Inclusão pela arte: conheça três projetos que unem as diferenças

Grupos do SESI-BA e da APAE Salvador mostram que a dança, as artes visuais e a música são formas de interação, expressão e reconhecimento de talentos na educação inclusiva

grupo de pessoas se apresentam em palco dançando
Companhia de Dança Opaxorô da APAE de Salvador durante apresentação no Seminário Internacional de Educação Inclusiva SESI

Em algum momento da vida, o ser humano terá contato com a arte, seja colorir um desenho na educação infantil, cantar uma música no chuveiro, apresentar uma dança ou peça teatral na escola. Essas atividades desenvolvem habilidades, proporcionam espaços de interação e acolhimento, e favorecem a descoberta de novos artistas. Na educação inclusiva, não seria diferente.   

Dois grupos que abraçam a diversidade e incluem todos por meio da arte são o centro de artes da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Salvador e a Orquestra Jovem do Serviço Social da Indústria (SESI). Alunos de ambas as instituições mostraram seus talentos na capoeira, na dança contemporânea e numa orquestra durante a programação do 1º Seminário Internacional de Educação Inclusiva SESI, em Salvador (BA).  

Kátia Marangon, gerente do Centro SESI de Formação em Educação, considera a arte um espaço de liberdade para os estudantes por ser uma forma deles se comunicarem e interagirem com o mundo. 


“A arte é uma área de conhecimento que ajuda no desenvolvimento, pela liberdade que ela nos dá de nos expressar. Muitas vezes, o estudante tem alguma dificuldade de comunicação ou interação, mas através da dança ou teatro, por exemplo, eles fazem essa interação e conseguem avançar”, explica. 


A especialista em educação inclusiva exemplifica o poder da arte em estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Muitos têm barreiras, como a interação e o toque. Um dos caminhos que a arte proporciona é “potencializar os momentos em que os estudantes sentem essa abertura e trazem um sentimento que, às vezes, têm dificuldade de contar pra gente”. 

Os participantes do seminário puderam assistir como o contato com a arte ajuda os alunos a desenvolverem a sensibilidade, as capacidades intelectuais e a expressão de emoções. Conheça mais sobre as iniciativas que fizeram parte da programação do evento: 

Maestro, hora do show 

Da música clássica ao rock alternativo, uma canção tem grande poder de inclusão por exigir dos alunos atenção, criatividade, dinamismo e trabalhar o lado lúdico. Nada mais completo para promover a socialização por meio da música do que uma orquestra e um coral.  

Criada em 2011, a Orquestra Jovem do SESI é resultado da parceria do SESI com os Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia. Na unidade de Itapagipe, em Salvador, são cerca de 200 alunos do 6º ao 3º ano do ensino médio. Desses, cinco são da educação inclusiva. Eles cantam e tocam percussão, violino e violoncelo.  

🎶 “A música promove a socialização e facilita a comunicação”, resume a coordenadora pedagógica do SESI Thaís Regina. 

grupo de jovens em cima de um palco segurando instrumentos musicais, na parte baixa, há um homem de terno apontando para eles
Uma das apresentações da Orquestra foi a execução do Hino Nacional

As atividades ocorrem no turno oposto às aulas com encontros três vezes na semana. “A orquestra tem um papel significativo na vida dos estudantes, pois fortalece a capacidade para trabalhar em grupo. Eles aprendem a conviver com as diferenças, trabalhando em torno de um objetivo comum”, reforça Thaís.  

O projeto já realizou diversas apresentações pelo estado e para as escolas SESI, mas atualmente prioriza os convites da rede. “A gente percebe a transformação dos estudantes. Alguns com questões comportamentais, quando entram, vira a chavinha, trabalham os valores e as habilidades”, acrescenta. 

duas mulheres, uma loira e outra morena, posando para foto embaixo de um palco, em cima, há jovens segurando instrumentos musicais
Thaís Regina (à direita) e Carla Prado, diretora do SESI Itapagipe, com alguns dos integrantes da orquestra

No ritmo do berimbau 

Existe uma conexão essencial entre música e dança: é a canção que dá o ritmo. Dançar é movimentar o corpo e se expressar. Além da melhora da resistência física e aumento da flexibilidade, a dança também promove a consciência corporal e permite descobrir habilidades motoras específicas que auxiliam no cotidiano.  

Uma grande expressão artística que une dança, arte marcial e música e faz parte da história da Bahia é a capoeira. Foi com a capoeira e a Companhia de Dança Opaxorô que Filipe Santos de Araújo, 20 anos, pôde mostrar sua maior paixão: dançar. Ele faz parte da APAE de Salvador desde 2013 e tem deficiência intelectual leve. No evento, ele e os colegas apresentaram o espetáculo “A Terra Povoa” por meio da dança contemporânea, urbana e de matrizes africanas. 

