razão das desigualdades regionais, deve-se desenvolver modelos distintos de políticas de saneamento adaptados a cada realidade local. “O país precisa de foco, o que é uma agenda difícil dada a nossa cultura. O que o Brasil precisa é alinhar política pública com governança regulatória, financiamento e planejamento”, defendeu Abicalil.
INOVAÇÃO – O primeiro painel do seminário foi dedicado a apresentações do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) e da Agência Nacional de Águas (ANA) sobre segurança hídrica e saneamento. A diretora do Departamento de Financiamentos de Projetos de Saneamento do MDR, Luciana Capanema, pontuou que a inovação será essencial para o país avançar nos serviços de abastecimento de água e coleta/tratamento de esgoto. “A inovação é fundamental para o setor, seja nos processos industriais que consomem menos água, seja no desenvolvimento de culturas que demandem menos água e até no aproveitamento da própria água pluvial”, disse. “É uma ficção a ideia de que o acesso a água passa apenas pela expansão do sistema. Passa fundamentalmente pela redução de perdas e seu uso racional”, completou Luciana.
De acordo com o assessor da Secretaria de Segurança Hídrica do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), Demetrios Christofidis, o governo perseguirá de forma sustentável o aprimoramento de políticas de gestão de águas. Segundo ele, os desafios são integrar os setores, compartilhar políticas e planejar ações efetivas para o bom uso da água no país.
Na avaliação do superintendente de Planejamento de Recursos Hídricos da Agência Nacional de Águas (ANA), Sergio Ayrimoraes, os investimentos não serão suficientes se não houver políticas específicas para o tratamento e uso da água. “Precisamos aprimorar as políticas de segurança hídrica para a utilização desse recurso cada vez mais escasso e valioso. Não basta querer fazer a obras, é preciso um longo caminho de estudos para que o projeto possa se materializar em obras”, opinou Ayrimoraes.
SEGURANÇA HÍDRICA – Representantes da indústria destacaram que a inovação e a cooperação entre empresas e sociedade são fundamentais para garantir a segurança hídrica. Na visão de André Villaça, especialista em gestão de recursos hídricos da Braskem, para o avanço da agenda é preciso engajar as áreas operacionais, já que o tema está atrelado, muitas vezes, apenas à área de sustentabilidade. “Na Braskem, o responsável pela questão hídrica é o vice-presidente Operacional”, informou. “Para envolver a alta liderança no processo, é preciso dar resposta que ela precisa”, completou.
O gerente de Meio Ambiente da Petrobras, Carlos Gonzalez, observou que um dos aspectos que precisa mudar para se inserir o risco hídrico na estratégia dos negócios é a apresentação de projetos sobre os custos que serão evitados no futuro com a escassez hídrica e não sobre o retorno do investimento. “Além disso, é preciso de mais colaboração entre as empresas até para o uso de fontes alternativas. Se não trabalharmos em conjunto, até sobre novos tipos de fontes poderá se ter conflito”, destacou.
Na visão do gerente geral de Sustentabilidade da ArcelorMittal Brasil, Guilherme Corrêa, as empresas precisam incrementar a análise de riscos. “Isso contribui para que a questão esteja na estratégia dos negócios e não apenas sobre a ótica dos riscos, mas das oportunidades para a indústria”, pontuou.