Evolução da nanotecnologia no Brasil requer aproximação entre universidade e indústria

Tecnologia tem crescido no país, mas faltam profissionais qualificados e mais articulação entre setor produtivo e academia

Segundo a Web of Science, o Brasil ocupa o 18º lugar no ranking mundial de participação na produção de conhecimento em nanotecnologia

O mundo evolui à medida que a indústria desenvolve ou melhora produtos como alimentos, cosméticos, equipamentos eletrônicos e tantos outros. A nanotecnologia – uma das inovações estudadas pelo Indústria 2027 – aprimora propriedades de uma infinidade de materiais em nível atômico e, por isso, é uma das áreas mais promissoras para a indústria brasileira. Em um futuro próximo, essa tecnologia vai desenvolver, por exemplo, roupas inteligentes capazes de monitorar sinais vitais do corpo humano.

Para haver inovação na área, o PhD em Física e especialista em nanotecnologia, Osvaldo Novais, professor da Universidade de São Paulo (USP), explica que é preciso que a pesquisa saia da fronteira dos institutos e das universidades. “Não é função da universidade gerar um produto em escala, que chegue ao mercado, e ela nem tem meios para isso. Para produzir biossensores capazes de detectarem doenças, por exemplo, é necessária uma longa cadeia de processos e adquirir insumos, quase sempre importados. Há que se constituir uma base tecnológica para que a produção dos dispositivos seja economicamente viável, inclusive com indústria de química fina em nosso país”, recomenda.

O especialista defende que ainda há um abismo entre universidade e mercado, o que torna crucial a existência de departamentos de pesquisa e desenvolvimento nas próprias empresas. “Chama-se separar ‘fazer ciência’ de ‘fazer inovação’”, diz Novais. Esse é o caso da Nanovetores, multinacional brasileira da área de nanocosméticos especializada em microencapsulação de ativos, de modo sustentável. Betina Zanetti, 40, fundadora da empresa ao lado do marido, o administrador Ricardo Ramos, 45, conta que o departamento de pesquisa da empresa emprega 20% do total de funcionários. “Acredito que as indústrias de nanotecnologia precisam ter ao menos um pesquisador com forte trajetória acadêmica na área”, considera. Dos 38 funcionários da empresa, três são doutores na área.
 

Betina Zanetti e Ricardo Ramos criaram a Nanovetores em 2008, e a multinacional já exporta produtos para 26 países

Para Betina, muitos pesquisadores interessados em empreender na área têm dificuldade de entender a necessidade do grande investimento em uma empresa de nanotecnologia, diante do pouco retorno nos anos iniciais. Segundo Leandro Berti, PhD em nanotecnologia e coordenador-geral de Desenvolvimento e Inovação em Tecnologias Convergentes e Habilitadoras, do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o tempo de maturação das empresas deste segmento é de aproximadamente seis anos. “É um segmento muito peculiar, cujas empresas exigem um alto capital de investimento, já que demandam equipamentos caros e mão de obra muito qualificada”, sinaliza Berti.

Para que o Brasil seja mais competitivo na área, Novais afirma que o número de pesquisas em nanotecnologia no Brasil precisa crescer. No relatório desenvolvido para o Projeto Indústria 2027, Novais cita dados da Web of Science, de 2017, que mostram que a China é o país que mais produz ciência na área de nanotecnologia (24,4%). O Brasil, segundo a publicação, está em 18º lugar, o que equivale a 1,4% de participação na produção de conhecimento na área.
 
DA ACADEMIA AO MERCADO - Betina é um exemplo de pesquisadora especializada em nanotecnologia que empreendeu ao criar a Nanovetores, em 2008. Graduada e mestra em Farmácia, concluiu o doutorado em Química, na França, em 2006. Apaixonada por manipulação e por nanotecnologia desde a faculdade, ficou encantada com a possibilidade de transpor o conhecimento da pesquisa para desenvolver produtos. “Eu pensava: se conseguirmos materializar isso, vamos ter uma nova revolução industrial”, lembra. A chamada “nova revolução industrial” tem tudo a ver com a indústria 4.0, que integra tecnologias avançadas na indústria.

Para estreitar o caminho entre academia e mercado, Betina, que vivenciou os dois universos na área de nanotecnologia, sugere que orientadores, ao lado de mestrandos e doutorandos, antevejam onde a pesquisa pretende chegar. “É importante fazer buscas em patentes para ver se aquela ideia de produto já existe. Há trabalhos muito interessantes, mas que, muitas vezes, não chegam onde pretendem. O objetivo, além de publicar a pesquisa, deve ser criar produtos e empresas fortes que concorram no mercado”, aconselha.

A Nanovetores já exporta cosméticos para 26 países e teve um faturamento de R$ 10 milhões em 2017. A empresa de Betina e Ricardo também participa de feiras internacionais, eventos nos quais ela diz tentar quebrar o paradigma de que o Brasil não é capaz. “Os empresários brasileiros devem pensar globalmente, até porque existe preconceito quando se pensa em nanotecnologia no país. Lá fora, eles não estão acostumados a ver tecnologia brasileira de ponta. Queremos levar orgulho para lá e trazer inspiração para o Brasil”, finaliza.  

Relacionadas

Leia mais

Um futuro almejado
Aos 76 anos, SENAI tem nova missão: preparar os profissionais para os desafios da Indústria 4.0
A eletrificação com biocombustíveis e o RenovaBio

Comentários