O transporte rodoviário de carga vive uma crise sem precedentes no Brasil. O aumento na quantidade de transportadores, tanto de autônomos quanto de empresas, levou ao acirramento da concorrência que, em um contexto de queda da demanda e falta de fiscalização, resulta em uma grande ociosidade na frota de caminhões. A situação do setor se agravou com a recessão na economia e chegou a um nível tão crítico de desequilíbrio entre oferta e demanda que há casos de valores de frete praticados abaixo do custo operacional dos transportadores.
Na avaliação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a solução para o problema passa pela remoção das distorções existentes no mercado, por meio de maior rigor na aplicação das leis e normas que regulam essa atividade.
A CNI defende que o poder público exerça com eficiência a fiscalização sobre a atividade de transporte, a fim de eliminar fatores que afetam negativamente o funcionamento do mercado e que permitem transportadoras menos eficientes a permanecerem em operação, embora de forma precária. Para a CNI, é preciso que as autoridades públicas intensifiquem a verificação do peso dos caminhões, combatam a sonegação de impostos e implantem a inspeção técnica de veículos, como previsto no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), de 1997.
Não se trata de determinar a inspeção anual de toda a frota de veículos comerciais, o que inviabilizaria o procedimento ou o tornaria mera formalidade, mas sim estabelecer periodicidades diferenciadas, com intervalos decrescentes de acordo com a idade do veículo”, destaca o estudo inédito da CNI Transporte Rodoviário de Carga (TRC): características estruturais e a crise atual.
De acordo com o estudo, as distorções do setor ficam acentuadas nos mercados mais competitivos, em razão da existência de transportadores atuantes no mercado dispostos a aceitar fretes significativamente mais baixos do que os praticados no mercado. O trabalho revela que o impacto da crise sobre o setor é ampliado pelos encargos assumidos pelos caminhoneiros em função de dívidas contraídas para a compra de veículos, bem como pela elevação de custos resultante das alterações na regulamentação da profissão de motorista, que reduziu o tempo máximo de direção e alterou as condições de trabalho.
A expansão da oferta nos últimos anos, induzida pelos incentivos governamentais concedidos à venda de veículos comerciais, em conjunto com a forte contração da demanda decorrente da queda na atividade econômica, resultaram em um significativo desequilíbrio entre oferta e demanda nos mercados de transporte rodoviário de carga”, afirma o gerente-executivo de Infraestrutura da CNI, Wagner Cardoso.
BARREIRAS DE MERCADO – O estudo aponta que a inexistência de barreiras à entrada no mercado – que não requer escalas e investimentos elevados – e a ampla possibilidade de recuperação dos investimentos realizados limitam a margem de lucros das empresas e dificultam a eliminação de operadores ineficientes.
Apesar de não caber intervenção do poder público para regular a concorrência desse mercado, deve-se aumentar a fiscalização quanto à qualidade do serviço com o enfoque da defesa do consumidor. “É exatamente a ineficácia dos mecanismos de mercado que impede que os transportadores menos eficientes e que não obedecem a legislação sejam eliminados”, diz o trabalho da CNI.
A possibilidade levantada de se criar uma tabela para fixar valores de frete não é apoiada pela CNI, entre outras razões pelo fato de que, na avaliação da confederação, não resultará em efetividade para o setor. “A proposta de tabelamento do frete, além de infringir preceito constitucional, por se contrapor ao princípio da livre-iniciativa, é ineficaz, na medida em que não corrige o problema de excesso de oferta de caminhões no mercado causado pela falta de fiscalização”, alerta o estudo.
NÚMEROS – De acordo com os dados mais recentes sobre o setor de transporte de carga, 582 mil caminhões têm idade superior a 20 anos. A frota das empresas transportadoras de carga (ETCs) tem em média 10,3 anos, enquanto a dos transportadores autônomos de cargas (TACs) possui média de 18 anos. Segundo números da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), mais de 1 milhão de transportadores são registrados no país, sendo 919 mil autônomos e 188 de empresas. No entanto, a frota total de veículos dedicados ao transporte rodoviário de cargas é estimada em 2,3 milhões de caminhões (veja os detalhes no quadro da página 15 do estudo).
Pesquisa da NTC&Logística mostra que, em 2015, houve redução média de 9,5% no volume de carga transportada pelas empresas. O levantamento aponta que 11,3% dos veículos estão parados. Em relação aos preços praticados, 36% das empresas aumentaram o valor do frete, 28% não reajustaram e outras 36% concederam algum desconto. Os números revelam que 35% dos autônomos têm veículos próprios ainda não quitados e, como consequência, apresentam um nível de custo que os coloca em condições competitivas desfavoráveis. Os dados também destacam que 65% dos TACs não cumprem o tempo de descanso previsto na legislação. O percentual, no caso dos empregados de ECTs, é de 35%.
PROPOSTAS DA CNI
• Maior fiscalização relativa ao cumprimento da Lei nº 13.103/2015, assegurando-se que seja observada não apenas pelas empresas transportadoras, mas também pelos autônomos;
• Intensificação da fiscalização do peso dos veículos de carga que trafegam nas rodovias federais, acelerando a implantação de novos postos de pesagem de veículos;
• Utilização das possibilidades abertas pela exigência de emissão do Conhecimento de Transporte Eletrônico (CTe) no combate à sonegação de impostos;
• Implementação, em todo o país e para toda a frota comercial, da inspeção técnica de veículos, como determinado pelo CTB de 1997, com periodicidades diferenciadas e intervalos decrescentes de acordo a idade, tendo como consequência o cancelamento da inscrição no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTRC) do veículo não aprovado na inspeção e que não tenha se adequado às normas no prazo que lhe for concedido.
SAIBA MAIS - Faça o download do estudo Transporte Rodoviário de Carga (TRC): características estruturais e a crise atual.