No final do século XIX, o motor de combustão interna surgiu como solução ambiental e energética para a mobilidade. Quando se popularizou, na virada do século, foi saudado como uma grande solução ambiental. Em 1880, mais de 100 mil cavalos supriam as necessidades de transporte em grandes cidades como Nova York e capitais europeias, mas geravam também graves problemas sanitários e de logística.
Passados mais de 120 anos, a eficiência termodinâmica do motor de combustão interna é muito baixa – entre 26% e 28% no caso dos motores do ciclo Otto, e entre 28% e 32% no caso dos motores do ciclo diesel. O restante da energia é dissipado na forma de calor, daí a necessidade de radiador, da água para refrigeração, e o uso de materiais mais resistentes e pesados como o ferro fundido utilizado nos motores.
O tamanho das frotas e a emissão de poluentes, sejam aqueles controlados nas zonas urbanas, como o monóxido de carbono, os compostos orgânicos voláteis, os óxidos de nitrogênio, os aldeídos, o chumbo tetraetila, e outros, ou aqueles classificados como gases causadores do efeito estufa (GEEs), passaram a ser objeto de preocupação e controle.
Há pouca controvérsia em relação à visão de que caminhamos na direção da eletrificação da frota, visto que essa solução proporciona menor consumo energético. Nesse contexto, a eletrificação está geralmente associada ao conceito do carro elétrico a bateria. Esta solução, entretanto, não é a única e deve, sempre que possível, estar associada à geração de energia limpa, renovável e com geração distribuída.
As baterias são fabricadas com íons de lítio e com cobalto. Já existe preocupação com a origem e disponibilidade de lítio e cobalto suficientes para suprir toda a demanda que virá a partir da popularização desta tecnologia. Depois de fabricadas e utilizadas, as baterias têm uma vida útil limitada a poucos anos, e requerem substituição a cada 4 ou 5 anos, a um custo considerável. Seu descarte é um novo desafio ambiental.
Além disso, de nada adianta a eletrificação se a energia vier de uma fonte fóssil, emissora de carbono. O carro pode ter zero emissão na cidade, mas quando considerado o ciclo de vida completo do produto, se a fonte da energia tiver origem fóssil, não resolve o problema do aquecimento global. Há ainda o problema da infraestrutura de distribuição. É necessário criar uma infraestrutura com soluções que levem em conta a cobrança da energia por quem a utiliza efetivamente. Num país onde um percentual elevado da eletricidade consumida é clandestina, este é um fator a ser levado em conta.
Mas existe uma outra eletrificação possível para a mobilidade, em que objetivos de controle ambiental são atingidos com combustíveis líquidos de baixa pegada de carbono. Exemplos desta solução são os veículos híbridos e os equipados com células a combustível, desde que utilizem combustíveis de baixa pegada de carbono, isto é, os biocombustíveis.
Para a redução de GEEs, todas as contribuições são necessárias, inclusive aquelas advindas dos veículos elétricos a bateria, mesmo quando a energia não é exatamente limpa. Mas a contribuição dos biocombustíveis – etanol, biodiesel, biogás/biometano e bioquerosene – é muito relevante. E os países que puderem adotar esta estratégia poderão oferecer uma contribuição positiva diferenciada para o esforço global de redução de emissões.
No caso do Brasil, em particular, já existe inclusive uma rede com mais de 41.600 postos de revenda capazes de distribuir etanol de cana, considerado avançado por substituir até 89% das emissões de GEE geradas pelos veículos a gasolina. O etanol e os demais biocombustíveis representam energia solar de elevada densidade capturada, armazenada e distribuída de forma eficiente, econômica e segura. São, na verdade, equivalentes a hidrogênio capturado, armazenado e distribuído de forma eficiente, econômica e segura.
Além disso, representam uma rota tecnológica que gera emprego e renda de forma distribuída. Além de baixo consumo energético e baixa emissão de gases do efeito estufa, a eletrificação baseada em combustíveis líquidos de baixa pegada de carbono promove desenvolvimento econômico e emprego, aspecto relevante diante do avanço da automação e modernização dos processos industriais.
Avaliação técnica realizada pela Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA) mostra que, considerando o conceito poço-à-roda, os veículos flex em uso no Brasil, quando abastecidos com etanol, apresentam emissões menores do que os veículos elétricos em uso no mercado europeu, tanto na atualidade, quanto os projetados até 2030 ou 2040.
Emissão Total de Gases do Efeito Estufa, em g CO2e/km
Fonte: AEA, Associação Brasileira de Engenharia Automotiva, 2017.
A otimização dos motores a combustão interna movidos a etanol com o uso, por exemplo, de tecnologias como a biela variável, a introdução do híbrido flex, e da célula a combustível movida a etanol, poderá colocar o Brasil na dianteira global em termos de estratégia integrada nas áreas energética, e de desenvolvimento e valorização do setor agroindustrial, em atendimento a objetivos da política ambiental.
A opção por esta rota tecnológica, é uma oportunidade enorme pela vocação agroindustrial e o patrimônio tecnológico que o Brasil desenvolveu nessa área.
O programa de revitalização do setor de biocombustíveis, RenovaBio, e programa Rota2030 são irmãos siameses, e podem levar o Brasil e outros países com condições similares a um grande protagonismo internacional, ao oferecer uma solução que atende simultaneamente objetivos nas áreas de energia, meio ambiente e desenvolvimento econômico.
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