O debate sobre as regras da negociação coletiva na lei brasileira e sua conformidade com a Convenção 98 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem ocorrido sobre premissas falhas e tendenciosas, segundo a porta-voz da Organização Internacional dos Empregadores (OIE) na Comissão de Aplicação de Normas do organismo internacional, Sonia Regenbogen. A porta-voz apontou um conjunto de inconsistências nas justificativas que levaram a nova inclusão do Brasil na lista curta deste ano. “Como já afirmamos antes, a relação feita entre a reforma (trabalhista) e a Convenção 98 é muito frágil e está baseada em assunções e interpretações bastante duvidosas. Em suma, não há base consistente que mostre violação à Convenção,”, disse.
Membro da Câmara de Comércio do Uruguai e também porta-voz pela OIE, Juan Mailhos conduziu a defesa do caso brasileiro, neste sábado (15), em Genebra, no órgão de controle da OIT que supervisiona o cumprimento dos tratados internacionais por países-membros. Em sua manifestação, argumentou que “lamentavelmente, os peritos – e, de certa forma, a OIT em seu papel de apoio – têm ignorado a falta de consenso tripartite sobre esta questão, tal como manifestado nas conclusões de 2018, e segue solicitando ao governo que revise a lei. Isso nos preocupa!”, observou.
Representantes de entidades empresariais de todo mundo apresentaram argumentos para demonstrar que não há base técnica ou casos concretos que mostrem que o Brasil violou a Convenção da OIT ao valorizar a negociação coletiva na reforma trabalhista. Ao longo de mais de três horas de debates, 18 porta-vozes do setor privado apontaram fragilidades no relatório do Comitê de Peritos da OIT, principalmente o de que a norma estaria contrariando a ideia de que só se pode negociar para oferecer condições mais favoráveis à que está na lei.
INTERPRETAÇÃO INÉDITA - Um ponto que preocupa empregadores é a interpretação utilizada pelos peritos de que uma negociação coletiva só pode ocorrer para se oferecer condições mais vantajosas àquelas previstas na lei. Tal condicionante não consta da Convenção 98 nem representa compromisso firmado pelos 165 países que a ratificaram. Para o presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e representante dos empregadores na OIT, Alexandre Furlan, além de alterar o conceito de negociação coletiva, se tal interpretação prevalecer, ela poderá alterar a aplicação do tratado em todo mundo.
"Lamentavelmente, os peritos – e, de certa forma, a OIT em seu papel de apoio – têm ignorado a falta de consenso tripartite sobre esta questão, tal como manifestado nas conclusões de 2018, e segue solicitando ao governo que revise a lei. Isso nos preocupa!", Juan Mailhos, da Câmara de Comércio do Uruguai
“A negociação coletiva passará a ser um instrumento para concessões unilaterais? Vai, assim, se afastar de sua essência, que é de concessões recíprocas e ajustes comuns nos termos e condições de trabalho”, comentou Furlan, que também é vice-presidente da Organização Internacional dos Empregadores para a América Latina. “Como serão as análises de futuras negociações coletivas realizadas em mais 160 países que ratificaram a Convenção 98? Vamos mudar a regra do jogo com essa interpretação do Comitê de Peritos”, disse.
DIREITOS GARANTIDOS –A argumentação dos empregadores e do governo brasileiro se concentraram, em particular, em rebater as alegações de que, ao estabelecer limites e possibilidades para se definir rotinas e condições de trabalho via negociação coletiva, abriu-se brechas gerais para a redução de direitos. Pelo contrário, a lei é clara em exemplificar os termos que podem ser voluntariamente ajustados entre empregadores e trabalhadores, preservando, por outro lado, os mais de 30 direitos consagrados na Constituição brasileira.
“Não concordamos com a avaliação dos peritos, em relação ao modelo trazido pela nova lei. É estranho que os peritos repreendam o Brasil por estimular a negociação coletiva enquanto preserva todos os direitos contidos na Constituição, deixando claro o que é negociável e o que não é. Os sindicatos não foram impedidos de negociar pela lei. Isso segue os princípios dos tratados da OIT”, analisou Annick Hellebuyck, da Federação Empresarial da Bélgica (FEB).
APOIO INTERNACIONAL –Ao todo, 48 membros constituintes da OIT – governos, trabalhadores e empregadores – se pronunciaram na análise do caso brasileiro na Comissão de Aplicação de Normas. Além de representações empresariais de 18 países terem se manifestado para apontar fragilidades nas justificativas que levaram o caso do Brasil na lista curta, porta-vozes de 13 governos ou de blocos de países se pronunciaram na sessão da Aplicação de Normas. Destes, 12 questionaram diretamente os motivos da inclusão do Brasil na lista curta, entre eles Índia, Rússia, China, Colômbia, Argentina, Chile, além do Grupo da América Latina e do Caribe (Grulac).
"Não concordamos com a avaliação dos peritos, em relação ao modelo trazido pela nova lei. É estranho que os peritos repreendam o Brasil por estimular a negociação coletiva enquanto preserva todos os direitos contidos na Constituição, deixando claro o que é negociável e o que não é", Annick Hellebuyck, da Federação Empresarial da Bélgica
ENTENDA O CASO – Formada por representantes de governos, empregadores e trabalhadores, a Comissão de Aplicação de Normas da OIT é o órgão responsável para analisar o cumprimento das convenções da entidade por seus-países membros. Em 2019, o Brasil foi novamente incluído na lista de 24 países cujos casos estão sendo discutidos por, supostamente, ter violado a Convenção 98, ao estabelecer possibilidades e limites claros para a negociação coletiva nos artigos 611-A e 611-B da lei de modernização trabalhista (Lei nº 13.467/17).
A CNI considera que a inclusão do Brasil na lista curta da Comissão de Aplicação de Normas se deu sem qualquer fundamento ou qualquer embasamento técnico com base nos tratados trabalhistas internacionais. O novo modelo de negociação coletiva respeita as Convenções 98 e 154, que tratam do direito e do incentivo à negociação coletiva na fixação de condições de trabalho, e preserva os direitos assegurados pela Constituição.