Homem na frente de um auditório usando chapéu e camisa colorida. Ele e o público batem palmas
Filipe Santos durante a apresentação da Companhia de Dança Opaxorô

Filipe conta que entrou na associação por ter muita dificuldade de leitura e se encontrou no palco. Em todo lugar que se apresenta, sente uma gratidão grande pelas pessoas que “abrem oportunidade para a gente apresentar um pouco do que sabemos”.  

A Associação também promove um trabalho de protagonismo: reconhecer os talentos dos jovens por meio de festivais e premiações.  

Este ano, Filipe viajou a Guanambi (BA) para participar de uma competição regional entre as APAES e faturou o primeiro lugar em dança popular com uma apresentação solo. Desde que ele se entende por gente, esse é seu dom e quer levar para onde for:  

🕺🏽 “Minha vida é a dança”. 

Protagonismo das pessoas com deficiência 

A APAE Salvador presta assistência gratuita e luta pelos direitos das pessoas com deficiência. A associação toca programas de geração de trabalho e renda, oficinas e atividades artísticas para que os estudantes se expressem.  

“Uma coisa é falar que o trabalho da APAE é maravilhoso, outra coisa é você ver de fato o que fazemos. As oficinas e apresentações são uma forma também da gente estar devolvendo o que a sociedade contribui financeiramente com doações”, explica Antônio Marques, coordenador de artes da APAE de Salvador. 

Homem ao centro e nove meninos vestindo roupas brancas posam para a foto
Antônio Marques ao lado dos jovens que apresentaram a capoeira

Hoje, são mais de 70 alunos no centro de artes, além das mães que fazem parte do núcleo produtivo e costuram os figurinos que os filhos vestem nas apresentações. A APAE recebe muitas doações de tecidos e sobras que são reutilizadas.  

Para Antônio, todos os eventos que eles são convidados representam uma “abertura de portas”. "É uma grande possibilidade de os alunos mostrarem o trabalho deles e das pessoas verem que eles têm potencial. Que eles são deficientes você já sabe, se não eles não fariam parte da APAE. O que a gente quer mostrar é a potencialidade deles”, ressalta.  

Nasce uma obra de arte 

Fora dos palcos, existem outros artistas que com uma caneta e um papel traduzem o mundo ao nosso redor. Manuela Lelis, 18 anos, começou a desenhar com 4 anos e conta que evoluiu muito na sua técnica desde que entrou na APAE, em 2018. A jovem prefere as artes visuais aos palcos, e as caricaturas são seu ponto forte. 

“Para mim, é mais fácil desenhar pessoas, e a dificuldade é a leveza nos traços, deixar mais fino. Estou trabalhando nisso na APAE. Desde que cheguei, estou evoluindo cada dia mais”, conta a jovem, que tem deficiência intelectual.  

🎨 “A arte me ensina a ter paciência”, reconhece Manuela Lelis. 

Jeferson Freitas, 17, não acreditava em reconhecimento com as artes visuais, até que ganhou um concurso de cartazes da APAE em 2016. O desenho que ele fez virou o material de divulgação do Festival Nacional Nossa Arte daquele ano, uma promoção da Federação Nacional das APAES.  

"Quando eu vi os cartazes no evento, para todo lado e pessoas vestidas com camisetas estampadas com o meu desenho foi aí que pensei ‘pronto, vou ficar famoso’”, brinca.

desenho colorido e geométrico
Desenho de Jeferson ganhou o concurso de cartazes da APAE em 2016

Desde pequeno, ele adora desenhar e criar histórias dos personagens que antes só existiam na imaginação. Jeferson também tem deficiência intelectual e acredita que a arte é uma grande aliada no dia a dia, pois desenhar “ajuda no controle das emoções e ter compaixão pelo próprio desenho”.  

Brasil tem 1,5 milhão de estudantes com deficiência 

Em todo o país, são 1,5 milhão de estudantes com deficiência só na educação especial, de acordo com dados do Censo Escolar de 2022. Desses, 1,3 milhão estudam em classes comuns; e 154,8 mil em turmas exclusivas.  

A inclusão de alunos com deficiência na escola regular amplia a autonomia e a construção de conhecimento. Kátia Marangon também reitera a importância de incluir esses estudantes em classes regulares, porque “a aprendizagem só ocorre quando somos colocados à frente de algum desafio”. 

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