Tributação complexa e infraestrutura precária são desafios para a indústria

Na quarta reportagem, a série especial do site Poder 360, com apoio da CNI, Caminhos da Indústria - desafios e oportunidade, mostra que a burocracia e desemprego são outros obstáculos a serem superados. E destaca que o o Mapa Estratégico da Indústria oferece norte

Inovação é o principal caminho para a indústria superar seus entraves. Na imagem, projeto na 20ª Edição do Programa de Imersões em Ecossistemas de Inovação

Há 2 anos, em novembro de 2017, entrou em vigor no país a nova legislação trabalhista. O pacote de medidas flexibilizou as relações de trabalho e a implementação resultou na queda do número de novas ações registradas pela Justiça do Trabalho.

Em 2016, foram 4.262.444 ações, número que atingiu 4.321.842 em 2017 e caiu para 3.460.875 no ano passado, de acordo com informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os números de 2019 só serão consolidados no próximo semestre, mas a projeção da Confederação Nacional da Indústria (CNI) é de que a trajetória de queda se mantenha, isso porque o novo arcabouço legal reduziu a insegurança jurídica nas relações entre trabalhadores e empresários.

“Houve uma desburocratização, uma simplificação dos processos na área trabalhista e isso, é claro, impacta nos custos das empresas”, avalia Carlos Eduardo Abijaodi, diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI. 

A entidade compila desde 2005 os principais obstáculos para o desenvolvimento da economia brasileira, reunindo no Mapa Estratégico da Indústria propostas para fomentar a atividade industrial. A edição mais recente do Mapa foi lançada em 2018, com projeções até 2022.

Se, por um lado, houve redução na insegurança jurídica nas relações trabalhistas, por outro o país quase não avançou em questões fundamentais, como a revisão do sistema tributário e a resolução de entraves na infraestrutura.

Na avaliação do gerente de Pesquisa e Competitividade da CNI, Renato da Fonseca, esses pontos devem ser priorizados nos próximos meses para que a economia brasileira volte a crescer e para que, consequentemente, o setor industrial consiga superar a crise que atravessa desde 2014. 

“A reforma tributária é a questão mais importante agora porque, apesar de alguns ajustes, a carga tributária continua crescendo e é muito complexa. De certa forma, empresários de pequeno e de médio porte conseguem escapar de parte dessas dificuldades porque podem utilizar o Simples, mas o grande empresário tem que lidar com uma legislação tributária muito complicada e onerosa. Manter a carga de impostos atual, mas simplificar o arcabouço legal já traria redução de custos e isso chegaria até o consumidor final, por meio de produtos mais baratos na ponta”, defende Fonseca.

Economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin afirma que o cenário atual da indústria brasileira reflete problemas tanto pelo lado da oferta quanto pelo lado da demanda.

O cipoal tributário e as carências na infraestrutura se juntam às falhas no sistema educacional para explicar os obstáculos pelo lado da oferta. Isto é, são questões que impedem que o setor produtivo consiga se organizar para se posicionar de forma competitiva no mercado internacional. “O atual governo olha muito para os problemas da oferta, esse parece ser o foco prioritário de ação, mas isso precisa ser melhor conversado com o setor privado, para evitar o que vimos, por exemplo, no leilão do pré-sal”, afirma. 

INVESTIMENTOS - O economista se refere aos resultados obtidos no megaleilão da cesseão onerosa. O governo federal esperava arrecadar R$ 106,6 bilhões, mas obteve apenas R$ 69,96 bilhões com a venda de duas áreas no pré-sal na Bacia de Santos, no Rio de Janeiro.

Cagnin destaca que as parcerias com o setor privado são fundamentais para a retomada dos investimentos em obras de infraestrutura: “Temos muitas obras paradas no país, e os investimentos públicos foram praticamente liquidados com o ajuste fiscal, então temos que acelerar as concessões e outras parcerias com o setor privado. Não estou dizendo que é algo trivial, mas é uma medida capaz de estimular o crescimento econômico porque ataca o problema pelo lado da oferta, mas também da demanda.”

O elevado nível de desemprego é uma das principais causas do fraco desempenho da economia, quando se olha o problema pela ótica da demanda. Sem renda fixa, o brasileiro reduz o consumo e evita assumir novas dívidas. Aqueles que têm emprego não tiveram crescimento real de renda e também controlam os gastos. Como o cenário externo não favorável, a indústria brasileira tem operado em nível inferior à sua capacidade máxima.

