Os investimentos em projetos que contribuíram para a redução de emissões de gases de efeito estufa ultrapassaram pela primeira vez, a marca de meio trilhão de dólares. Enquanto em 2017, essas iniciativas receberam US$ 612 bilhões, em 2018, foram destinados US$ 546 bilhões para projetos de baixo carbono, conforme dados da Climate Policy Initiative. Desses recursos, 56% vieram da iniciativa privada e 44% do setor público. Conforme a Confederação Nacional da Indústria (CNI), projetos voltados ao combate às mudanças climáticas são uma das grandes apostas de investidores em todo o mundo para a recuperação econômica pós-covid e as empresas brasileiras não devem ficar alheias à tendência.
Para apontar caminhos e soluções ao setor produtivo, a CNI lançou em live nesta quinta-feira (19) dois guias gratuitos para ajudar empresas brasileiras tanto para a captação de recursos financeiros para baixo carbono quanto para o desenvolvimento de planos de adaptação aos impactos da mudança climática. No guia Financiamento para o clima – Guia para Otimização do Acesso pela Indústria, são apresentados 16 dos principais fundos climáticos do Brasil e do mundo aplicáveis às atividades industriais, com volumes de negócios realizados nos últimos anos, critérios gerais, setoriais e socioambientais para elegibilidade aos recursos, períodos de carência, foco da avaliações de empresas, entre outros.
“Apesar de ser uma grande oportunidade para o Brasil, ainda há um grande desconhecimento entre empresas sobre fundos voltados a financiar projetos que combatam as mudanças climáticas. O atendimento aos critérios socioambientais, que varia de fundo para fundo de investimento, pode oferecer recursos a taxas de juros diferenciadas”, destaca o gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, Davi Bomtempo. Em consulta a entidades e empresas participantes da Rede Clima da CNI, mostrou que somente 12% informaram ter buscado crédito internacional voltado ao combate às mudanças climáticas.
A Ásia vem sendo o principal destino para recursos financeiros voltados à mudança climática. Conforme dados da Climate Policy Initiative, entre 2017 e 2018, a Ásia recebeu 38% dos recursos desse tipo de financiamento enquanto foram destinados à América Latina e Caribe apenas 4,5% do total. “O Brasil está com um potencial subaproveitado em arrecadar recursos para projetos climáticos. Com informação e bons projetos, podemos ter participação mais relevante nessas linhas de crédito”, complementa Bomtempo.
Durante a live, Nabil Kadri, chefe do Departamento de Meio Ambiente e Fundo Amazônia do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), lembrou que o setor financeiro brasileiro está atento a questões ambientais há décadas, com normas que assumem os riscos ambientais dos projetos financiados. Ele destacou que o BNDES trata isso de forma estratégica e é o maior financiador de energias renováveis do mundo, com US$ 30 bilhões destinados ao setor. "O setor eólico brasileiro não seria o que é hoje se não fosse esse apoio."
Mateus Salomé, subsecretário de Sustentabilidade do Ministério da Infraestrutura, contou que o órgão já vem desenvolvendo projetos que contemplem a mudança climática em três frentes: financiamento verde, adaptação e mitigação das emissões. Entre as iniciativas destacadas estão as certificações de ferrovias em critérios de sustentabilidade e análises de resiliência dos setores portuário e de transporte terrestre. "A questão não é mais ambiental, mas econômica intrínseca aos negócios", afirmou durante evento da CNI.
Guia ajuda empresas a elaborar planos para adaptação aos impactos da mudança do clima
Há tendência de crescimento nos investimentos de projetos para adaptação à mudança climática. Entre 2017 e 2018, foram investidos US$ 30 bilhões nessas ações em todo o mundo, 35% a mais que no período de 2015 a 2016, quando foram investidos US$ 22 bilhões nessas iniciativas. Para apoiar empresas em iniciativas de adaptação à mudança do clima, a CNI oferece o manual Indústria Resiliente – Um Guia para a Indústria se Adaptar aos Impactos da Mudança do Clima – Diretrizes Gerais.
Baseado em metodologia criada pela United Kingdom Climate Impacts Programme (UKCIP), da Universidade de Oxford, o guia foi adaptado pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGVces) à realidade brasileira. No guia, a CNI sugere a aplicação da metodologia da UKCIP usando ferramentas de gestão da qualidade e de risco, para que as empresas possam embutir a cultura de prevenção e gerenciamento do risco climático na sua rotina operacional.
"Esse guia é fundamental principalmente para pequenas e médias empresas que mais precisam desse apoio nesse momento de crise econômica causada pela pandemia", afirmou durante a live da CNI José Lourival Magri, presidente da Câmara de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc), que apoiou a elaboração da publicação.
Nela, gestores empresariais contam com um passo a passo para elaborar planos que ajudem a reduzir e prevenir os impactos de eventos climáticos extremos como inundações, ondas de calor e frio, escassez hídrica, secas e deslizamentos de terra. Relatório da seguradora AON mostra que, em 2019, houve 409 desastres naturais em todo o mundo que resultaram perdas econômicas de US$ 232 bilhões. De acordo com estudo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no Brasil, entre 1995 e 2014, houve 1.848 eventos relacionados à mudança climática, que geraram prejuízos de aproximadamente US$ 1 bilhão.
Segundo a CNI, o processo de adaptação do setor industrial às mudanças do clima proporcionará a sustentabilidade dos negócios, oportunidades de aumento de eficiência e desenvolvimento de novas tecnologias e novos mercados, além de acesso a recursos financeiros com melhores taxas de juros. “Mudanças em instalações existentes e em processos produtivos, realocação de fábricas, dentre outros, podem ser atenuados caso haja um bom gerenciamento do risco climático, com possíveis ganhos econômicos, fortalecimento da competitividade da indústria e de suas cadeias produtivas, além de aumento da resiliência climática”, destaca o guia.
Conforme documento da CNI, o planejamento de adaptação à mudança climática é dividido em três fases. A primeira é o diagnóstico, em que se avalia condições internas e externas à cadeia produtiva da indústria e mapeia os riscos e oportunidades. Na segunda etapa, há a elaboração do plano, em que se escolhe as opções de adaptação e definem-se prioridades, prazos, custos e responsabilidades para a fase de implementação, além de mapear recursos para viabilizar o projeto.
A última etapa é de implementação do plano, que envolve o acompanhamento e monitoramento das ações realizadas. O guia destaca ainda a importância de se desenvolver uma estratégia de comunicação, para garantir o sucesso da implementação do plano e envolvimento de todas as partes interessadas.
Conforme Sérgio Margulis, especialista da Way Carbon, consultoria contratada para desenvolver os guias, o Brasil precisa ver essa agenda como de oportunidade e não entrave. "A questão de mudança climática precisa estar em todos os tipos de planos de empresa e governo, ainda mais a partir dessa crise causada pela pandemia", alertou durante o evento virtual.