Mais uma crise hídrica

Nível dos reservatórios do maior subsistema de geração de energia é o menor desde 2015, ao da última crise no setor

Segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico, esta deve ser a pior crise hídrica em 91 anos

A vacinação contra a Covid-19 avança, a economia se recupera e há boas razões para acreditar que a pior fase da pandemia já passou. O otimismo com o Brasil, no entanto, pode ser freado por outro grave problema. Em 2021, o país passa pela pior crise hídrica em 91 anos, o que afeta diretamente o nível dos reservatórios dos subsistemas elétricos, conforme dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). 

Para evitar o racionamento de energia, o governo federal anunciou um conjunto de medidas que inclui acionamento das usinas térmicas, aumento de tarifa e estímulo ao uso racional de água e energia.

Responsável por 70% da capacidade dos reservatórios de todo o Sistema Interligado Nacional, o subsistema Sudeste/Centro-Oeste (SE/CO) vem reduzindo rapidamente a quantidade de água armazenada nos últimos anos. No final de abril, após o período de chuvas, o percentual de água armazenada, de 34,7%, foi o menor desde 2015, ano da crise hídrica anterior. Nos últimos dez anos, a quantidade de água nos reservatórios do subsistema SE/CO ficou acima de 80% apenas uma única vez, em 2011.

Adriano Pires, sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), lembra que a crise de 2021 é a terceira desde 2001. “O que o governo federal está fazendo para evitar o racionamento hoje é a mesma receita de 2014-2015: ligando térmica, gerenciando o uso da água dos reservatórios, conversando com a indústria para tentar modular a demanda e aumentando a tarifa para reduzir o consumo”, resume.

Pires considera que a probabilidade de um racionamento como o de 2001 é baixa, mas existe, caso o sistema não consiga atender o pico da demanda de energia. “O nível dos reservatórios está caindo muito rápido e fala-se até em redução para 10%. O sistema elétrico brasileiro nunca operou abaixo de 15%”, afirma. Segundo ele, o desafio é construir uma matriz elétrica mais diversificada, equilibrada e confiável. 

Na avaliação de Paulo Pedrosa, presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e Consumidores Livres (Abrace), o Brasil vive hoje um momento grave do ponto de vista dos recursos hídricos, mas há instrumentos para lidar com isso. “O importante não é olhar a crise conjuntural, mas pensar nas questões estruturais que nos trouxeram até aqui e no que podemos fazer, superada a crise, para ter energia competitiva no Brasil”, pondera.

Segundo ele, o preço da energia no Brasil e a gestão do setor se apoiam em um modelo computacional ultrapassado. “O modelo do setor elétrico embute muitas ineficiências, subsídios e custos de políticas públicas que integram o custo da energia”. Mais da metade do que “nós pagamos nas contas corresponde a esse universo: encargos, taxas e impostos. Isso é muito ruim para a indústria nacional”, afirma Pedrosa.

Larissa Rodrigues (Instituto Escolhas) afirma que o Brasil investiu menos que o necessário na diversificação da matriz energética entre 2011 e 2020

Do ponto de vista econômico, a atual situação já tem efeitos negativos, avalia Larissa Rodrigues, gerente de projetos e produtos do Instituto Escolhas e doutora em energia pela Universidade de São Paulo (USP). “No momento de recuperação econômica para sair da crise da pandemia, a indústria já recebeu uma indicação negativa do governo de que, se as empresas retomarem suas atividades e crescerem, vai faltar energia. Isso, para um planejamento de empresa, é muito negativo: você não vai fazer grandes investimentos sem segurança energética”, diz ela.

A capacidade de geração do parque elétrico nacional cresceu 43% entre 2011 e 2020, acima do aumento de 19% no consumo de energia no mesmo período, segundo dados do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Gesel/UFRJ). O investimento, porém, foi abaixo do necessário, segundo Larissa. “Por mais que a matriz hoje seja mais diversificada do que em 2000, as outras fontes renováveis cresceram muito pouco. Isso é um problema”, avalia. Para ela, é preciso incluir os efeitos das mudanças climáticas no modelo de definição de preços.

Edmar Almeida, especialista em gás natural e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é a favor de mudar a regulação do setor. Atualmente, diz ele, a segurança de abastecimento e o preço da energia dependem basicamente de um modelo centralizado de contratação e operação que estima a capacidade de geração das diferentes fontes para todo o período dos contratos.

“Se a empresa vende energia e não entrega, seja por problemas climáticos ou por questões técnicas, o modelo continua enxergando essa oferta, ou seja, os preços não refletem a escassez real da energia”, afirma. O ideal, diz, seria evoluir para um sistema de mercado livre de energia, em que os preços refletissem a escassez real.

Na empresa Termomecânica, o plano é acionar fornos a gás caso o custo ou o consumo de energia ultrapassem o estimado, informa Luiz Henrique Caveagna

Diante do atual cenário, Roberto Wagner Pereira, especialista em Política e Indústria da Confederação Nacional da Indústria (CNI), explica que a proposta da indústria é deslocar o consumo em horário de ponta em troca de uma remuneração. “Isso não exclui que os demais setores também contribuam para a economia de energia. É um esforço geral da sociedade”, argumenta. Segundo ele, é preciso repensar o modelo atual, que não prevê a construção de grandes reservatórios, como no passado.

Fátima Giovanna Coviello Ferreira, diretora de Economia e Estatísticas da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), diz que “a crise vai atingir em cheio a indústria química naquele que é o melhor trimestre do ano [o terceiro], e num momento em que a demanda cresce”. Segundo ela, é necessária uma mudança estrutural no setor de energia, com redução dos encargos e dos custos que recaem sobre o consumo. No setor produtivo, afirma, as empresas estão adotando medidas para otimizar processos e melhorar eficiência, autoprodução e uso de combustíveis menos poluentes.

Na Termomecânica, fabricante de ligas de cobre e alumínio, o plano para enfrentar a crise é acionar fornos a gás caso o custo ou o consumo de energia ultrapassem o estimado. “Entendemos que o governo ainda tem algumas ações para evitar um possível racionamento e eventuais apagões”, diz Luiz Henrique Caveagna, diretor-geral da empresa. “Temos o recurso de geração própria e ele será utilizado no momento oportuno”, diz Caveagna.

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