Com o tempo, é comum que o corpo não acompanhe mais a mente, que ainda pode permanecer jovem. As rugas aparecem, os fios brancos tomam conta e algumas lembranças podem cair no esquecimento. Às vezes, essa fase vem acompanhada da solidão.
O que deveria ser a melhor idade, em alguns casos, traz experiências frustrantes aos idosos, por conta do isolamento em casas de repouso, da distância e da falta de carinho e atenção da família. A longo prazo, a solidão pode causar danos físicos e psicológicos.
Com o objetivo de melhorar a saúde mental daqueles que vivem em instituições de longa permanência para pessoas idosas, os estudantes Henrique Ailer, Leonardo Zanetti e Ryan dos Santos, 15 anos, da escola do Serviço Social da Indústria (SESI) de Santa Bárbara d’Oeste (SP), criaram o Companhia (CIA) Virtual, um robô que conta charadas, toca músicas e interage sonoramente.
“O robô procura simular uma companhia humana ao idoso que está se sentindo solitário, de uma maneira virtual. Dessa maneira, tendo o robô para interagir, o idoso acaba se sentindo mais tranquilo e querido, ele sente como se tivesse alguém lá junto com ele”, explica o estudante Henrique Ailer.
O projeto conquistou o primeiro lugar em engenharia da Feira Paulista de Ciência e Tecnologia e foi indicado à Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace).
“O robô colabora para o desenvolvimento cerebral, para que se estabeleça sinapses, estimula o diálogo, faz com que eles saiam do ambiente em que estão, se levantem da cama para comer, porque até isso, às vezes, era complicado lá”, declara orientadora Érica Fátima.
Companhia para a melhor idade
Segundo dados divulgados em 2020 pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), dos 210 milhões de brasileiros, 37,7 milhões são pessoas idosas, o que corresponde a 17,9% da população. Já um estudo realizado em 2011, pelo Instituto de Pesquisa Econômica (IPEA), aponta que no Brasil 83 mil idosos vivem em instituições públicas ou privadas.
Com a pandemia, as medidas sanitárias nas casas de repouso ficaram ainda mais restritivas. Em alguns locais, as visitas passaram a ser apenas virtuais, como no Asilo São Vicente de Paulo (SP).
Foi aí que os estudantes começaram a se questionar sobre as consequências que a redução do contato humano causaria nos idosos, uma vez que eles deixariam de receber afeto e atenção dos seus familiares.
De acordo com um estudo realizado pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), os idosos que se consideram solitários apresentam até 14% mais chances de sofrer morte prematura. Além de influenciar no desenvolvimento de transtornos psicológicos, a solidão aumenta a produção de hormônios de estresse e tensão, o que contribui para inflamações em diversas partes do corpo.
Motivados a partir da disciplina de eixo integrador, que propõe a busca por soluções de problemas da própria comunidade, os jovens começaram a entrar em contato todos os dias com a equipe e com os idosos do asilo para saber como eles estavam se sentindo realmente.
Assim, surgiu o CIA Virtual, um protótipo de robô, com cerca de um metro de altura, que interage com os idosos conforme programações.
“Nós sabemos que o virtual não substitui o contato humano, mas é algo diferente para atrair esses idosos, pra ver se leva um pouco de alegria a eles”, destaca Érica.
Os estudantes criaram a modelagem tridimensional e imprimiram, com o auxílio de uma impressora 3D, o robô em MDF. A princípio, eles utilizam a alexa, uma assistente virtual, para a programação, mas pretendem trocar por arduíno, que é uma plataforma de prototipagem a qual controla sistemas interativos. O CIA Virtual também possui painéis com luzes de LED para imitar a ação dos olhos humanos.
“Escolhemos a alexa por conta da similaridade com a voz humana, mas pretendemos trocar por um arduíno, equipado com as funções que ela tem, porém específico para o projeto”, explica Henrique.
Uma boa música sempre cai bem
Desde a implementação do CIA Virtual, a música clássica está presente em todas as refeições do asilo. O estudante Ryan dos Santos explica que eles programam canções para esses momentos, mas que os idosos também podem pedir ao robô o que mais gostam de ouvir.
MPB, samba e sertanejo são os gêneros mais ouvidos por eles, mas a música Dançarina, dos cantores Pedro Sampaio e MC Pedrinho, está entre as favoritas do repertório.
“Ter um mobilizador fez com que houvesse essa mudança de hábitos na hora das refeições, o que já promove qualidade de vida para esses idosos. Eles pedem música e fazem a festa. Por lá, aumentou até o movimento, porque eles querem dançar”, conta a orientadora Érica.
A música tem o poder de liberar endorfina no corpo, aquela substância que aumenta a sensação de felicidade, prazer e bem-estar. Nos idosos, que vivem em casas de repouso, essas sensações acabam ficando esquecidas muitas vezes.
Além disso, recordar é viver! É sempre bom sentir a nostalgia de uma música que marcou a sua vida em algum momento. As canções podem fazer você reviver um amor da juventude ou a sua melhor viagem, porque elas ativam a a memória.
A solidão vai além do “só”
Já teve aquela sensação de estar desconectado com o meio e as pessoas que te cercam? Então, é a solidão e você não precisa estar sozinho para senti-la, mesmo em convívio com muitas amigos e familiares, esse sentimento pode vir à tona.
A psicóloga especialista em saúde mental, Marina Antonucci, destaca que o contexto da pandemia da Covid-19 evidenciou a potência dos contatos virtuais.
“Os baixos níveis de contatos sociais podem associar-se a uma menor qualidade de vida, percebemos isso com a pandemia. A presença de uma rede de apoio com interações saudáveis é fator de proteção para diversos tipos de adoecimentos psíquicos”, pontua.
Marina explica que experenciamos a solidão emocional quando há falta de um relacionamento íntimo, mas ressalta que as causas e os efeitos podem ser diversos, desde questões sociodemográficas a traumas pessoais.
“A interação é fator protetivo, desde que este aspecto qualitativo seja levado em consideração, ou seja, desde que a pessoa idosa sinta-se considerada, cuidada e pertencente”, conclui.