A indústria é um setor em que, historicamente, prevaleceu mão de obra masculina. Nos últimos anos, a participação de mulheres pouco avançou: entre 2010 e 2020, foi de 23,4% para 24,2% do total de trabalhadores. A fim de acelerar essa mudança, as próprias empresas têm criado programas de equidade de gênero cujo pilar é a formação profissional.
O interesse de mulheres pelo setor e pelas profissões da indústria 4.0 tem crescido e pode ser o combustível para reverter as disparidades. Entre 2017 e 2021, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) registrou aumento de 36% no número de matrículas de mulheres – de 651.797 para 888.778. Especificamente na graduação tecnológica, ou tecnólogo, que são os cursos de maior nível de escolaridade e duração, o salto foi ainda maior, de 140%.
Além de buscar se qualificar mais para disputar as vagas, elas estão atentas às tendências do mercado de trabalho e às áreas que mais empregam. Entre os cursos que tiveram maior aumento no número de matrículas de mulheres estão os de Automação e Mecatrônica, Mineração, Logística e Tecnologia da Informação, áreas em crescimento e que respondem por altas taxas de empregabilidade.
Contratada antes mesmo de terminar a graduação
Assim que concluiu o ensino médio em uma escola municipal, Bárbara Lamazales, hoje com 26 anos, incentivada pelo pai, se matriculou na Graduação Tecnológica em Mecatrônica, na unidade do SENAI de São Caetano do Sul (SP), importante polo industrial do país. No último semestre, enquanto procurava estágio, ela recebeu a proposta para uma vaga efetiva na Linear HCS, de soluções de segurança eletrônica.
A empresa foi incorporada por uma multinacional, cresceu, e a jovem também. Com uma pós-graduação em Redes Industriais, que concluiu em 2018 também no SENAI, ela foi transferida da área de manutenção e eletrônica para o setor de engenharia.
“As duas formações me abriram muitas oportunidades. A área de tecnologia como um todo está crescendo, com novas ferramentas e segmentos a serem explorados. A necessidade que vejo hoje é de capacitar pessoas de dentro do mercado. Quando a automação se expande no chão de fábrica, são necessários outros perfis de profissionais ou que haja integração entre os campos de conhecimentos”, acredita.
Conhecimentos e experiências que amadurecem
Para Jenifer Fonseca, de 27 anos, essa entrada no mercado de trabalho teve altos e baixos, o que resultou em mudanças de área e na certeza de que não deveria parar de estudar. Ainda no segundo ano do ensino médio, ela conseguiu uma bolsa para o técnico de Automação Industrial no SENAI, que logo emendou em uma vaga de jovem aprendiz e o curso de Montador de Estrutura Metálica.
Com um mercado instável e a recusa de uma vaga por ela ser do sexo feminino, Jenifer desviou a rota e decidiu cursar engenharia civil, “sabendo que futuramente poderia unir os conhecimentos”. No meio da graduação, ela conseguiu um estágio na ArcelorMittal e, ano passado, antes de concluir, foi efetivada. A engenheira trabalha na área comercial, atendendo grandes indústrias e construtoras.
“Com o técnico em automação e a engenharia civil, eu consigo atender os dois tipos de clientes e realizar algumas atividades que só passando pelos cursos, como consultoria. Tive uma decepção no início, mas também era muito nova, hoje eu me sinto mais à vontade, conquistei meu espaço. E já comecei a pós em Engenharia Orçamentista, que tem bastante procura do mercado e pouca gente qualificada”.
Indústrias definem metas e lançam programas de capacitação
Por outro lado, as empresas estão ávidas para aumentar o quadro de mulheres e alcançar metas de equidade de gênero, seguindo estratégias de Governança Ambiental, Social e Corporativa (ESG, na sigla em inglês). São diversas iniciativas espalhadas pelo país para multiplicar o número de mulheres, do chão de fábrica aos cargos de gestão.
