Nas discussões sobre relações de trabalho no Brasil, um dos temas mais polêmicos atualmente é o projeto de lei – que tramita há mais de uma década na Câmara – que visa regulamentar os contratos de terceirização.
Porém, há uma discussão muito desgastante e superficial focalizada em uma abordagem antiquada de separação artificial entre “atividades fim” e “atividades meio”. Como se sabe, pela legislação trabalhista atual, a terceirização só seria permitida para “atividades meio”. E isso poderá mudar com a nova legislação, permitindo às empresas também terceirizar a “atividade fim”. O mundo da gestão empresarial é muito mais complexo e variado do que diferenciar “atividades meio” de “atividades fim”.
A terceirização é uma prática muito comum entre as empresas e fundamental para a geração de riquezas e avanço do progresso econômico. Afinal, atualmente, nenhuma empresa é autossuficiente. Ela sempre precisa de outros fornecedores, quer seja para seus insumos, quer seja para serviços.
A última grande iniciativa de busca pela autonomia total de uma empresa que internalizava praticamente toda a produção de insumos foi a da montadora Ford na época em que era liderada por Henry Ford há mais de 100 anos.
Na época, a empresa produzia todos os seus insumos, desde aço, vidro e até borracha. Sabemos dos esforços, não muito bem-sucedidos, de desenvolver a produção de borracha na Amazônia em uma região denominada “Fordlândia”. Todos os componentes usados na produção de um veículo da Ford eram produzidos internamente em um megacomplexo industrial nas vizinhanças de Detroit.
As limitações, rigidez e fragilidades desse modelo foram paulatinamente sendo afloradas. De lá para cá muita coisa mudou. Ou seja, repassar a terceiros uma parcela das atividades internas passou a ser uma prática muito corrente. Terceirizar significa então comprar os produtos ou os serviços de outra empresa, o “terceiro”.
Nas últimas décadas, tem havido uma tendência crescente de terceirizar as atividades que não são consideradas essenciais em uma empresa. Entretanto, cada empresa define de modo diferente o que é essencial, ou seja, aquilo que deve permanecer internamente.
No mundo lean, preferimos separar entre atividades que agregam valor aos clientes finais e atividades de apoio, que podem ser desperdícios puros, os quais devem ser eliminados, ou desperdícios que não podem ser eliminados nas condições atuais.
Há atividades típicas de serviços que podem ser consideradas commodities, como segurança, alimentação, transporte etc. Estas são frequentemente terceirizados para empresas que podem se dedicar a isso e ter mais especialização e conhecimento, ainda que não seja uma expertise tão profunda assim.
Porém, algumas empresas procuram deter controle sobre a gestão desses serviços, mantendo a “inteligência“ da atividade para poder garantir o nível de eficiência e qualidade adequado para esses serviços.
Ou ainda, empresas que fazem terceirização parcial, como aquelas que contratam a maioria dos serviços de segurança, mas mantém um nível mínimo sob sua direta responsabilidade por questões de confiabilidade.
Há empresas que terceirizam os serviços de call center com a intenção de reduzir custos, enquanto outras consideram esse tipo de serviço fundamental para identificar oportunidades de melhoria e de satisfação dos clientes.
Há serviços mais especializados, como a realização de pesquisas de marketing, escritórios de design, serviços de TI etc., que requerem expertise mais profundo e que também são terceirizados em muitos casos, parcial ou totalmente.
Se olharmos para uma empresa industrial, há muitas práticas de comprar equipamentos, componentes e pecas de terceiros. Mas muitas empresas terceirizam etapas de seu processo produtivo, por exemplo, um trabalho de pintura ou de galvanização. Ou então, podem terceirizar partes do volume, por exemplos, produtos com volumes mais baixos.
Há casos de empresas em que toda a atividade de montagem foi terceirizada a fornecedores. E outros que não toleram que um terceiro toque no produto que os clientes receberão.
E ainda há as atividades de controle de qualidade, manutenção etc. que são atividades de suporte ao processo produtivo e que a maioria das empresas sente que é necessário tê-las internamente.
Quais dessas alternativas são as melhores? Quais são as práticas mais eficazes? É difícil dizer, mas é importante que haja oportunidade de tentativa e erro dado que uma nova prática só pode se tornar mais competitiva se for tentada. A garantia de flexibilidade pode ser, assim, a melhor política.
Na discussão atual, há, mais uma vez, a crença de que mais e melhores leis resolvem os problemas econômicos e de gestão.
A polêmica é que, para algumas entidades empresariais e sindicais, a nova lei poderá modernizar as relações trabalhistas no Brasil e poderá gerar milhões de empresas, desestimulando a informalidade, além de dar segurança trabalhista a milhões de trabalhadores hoje já terceirizados.
Para outros, principalmente para alguns sindicalistas, tal novidade legal poderá tornar precário o mercado de trabalho e temem que essa mudança represente a “morte anunciada” das leis trabalhistas, já que o “custo” de terceirização é menor do que a contratação pela CLT, e a maior parte das companhias partiria para terceirizações desenfreadas, burlando os direitos trabalhistas. Por exemplo, fazendo com que cada funcionário da empresa abra sua própria empresa e, legalmente, se transforme em “fornecedor” e não mais em “empregado”.
O que vai garantir desempenho das empresas e sucesso real dos colaboradores são as condições de competividade, produtividade, qualidade, atendimento aos clientes das empresas e da economia.
O que torna precário o trabalho e aumenta os custos das empresas são práticas gerenciais ineficazes. Leis devem se ajustar e favorecer as práticas que avancem a eficiência e a produtividade, criando situações de “ganha-ganha” para colaboradores, empresas e sociedade.
José Roberto Ferro é presidente do Lean Institute Brasil, escreve às terças-feiras.