“A gente cresce pouco porque falta demanda. Temos uma taxa de desemprego nas alturas e que teima em ser reduzida. A Pnad Contínua mostrou que o nível de desemprego continua quase igual ao de outubro do ano passado, a queda que tivemos foi marginal. Nos últimos 12 meses não saímos do lugar”, explica o economista.

A retomada de investimentos em obras de infraestrutura poderia estimular a demanda, defende Cagnin. Isso porque a contratação de pessoas para trabalhar nessas obras aqueceria a cadeia produtiva: “Obras de infraestrutura geralmente são de grande porte e demandam produtos feitos por segmentos industriais importantes como os de minerais metálicos e não metálicos, o de máquinas e o da construção civil como um todo, um segmento intensivo na utilização de mão de obra.”

Problemas de infraestrutura ainda são grande entrave no desenvolvimento da indústria. Na imagem, obras em Brasília

NOVAS REFORMAS - Outra medida para estimular a demanda é fazer com que a redução da Selic, que se encontra no menor patamar histórico, se traduza em juros menores na oferta de crédito para empresas e cidadãos. Para que isso ocorra, o governo terá que enxugar os gastos, um processo que já começou com o estabelecimento do teto de gastos e que continua na pauta com a proposta de reforma administrativa.

Os juros são altos porque o governo deve muito e coloca títulos no mercado para conseguir dinheiro. Os bancos preferem emprestar para o governo, que oferece mais garantias, e isso reduz a oferta de crédito na economia”, afirma o gerente de Pesquisa e Competitividade da CNI.

Já na avaliação do economista do Iedi, o governo deve ter cautela ao implementar novas medidas para estimular a demanda. Cagnin acredita que a liberação de saques das contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi uma iniciativa positiva para injetar recursos na economia, mas questiona a decisão do Banco Central (BC) de colocar um teto para os juros cobrados no cheque especial: “A experiência histórica mostra que tabelar preços e juros nunca funciona, os agentes econômicos correm por fora e tendem a burlar esses bloqueios.”

ENTENDENDO O MAPA ESTRATÉGICO DA INDÚSTRIA - A 1ª edição do documento foi lançada em 2005, com o objetivo de levar para a sociedade e para o governo um roteiro para o desenvolvimento do país. O documento foi elaborado com base em discussões com empresários e com presidentes das federações estaduais das indústrias. A 1ª versão tratava de temas que extrapolavam a atuação do setor industrial, como saúde e segurança pública e, por isso, a 2ª edição, que contemplou o período entre 2013 e 2022, passou por ampla revisão temática.

O Mapa Estratégico da Indústria diminuiu bastante na 2ª edição, porque resolvemos retirar temas sobre os quais não temos expertise. Segurança pública, por exemplo. É um fator que impacta diretamente a atividade industrial, mas a CNI não tem expertise sobre esse tema. Então resolvemos focar mais nos assuntos que dominamos”, explica o gerente de Pesquisa e Competitividade da entidade, Renato da Fonseca.

O documento tratou de 10 fatores-chave para aumentar a competitividade da indústria brasileira: 1) ambiente macroeconômico, 2) desenvolvimento de mercados,  3) educação, 4) eficiência do Estado, 5) financiamento, 6) infraestrutura, 7) inovação e produtividade, 8) relações de trabalho, 9) segurança jurídica e 10) tributação.

Conheça mais sobre o Mapa Estratégico da Indústria no infográfico animado:

A edição mais recente é uma atualização do 2º Mapa Estratégico da Indústria e, dessa vez, a CNI focou ainda mais nas variáveis em que o setor industrial pode atuar, conforme explica o diretor de Desenvolvimento Industrial da entidade: “Se a gente está preparado ou está querendo se preparar para atuar na indústria 4.0, a gente tem que pensar nos equipamentos que serão adaptados, sofrerão uma transformação para aumentar a produtividade. E, na mesma proporção, teremos que ter pessoas mais qualificadas para trabalhar em atividades que exigem conhecimento mais profundo. Temos também que entender o layout das empresas, para trabalhar de uma forma mais objetiva e com processos mais objetivos, que possam reduzir o tempo de produção e os riscos envolvidos na operação industrial”, pontua o diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, Carlos Abijaodi. 

A série Caminhos da Indústria – desafios e oportunidades é produzida pelo Poder360, com apoio da CNI.

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