O sistema ferroviário nacional apresenta há décadas problemas relacionados à baixa concorrência, reduzido volume de investimento e grande quantidade de trechos ociosos ou não explorados. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) avalia que um importante caminho para a modernização do setor é a aprovação do Projeto de Lei 261/2018, a ser votado no Senado Federal.
O estudo Novo Marco Legal Ferroviário: avanços e pontos de atenção ao PLS 261/2018, elaborado pela CNI, analisa os principais pontos do projeto, que estimulará o aumento da oferta de serviços de transporte, dos investimentos e da utilização e integração da malha.
O Brasil tem cerca de 30 mil km de ferrovias, mas 30% dessa extensão encontra-se ociosa. Existem, no entanto, alguns corredores ferroviários que apresentam altos níveis de utilização e padrões internacionais de eficiência. São por esses trechos economicamente rentáveis aos concessionários atuais que transitam a maior parte das cerca de 500 milhões de toneladas movimentadas anualmente na malha, em sua maioria minério de ferro (73% do total) e soja em grãos ou farelo (7% do total).
O perfil e a evolução do transporte por ferrovias no Brasil têm relação com a configuração que a malha e as operações ferroviárias assumiram após as privatizações dos anos 1990. O sistema atual consiste em malhas regionais isoladas, com pouca integração entre si. Duas ferrovias voltadas para o transporte de minério (Carajás e Vitória-Minas) respondem por 54% da movimentação total de cargas, enquanto o conjunto de malhas da Rumo alcança 43% da extensão total.
As ferrovias short lines como forma de alavancar os investimentos e a utilização da malha
O estudo da CNI aponta que o principal avanço da nova lei será a viabilização no país de uma nova ordem de ferrovias, construídas ou adquiridas para serem exploradas pela iniciativa privada por meio de outorgas de autorização do Poder Concedente. A proposta tem como referência experiências de outros países, em particular dos Estados Unidos.
Nos anos 1980, a desregulamentação do setor ferroviário norte-americano atuou no sentido de simplificar o processo de transferência de trechos ociosos da malha. Isso viabilizou a multiplicação de novos operadores ferroviários em trechos de curta extensão (short lines), cujo número aumentou de 20, em 1980, para os atuais 603, totalizando 76 mil km, ou 29% da malha dedicada ao transporte de carga nos Estados Unidos. Essas ferrovias representam a movimentação de um em cada cinco vagões deslocados anualmente no país.
No Brasil, da mesma forma que nos EUA, a viabilidade econômica das ferrovias short lines depende da possibilidade de operarem com custos e encargos regulatórios inferiores ao das ferrovias tradicionais (concedidas). “O PLS 261/2018 atua nesse sentido, ao permitir a outorga de exploração de ferrovias em regime privado e prever que trechos ociosos da atual malha concedida poderão ser transferidos para operadores em regime de autorização”, afirma o gerente-executivo de Infraestrutura da CNI, Wagner Cardoso.
Outros pontos de destaque e de atenção
Além de incluir as ferrovias privadas autorizadas, o projeto de lei eleva a texto legal várias questões e iniciativas contempladas em normas infralegais na década passada, visando superar problemas de operação da malha ferroviária decorrentes da regulação implícita nos contratos de concessão.
O texto fomenta os investimentos na malha na medida em que prevê a exigência de cláusulas nos contratos de concessão que especifiquem obrigações de aportes pelos vencedores, a fim de aumentar a capacidade instalada ao longo do período do contrato.
O PLS cria também a instituição do usuário investidor, caracterizado como pessoa física ou jurídica que venha a investir no aumento de capacidade de infraestrutura ferroviária concedida ou material rodante, com vistas ao transporte em ferrovia que não lhe esteja outorgada.
Do ponto de vista da concorrência, o PLS não impõe restrições a outorga de ferrovias em uma mesma região geográfica e inova com a possibilidade da autoregulação ferroviária, no sentido de promover a conciliação de conflitos e assegurar neutralidade com relação aos interesses dos usuários.
Retrocesso em relação ao operador independente
O projeto de lei, no entanto, apresenta um importante retrocesso em relação a garantia de capacidade à terceiros, especialmente para o transportador desvinculado da gestão da infraestrutura ferroviária, ou seja, o operador ferroviário independente.
A CNI defende que o texto seja ajustado para retomar preceitos da atual regulação infralegal e da Lei 13.448/17, no sentido de garantir em contrato a oferta de capacidade a terceiros nos contratos de concessão, eliminando a competência de o regulador ferroviário decidir acerca da obrigatoriedade dessa oferta. E também para incorporar o operador ferroviário independente ao texto legal, com a definição de sua natureza e das diretrizes básicas relativas a seus direitos e obrigações, inclusive como integrante do mecanismo de autoregulação.
“Com os ajustes necessários, o PLS 261/2018 vai alavancar a participação do modal ferroviário em nossa matriz de transporte, que, excluindo-se o minério de ferro, é de apenas 4%. O setor produtivo aguarda ansiosamente a votação no plenário do Senado Federal dessa importante matéria”, destaca Wagner Cardoso.