🐉 - Não eram nem 12h do segundo dia de competição da WorldSkills e o espaço de trabalho da equipe chinesa da #03 Manufatura integrada estava vazio. O trio já tinha concluído o projeto, que os outros times ainda teriam o restante do dia para entregar. Nessa ocupação, os competidores recebem o descritivo do produto meses antes, como função, limite de peso e de tamanho e, nos dias do torneio, eles precisam fabricar, montar e testar o objeto.
O projeto deste ano era uma bicicleta e a equipe chinesa não só terminou horas antes como foi o único país, junto com a Coreia, a cumprir a prova de velocidade. Depois de quatro dias de competição, a equipe chinesa foi consagrada com o ouro, ao lado do Japão, com a prata, e Taiwan, com o bronze. E era só o início da cerimônia de encerramento da 47ª edição do mundial de educação profissional. Naquela noite, dos 59 pódios da WS, a China esteve em 49, sendo 36 no topo.
Com um desempenho inédito na história da competição, o país mostrou que o dragão despertou – e não deve dormir tão cedo, já que Xangai é sede da próxima edição, de 2026. Além dos 36 ouros, foram 9 pratas, 4 bronzes e 8 medalhas de excelência, que garantiram ao gigante asiático o 1º lugar em todos os rankings, de total de pontos de medalha à média de pontuação geral.
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Se olharmos para a participação do país há 11 anos, o feito é ainda mais impressionante. Em cinco edições, entre a de 2013 e a de 2024, a China foi de 26 para 68 competidores e de nenhuma medalha de ouro para 36, deixando o 14º lugar em total de pontos de medalha para o 1º. Tem uma hipótese, bastante plausível, para o salto no número de pódios. Xangai sediaria o evento em 2021, mas por causa da pandemia, aquela edição presencial não aconteceu e o país ficou com a sede para 2026.
Moradia, estágio e subsídio nas escolas técnicas
Se a motivação da China é clara – dominar a competição em casa –, não se pode dizer o mesmo das estratégias para isso. Na WordSkills Lyon, que aconteceu entre 10 e 15 de setembro, havia integrantes da comitiva chinesa por toda parte, mas conversar com algum deles era missão quase impossível. Chunlei Zhou, expert lead do time da Manufatura integrada que concluiu a prova bem antes dos adversários, topou contar um pouco da preparação.
Segundo o técnico, o trio que representou o país no mundial só foi definido depois que a organização entregou o descritivo da prova, em dezembro. Três equipes disputaram a vaga nacional. A ocupação #03 é uma das mais completas e caras, já que o país precisa pagar a despesa de três competidores e de todos as peças do projeto. Também é uma das ocupações que aumentaram a idade limite de 22 para 25 anos, o que faz com que a maioria dos competidores já estejam na faculdade ou no mercado de trabalho.
“Nossos cursos de educação profissional têm duração de três a cinco anos. Dos 10 mil estudantes da nossa escola, 8 mil moram na própria escola. Eles terminam o segundo ano e vão para o estágio, recebem um salário-mínimo. E o governo dá subsídios para a escola”, conta Zhou.
O expert reconhece que, além do volume de potenciais competidores e dos investimentos estatais, as instituições de ensino trabalham com currículos atualizados constantemente.
Ele cita como exemplo a área de automotiva, com os carros elétricos. Na WorldSkills, as provas são práticas e acompanham o desenvolvimento tecnológico das ocupações e dos setores industriais. Portanto, as delegações que têm a oportunidade de treinar com os equipamentos e processos que acabaram de chegar no mercado competem em vantagem. Não por acaso o medalhista de ouro de # 33 Tecnologia Automotiva foi um chinês.
Os donos da tecnologia
A ocupação era uma das mais disputadas, com 35 competidores. O brasileiro Rodrigo Farias, que terminou na 11ª colocação e uma medalha de Excelência, admite que os asiáticos, no geral, têm outro ponto em seu favor: são eles os maiores fornecedores dos equipamentos das provas. Nos intervalos, esse era o relato – quase um desabafo – de vários competidores, não só da área automotiva, mas também nas ocupações de tecnologia da informação e da manufatura e engenharia, cujos softwares, cabos, peças e até placas solares são made in Ásia.
Patrocinadora do evento desde 2007, a Samsung reafirmou o compromisso da empresa com a formação profissional dos jovens no país. Na cerimônia de encerramento, o presidente da companhia, Lee Jae-yong, participou da entrega de medalhas e tirou foto com a delegação coreana, que terminou na 2ª colocação geral em total de pontos de medalha e média de pontos.
Por muitos anos, o país foi o grande campeão do mundial e, até Abu Dhabi em 2017, disputava de igual para igual com a China. Em cinco edições, o país alternou entre 1º e 2º lugar nos rankings de medalha e média de pontos - só caiu para 3º no total de pontos de medalha em 2019, quando foi ultrapassado pela Rússia, que sediava o torneio.
Na edição deste ano, na França, dos 57 competidores da Coreia, 24 eram funcionários da Samsung, contratados após se formarem no ensino médio com o diploma do curso técnico. “O suor de jovens talentos foi a base para a Coreia se tornar uma potência tecnológica. Nós vamos fornecer suporte completo para garantir que aqueles que não vão para a universidade sejam respeitados e formados como habilidosos profissionais técnicos”, garante Lee Jae-yong.
Empresas apostam na competição
O executivo da companhia começou a se interessar pelas competições em 2006, quando visitou uma empresa no Japão cujos funcionários mais experientes tinham sido premiados em torneios locais e internacionais de habilidades técnicas. Essa aproximação com as grandes indústrias é um dos trunfos do país até hoje, revela Hiroshi Akimoto, delegado técnico da comitiva japonesa.
“Fazemos a competição nacional um ano antes do mundial, e 2/3 dos nossos competidores trabalham e treinam nas empresas”, conta o responsável pela delegação do Japão.
Ele lembra que o país é forte em ocupações tradicionais, como #27 Joalheria e # 37 Jardinagem e Paisagismo, mas tem investido bastante nas engenharias e em tecnologia, especialmente porque Aichi, cuja capital é Nagoya, foi confirmada como sede para a edição de 2028.
O Japão chegou a amargar um 9º lugar em total de pontos de medalha e 15º em média de pontos, em 2017, mas, com a delegação reforçada, alcançou a 6ª colocação nos dois rankings neste ano. Questionado se a competição fica mais fácil ou mais difícil com o passar do tempo, Akimoto ri, deixando escapar por 10 segundos a seriedade japonesa, mas sem perder a objetividade. “Não não. Temos a China”.