Reforma trabalhista respeitou Convenção 98 da OIT ao promover a negociação coletiva, afirma especialista

Advogado e doutor em direito do trabalho, Fernando Hugo Miranda considera que novo modelo trazido na lei de 2017 fortaleceu e fomentou o diálogo e reduziu risco de anulação de instrumentos coletivos

A liberdade para negociação coletiva conferida pela reforma trabalhista não só é compatível com a Convenção 98 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), como também cumpre o papel de fomentar e de promover o diálogo entre empregadores e trabalhadores descritos no texto do tratado. Para o advogado e doutor em direito do trabalho Fernando Hugo Miranda, é natural que haja resistências modelo trazido pela nova legislação, em vigor desde 2017.    

“Na prática, a reforma limitou o poder de tribunais invalidarem disposições que decorram de negociações coletivas. Nessa perspectiva, a reforma reforça o previsto no art. 4º da Convenção nº 98 da OIT, dispositivo que prevê textualmente o ‘fomento e promoção’ da negociação coletiva”, explica. Em seu art. 611, a lei de 2017 exemplifica termos e condições de trabalho que podem ser negociados, ao mesmo tempo em reforçou que os direitos Constitucionais não poder ser reduzidos ou suprimidos via negociação. “A reforma, portanto, não só não é incompatível com o Convenção nº 98 da OIT como, em verdade, a promove.”      

Em entrevista à Agência CNI de Notícias, Miranda explica por que não há qualquer incompatibilidade da reforma trabalhista com a Convenção 98 da OIT. Descreve, ainda, como a lei deu mais segurança de o que for livremente pactuado por empregadores e trabalhadores não será invalidado por tribunais. Confira a entrevista:    

O sr. observa alguma incompatibilidade das regras para a negociação coletiva estabelecidas pela reforma trabalhista com a Convenção 98 ou qualquer outro tratado internacional?    

Em verdade, bem examinadas as coisas, o que fez a nova legislação foi dar mais segurança jurídica ao que acordado em sede de negociação coletiva, ou seja, diretamente com o sindicato profissional. Na prática, a reforma limitou o poder de tribunais invalidarem disposições que decorram de negociações coletivas. Nessa perspectiva, a reforma reforça o previsto no art. 4º da Convenção nº 98 da OIT, dispositivo que prevê textualmente o “fomento e promoção” da negociação coletiva, com vistas ao seu “pleno desenvolvimento”.      

A nova regulamentação, pois, ao reforçar juridicamente o que livremente decidido pelas partes legalmente autorizadas a negociar, dirige-se ao pleno desenvolvimento a que se refere à Convenção. A reforma, portanto, não só não é incompatível com o Convenção nº 98 da OIT como, em verdade, a promove.        

Para o sr., qual foi o objetivo do legislador ao definir parâmetros para a negociação coletiva, exemplificando o que pode e delimitando o que não ser tema de negociação?    

O objetivo foi trazer mais segurança jurídica ao que for negociado. No modelo anterior à reforma, embora a Constituição sempre tenha determinado o “reconhecimento” de convenções e acordos coletivos, era comumente adotado o princípio da regra mais favorável. Ou seja, pela via da negociação coletiva não seria possível reduzir direitos previstos em lei, apenas ampliá-los.    

Contudo, a própria cúpula do Poder Judiciário Nacional, inclusive em entendimentos sumulados, por vezes abria exceções a esse princípio. O Tribunal Superior do Trabalho, para um exemplo rápido, consolidou que o limite legal de duas horas de sobrejornada poderia ser excepcionado por negociação coletiva na situação da jornada de 12x36 – situação na qual o empregado faz quatro horas extras, em seguida compensadas (S. 444). O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, para um outro exemplo rápido, definiu a possibilidade de renúncia genérica a direitos mediante adesão à PDV estipulado via negociação coletiva (Tema 152 da repercussão geral).    

"A nova regulamentação, pois, ao reforçar juridicamente o que livremente decidido pelas partes legalmente autorizadas a negociar, dirige-se ao pleno desenvolvimento a que se refere à Convenção", Fernando Hugo Miranda

A indagação a ser posta, portanto, é a seguinte: a quem incumbe, no nosso sistema jurídico, a definição dos limites materiais à negociação coletiva? Anteriormente à reforma, inexistindo regra clara, a competência recaia sobre os tribunais. O Parlamento, aparentemente, decidiu tomar as rédeas da discussão, regulamentando em lei tais limites, com a redação dos artigos 611-A e 611-B da CLT.      

Chama atenção que o Brasil tenha sido novamente incluído na lista de países a serem analisados na Comissão de Aplicação de Normas quando a mesma não apontou qualquer inconsistência em 2018?   

Como mencionado, a reforma modifica um estado importante de coisas, redesenhando o equilíbrio de forças das instituições do estado e dos entes privados de negociação que atuam no âmbito da relação de trabalho. É mesmo previsível que haja resistências ao novo modelo, levando ao escrutínio interno (são múltiplas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade apresentadas contra a nova lei) quanto externo (desde 2017 o Brasil tem sido incluído nas listas longas da OIT).

O STF, até agora, tanto confirmou como rejeitou certas alterações. Em 2018, a OIT pediu explicações ao governo brasileiro. Trata-se de um processo necessário de maturação das novas disposições, que deve ser vivenciado sem estranhamento ou sobressaltos.  

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