Importante empresa do setor de óleo e gás no Brasil, a Ocyan criou um programa de capacitação exclusivo para esse público em 2021, em parceria com o SENAI do Rio de Janeiro. Em menos de um ano, foram realizados três treinamentos: Aprendiz de soldadoras, Auxiliar de Logística/Auxiliar de Plataforma para ambiente offshore, além de um minicurso de empreendedorismo feminino, aberto a mulheres em situação de vulnerabilidade da comunidade.
Vendo que as áreas operacionais e offshore, de atividades em alto mar, são as que têm menor representatividade feminina, a companhia aposta em um conjunto de ações, da seleção, treinamento e ascensão de colaboradoras às diretrizes de RH.
A meta é se tornar referência como empregador inclusivo até 2030 e ter mais mulheres como Ana Santana, que entrou em 2011 como engenheira e hoje é assistente de Gerente de Plataforma e lidera o Grupo de Afinidade Equidade de Gênero. Entre as ações realizadas estão uma pesquisa com mulheres embarcadas, a campanha intrasetorial “O Mar também é Delas” e o retorno flexível após a licença maternidade.
Ações chegam ao público externo
Outra gigante que assumiu compromisso global pela igualdade de homens e mulheres em todos os cargos de baixa, média e alta liderança até 2030 foi a Bayer. No Brasil, pela primeira vez, uma mulher ocupa a posição de CEO, a Malu Nachreiner.
De acordo com Ana Isabel dos Santos, Gerente de Relações com a Comunidade do Parque Industrial de Belford Roxo e uma das líderes de Inclusão e Diversidade na unidade, as ações para ampliar a participação e o empoderamento feminino se intensificaram em 2019.
“Para que elas possam, individualmente e em conjunto, apropriar-se da importância de sua voz, perceber-se como inspiração para outras mulheres e posicionar-se com mais confiança e assertividade nos cenários onde atuam”, justifica.
Um grupo chamado Grow (sigla em inglês para Representação e Oportunidades Crescentes para Mulheres) mapeia e desenvolve as iniciativas, que envolvem não só o público interno, como também externo. A mais recente é a formação gratuita de 25 mulheres em Operadora de Produção Industrial, pelo programa Elas da Bayer. As aulas, que acontecem de segunda à sexta das 8h às 15h em uma unidade SENAI de Nova Iguaçu, começaram em 15 de fevereiro e vão até junho.
Desempregada há seis anos, Elieth Maria dos Santos Silva, 45 anos, soube do curso pelo LinkedIn e encarou a formação como “uma esperança de vida e uma oportunidade de crescimento profissional”. Com o ensino médio completo e experiências prévias como auxiliar de produção e operadora de máquina, ela se diz uma apaixonada pela área industrial.
“Desde o primeiro dia em que entrei em uma fábrica, fiquei fascinada pelo processo de fabricação e pelas máquinas. Já tentei, fiz outros cursos e trabalhei como operadora de videomonitoramento, porteira, recepcionista, babá e em comércio. Gostaria de me tornar líder, supervisora, dentro da área de produção industrial. E, a longo prazo, buscar minha aposentadoria na empresa”, vislumbra.
Matrículas SENAI
O SENAI registrou aumento de 36% no número de matrículas de mulheres em cinco anos: de 651.797 matrículas em 2017 para 888.778 em 2021. Cresceu não só o número de mulheres que buscaram cursos técnicos, de qualificação, aprendizagem, aperfeiçoamento, graduação tecnológica e pós-graduação, como também a proporção delas no total de matrículas: de 31% de participação em cursos do SENAI em 2017 para 36% em 2021.
Graduação tecnológica
Entre os diferentes tipos de cursos, destacam-se os de ensino superior. No geral, as matrículas passaram de 21.619 em 2017 para 37.838 em 2021, um aumento de 75%. Entre as mulheres, porém, o crescimento foi de 140%: o número de matrículas saltou de 6.337 em 2017 para 15.190 em 2021. Ou seja, aumentou a participação delas na graduação tecnológica: de 29% do total de matrículas em 2017 para 40% em 2021.