As escolhas sobre como sair da crise

A retração global é certa, com efeitos sobre o comércio e a produção de riquezas, mas especialistas apontam diferentes caminhos de recuperação

Só uma ação coordenada entre as várias economias vai facilitar a recuperação global, dizem especialistas. Mas isso depende, em boa medida, do que países importantes, como Estados Unidos e Alemanha, fizerem para proteger suas economias

O comércio global de mercadorias está caindo em 2020. Até o fim do ano, a retração será de algo entre 13% e 32%, segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC), ou de 15% a 25%, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O certo é que haverá uma queda sem precedentes na história recente e que ainda não é possível dizer quanto tempo isso vai durar. 

Também são conhecidos os principais motivos que produziram a crise, em seu estágio atual: a redução da demanda mundial por bens e a baixa na oferta ocasionada pelas medidas de isolamento social, resultantes da pandemia da Covid-19. Os efeitos econômicos da pandemia extrapolam os fluxos comerciais e, naturalmente, reduzirão a riqueza mundial em 2020. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o planeta deve registrar uma queda de 3% da economia global, o que resultará na maior recessão desde a Grande Depressão de 1929. 

O que não se sabe, ainda, é que trajetória de recuperação teremos no Brasil e no mundo. Professor associado do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador do Instituto Nacional de Estudos sobre os Estados Unidos, Roberto Goulart, avalia que a crise internacional pós-pandemia resultará em respostas nacionalistas por parte dos países. "Em situações de crise procura-se proteger a economia nacional. Tendências pré-pandemia serão reforçadas e governos lançarão mão de novas medidas protecionistas", diz Goulart.

"Sem cooperação internacional, as políticas públicas são menos eficazes" - Carlos Eduardo Abijaodi, diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI

Para o diretor de Desenvolvimento Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Carlos Eduardo Abijaodi, embora uma onda protecionista ainda não tenha sido desencadeada, ela certamente pode acontecer.

"O que a crise faz é 'relembrar' os países de que alguns setores são importantes para a segurança nacional. Nesse sentido, ela pode acelerar um processo que já vinha de antes, de mais nacionalismo econômico nas economias desenvolvidas do Ocidente, como nos Estados Unidos, na Alemanha, na União Europeia como um todo e no Reino Unido. A crise não criou isso, mas poderá acelerar o processo. A consequência é o uso mais ativo de política industrial, que pode resultar em mais proteção", explica Abijaodi.

Impactos diferentes

Embora concorde que a pandemia tenha produzido um aprofundamento da competição e das disputas internacionais, o senador Nelsinho Trad (PSD-MS), presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado Federal, acredita que o impacto será menor para produtos de primeira necessidade, como os agrícolas. 

"O Brasil poderá se beneficiar desse cenário se souber estruturar adequadamente a sua economia, com as reformas necessárias, com a redução do custo Brasil, com um ambiente e uma regulamentação favoráveis aos negócios e com a conclusão de acordos internacionais, especialmente com aqueles países com os quais compartilhamos os mesmos valores de liberalismo econômico".

Nessa linha, dados do Ministério da Economia mostram que a balança comercial brasileira registrou crescimento de 5,6% das exportações em maio de 2020, apesar do cenário adverso da economia global. Esse resultado só foi possível devido à alta de 36,1% nas exportações do setor agropecuário.

A situação geopolítica global é outro elemento que deve impactar tanto na redução do comércio entre os países quanto na sua retomada. Secretária Especial Adjunta de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, Yana Dumaresq, ressalta que as incertezas na economia global aumentaram recentemente, impulsionadas pelo Brexit e pelas tensões comerciais entre a China e os Estados Unidos.

“Outro fator particularmente relevante para o comércio brasileiro é a deterioração da situação econômica da Argentina”, por sua relevância na importação de produtos brasileiros, lembra Yana.

A pressão que os Estados Unidos têm exercido sobre outras nações para a tomada de posição em relação à China pode ter prazo de validade, avalia o professor Roberto Goulart, da UnB. "Temos um desenho inicial, mas uma dimensão mais real será apresentada após a eleição norte-americana. Se o atual presidente Donald Trump não se reeleger, a tendência é que a polarização com a China diminua", aposta o especialista.

Para além do debate geopolítico, Goulart chama a atenção para o fato de o Brasil não estar fazendo a lição de casa.

"A China já retomou 90% da sua produção industrial, enquanto aqui muitas empresas ainda estão sem produzir. Os mecanismos de ajuda criados pelo governo não chegam às empresas de pequeno e médio porte. É essencial que seja intensificada a capacidade estatal de financiar o crédito para que as empresas voltem em uma velocidade que não seja tão lenta". 

Parte dos efeitos desse quadro interno refletem em resultados como a queda de 18,8% da produção industrial em abril de 2020 em relação ao mês anterior, que já havia registrado a redução de 9,1% ante a fevereiro. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), trata-se da queda mais acentuada desde o início da série histórica, em 2002.

Para o diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, “manter os mercados abertos e previsíveis, além de promover um ambiente de negócios mais favorável em geral, será essencial para estimular o investimento renovado de que precisaremos”, segundo declaração publicada no site da instituição.

O mesmo texto considera que, se os países trabalharem juntos em busca de uma recuperação, ela será “muito mais rápida do que se cada país agir sozinho”, posição apoiada pela CNI. Na opinião do diretor Carlos Eduardo Abijaodi, "sem cooperação internacional, as políticas públicas são menos eficazes".

Por ora, o governo federal está trabalhando em um novo decreto sobre subsídios e medidas compensatórias, com o objetivo de esclarecer as disposições legais e garantir maior transparência e previsibilidade às investigações de subsídios conduzidas pelo Brasil. “Esse maior detalhamento se justifica ainda mais ao se considerar que as investigações de subsídios englobam procedimentos e análises mais complexos do que aqueles conduzidos em investigações de dumping”, explica Yana Dumaresq.

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