Relatos da pandemia nas empresas de médio porte

Medidas nas áreas trabalhista e tributária foram essenciais para dar fôlego financeiro a indústrias de diferentes regiões do país durante os meses mais difíceis

A dimensão da paralisação em março e abril deste ano e as incertezas levaram fábricas como a Tok Cosméticos a orientar suas linhas para a produção de álcool em gel

As medidas adotadas para tentar evitar a expansão da Covid-19 no Brasil a partir de março, como restrições de circulação e paralisação das atividades não essenciais, levaram muitas empresas a se reinventarem para enfrentar os desafios econômicos provocados pela pandemia. Quem pôde, fez ajustes na linha de produção e alterou a rotina dos funcionários para manter sua fábrica funcionando. Além de reduzir pessoal e adiar o pagamento de tributos federais – medidas autorizadas pelo governo federal –, diversas companhias buscaram crédito bancário para pagar fornecedores e salários.

“Ficamos fechados por 12 dias em abril, como outras empresas, mas aí descobrimos que poderíamos fabricar álcool em gel. Rapidamente conseguimos embalagens, negociamos com parceiros de muitos anos e, por incrível que pareça, fechamos um pedido já para o mês de maio”, conta Carlos Anaclea Oleias, presidente da Dexter Latina, empresa de São José dos Pinhais (PR) que fabrica inseticidas e produtos sanitários. “Foi só uma vez. Depois voltamos aos nossos produtos, mas com um ritmo menor de vendas depois disso”, conta o empresário.

Embora a venda de álcool em gel tenha elevado o faturamento da empresa em cerca de 30% num único mês, Oleias diz que precisou adiar o pagamento de tributos federais e buscar financiamento no banco para manter a empresa funcionando. “Aproveitamos a questão dos impostos federais, mas tivemos de pagar os tributos estaduais, não teve jeito”, diz. No caso do banco, ele lembra que tentou conseguir financiamento em bancos públicos, mas, como não conseguiu, recorreu a bancos privados, com os quais negociou melhores prazos de pagamento e obteve novos recursos.

A pouco mais de 3.000 km da Dexter, em Teresina (PI), Francisco Marques, presidente da V&M Indústria de Confecções, conta uma história parecida. “Nos reinventamos para fabricar produtos médico-hospitalares. Pegamos hospitais, empresas de segurança e empresas do setor de alimentos, que não precisaram reduzir as atividades pelo fato de terem sido considerados serviços essenciais”, explica. Antes da reinvenção, segundo ele, a produção estava concentrada na venda de uniformes para a indústria e o comércio.

Marques diz que também recorreu a financiamento bancário e adiou o pagamento de tributos federais para enfrentar a queda de faturamento no período da pandemia. Embora a empresa já atuasse no setor de confecções, a mudança na produção levou-a a buscar novos conhecimentos. “Pedimos ajuda ao Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e ao Sebrae, e isso foi fundamental para o nosso negócio”, conta Marques.


“Realmente tivemos que nos adaptar. Tínhamos 112 colaboradores e tivemos que ficar na parte da indústria com pouco mais de 30, porque tinha aquela parte de adaptação do distanciamento. Mandamos um bocado trabalhar em casa e mandamos também máquinas para a pessoa se adaptar a trabalhar em casa. Aí também surgiu a antecipação das férias e a suspensão de contratos. Mas, mesmo assim, tivemos de ampliar a terceirização e buscar pessoas para trabalhar de casa”, relembra Marques.


Hoje, explica ele, “nós estamos na indústria com uns 38 a 42 colaboradores. Tem um pessoal no chão de fábrica, um pouco no corte, um pouco no risco, um pouco na criação, um pouco na supervisão e alguns na administração. Fora da fábrica, temos entre 120 e 125 colaboradores que trabalham em casa, o que garante uma produção média de 14 a 15 mil peças no mês”. Segundo o presidente da V&M, as medidas do governo federal ajudaram a empresa, que suspendeu contratos, adiou o pagamento de tributos e tomou financiamento em bancos públicos. “Mas o governo estadual ajudou muito pouco”, compara.

A produção de álcool em gel também foi a solução encontrada pela Tok Cosméticos, de Sergipe, para enfrentar as consequências da Covid-19 na economia. Domingos Luz, diretor comercial da empresa, diz que no início ficou “meio assustado” com as notícias e, por isso, a fábrica ficou fechada por quatro dias. “Mas vimos que tanto a indústria quanto os serviços essenciais ficariam abertos e voltamos a trabalhar. Depois veio a demanda de fabricação de álcool gel, então eu tive que parar toda a minha produção de cosméticos e modificar algumas linhas, passando a fabricar álcool em gel durante uns 60 dias”, conta Luz.

Além de produzir álcool em gel para a venda no comércio, diz ele, a empresa passou a doar parte da produção a asilos, creches, hospitais e à Secretaria de Segurança Pública sergipana. “Ficamos assim durante uns 60 dias mais ou menos. Mesmo doando e vendendo a outra parte, deu para cobrir bastante bem as despesas e evitar a demissão de funcionários”, explica. Com 25 funcionários, Luz também buscou crédito bancário. “Achei a burocracia muito grande e percebi que os bancos não estavam com a mínima vontade de me emprestar dinheiro com juros mais baixos”, critica o diretor da Tok Cosméticos.

Depois de superar os desafios iniciais provocados pela pandemia, Domingos Luz diz que o problema agora é a falta de insumos e o aumento de preço de materiais necessários para manter a produção da empresa em dia. “Parei de fabricar álcool em gel em meados de junho e voltei a fabricar cosméticos. Estava muito bem, vendendo muito bem enquanto estava vindo o auxílio emergencial do governo federal. Os supermercados estavam sempre lotados e o nosso produto estava saindo muito bem, mas em setembro tivemos dificuldade para conseguir matéria-prima”, explica o empresário.

Segundo ele, os fornecedores informaram que os insumos, importados principalmente da China, não estão sendo entregues em dia e os que chegam estão com preços maiores devido à alta do dólar. “Uma grande matéria-prima que está faltando é o polímero, usado na produção de embalagens plásticas, ou seja, estamos com dificuldade em comprar embalagens. Esse é só o nosso medo agora. É a falta de plástico no mercado para fazer todo tipo de embalagem”, destaca. 

Carlos Anaclea Oleias também cita a falta de insumos e de embalagens como problemas sérios que estão sendo enfrentados atualmente pela Dexter Latina. “Nossa empresa tem uma produção sazonal. Sem insumos, seremos obrigados a parar. Sem matéria-prima, não tenho caixa para os meus produtos e não tem princípio ativo. Tivemos de pagar 60% a mais no preço do plástico, o que vai provocar um aumento de 10% a 15% nos meus produtos. E assim as vendas vão cair. Estou vendo que realmente teremos de demitir gente”, prevê o empresário.

Relacionadas

Leia mais

O enorme desafio de impulsionar a economia
Convidamos o mundo a conhecer a Amazônia
A Amazônia tem pressa

Comentários