“É preciso avaliar o crescimento da América Latina", defende executivo do Banco Mundial

Relatório Econômico da América Latina e Caribe de 2025 mostra que a expectativa de crescimento continua baixa e é preciso que países da América Latina adotem novas estratégias econômicas

Imagine um século perdido de crescimento econômico. Acrescente 30 anos de baixos desempenhos em capital humano, inovação e tecnologia e inúmeras perdas de oportunidades de aumento de produtividade. Essa é a história que a América Latina e o Caribe trilham há décadas. De acordo com o Relatório Econômico da América Latina e Caribe de 2025, a expectativa de crescimento continua baixa e é preciso que os países adotem novas estratégias econômicas para sair desse looping do declínio.

O economista-chefe do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe, William Maloney, explica que as taxas de crescimento da região seguem entre as mais lentas do mundo. Segundo ele, o fraco desempenho precisa ser avaliado pelos países de forma urgente e novas oportunidades tecnológicas devem ser exploradas o mais rápido possível. “A América Latina está crescendo pior que o resto do mundo, mas por quê? É preciso avaliar e descobrir”, destaca Maloney.

Para discutir sobre o tema, o representante do Banco Mundial está no Brasil, onde participa de debates importantes com o setor produtivo e o governo federal sobre os rumos do desenvolvimento sustentável do país. No dia 1º de outubro, William Maloney palestrou no Seminário de Monitoramento e Avaliação das Políticas Públicas Industriais, promovido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Banco Mundial e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). No dia 9 de outubro, Maloney participará do Seminário de Políticas Industriais no Brasil e no Mundo da CNI, que será realizado no Festival Curicaca, em Brasília.

Na passagem pela capital do país, William Maloney conversou com a equipe de jornalismo da Agência de Notícias da Indústria. Disse que o Brasil é vanguardista na elaboração de políticas públicas, mas alertou para a necessidade de monitoramento a longo prazo e avaliação sobre a efetividade dos resultados, principalmente das políticas industriais. Segundo ele, os fracassos das políticas públicas implementadas na ALC nas últimas décadas mostram que é preciso mudar a estratégia. No entanto, o motivo para esses resultados “ainda é um mistério”.

Confira a conversa na íntegra:

Foto: Michelle Fioravanti / CNI

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS - Como o Banco Mundial enxerga a importância do monitoramento e avaliação de impacto na formulação de políticas industriais, especialmente em um cenário de desafios como transição energética e concorrência tecnológica na América Latina?

WILLIAM MALONEY - Acredito que todos os agentes de transformação, incluindo o Banco Mundial, apostam, cada vez mais, na avaliação de impacto como uma ferramenta fundamental na formulação de políticas de desenvolvimento em geral. Temos uma parceria com o Brasil desde a criação, por exemplo, do Bolsa Família, onde vocês estiveram na vanguarda do movimento de avaliação de iniciativas governamentais, nesse caso sobre o bem-estar das famílias, no quesito transferência de renda. De maneira mais geral, isso é fundamental no processo de formulação de novas políticas de crescimento.

Mas, honestamente, neste momento, a região na totalidade não está crescendo. Melhor dizendo, estamos crescendo mal, o pior de todo o mundo em termos de regiões após a pandemia da covid-19. Não entendemos exatamente por quê. Muitos dizem que, bem, temos que dar um grande impulso, seguir o moonshot ou algo assim, e pronto, ok.

Mas temos que entender primeiro o que não funcionou e se nossas novas políticas vão melhorar a situação, porque tivemos muitas políticas nas décadas anteriores que não deram certo. Isso ainda é um mistério. Então, o que queremos é uma política eficiente, que apresente resultados, com um processo de experimentação muito mais rápido e com menos custo social.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS - Quais benefícios o Banco Mundial identifica na implementação de uma cultura de avaliação contínua de políticas públicas, e de que forma isso pode contribuir para o desenvolvimento econômico brasileiro?

WILLIAM MALONEY - Houve dez, pelo menos dez avaliações de programas de transferências de renda na ALC, como o Bolsa Família, que demonstram que, quando as famílias recebem um auxílio para que seus filhos frequentem a escola, eles vão à escola.

Mas a próxima etapa é que, quando estão na escola, o aprendizado é baixo. Precisamos entender o motivo disso. Avaliar mais a educação, pois o nosso sistema educacional não está rendendo o que deveria. Não é apenas uma questão, um problema a resolver, precisamos entender todo o contexto.

Portanto, ter um processo constante de avaliação é fundamental. O que está funcionando? Estamos alcançando as metas que estabelecemos no início? É absolutamente fundamental. Além disso, precisamos ter, como mencionado no seminário da CNI, um sistema coerente. E eu diria que o Banco Mundial deve ser um parceiro nesse processo.

Por exemplo, há uma parte do problema que entendemos bem, como a transferência de renda. Outra que não, como o baixo aprendizado. O que precisamos ter é um mapa das lacunas das políticas públicas para que possamos preenchê-las com todos os experimentos que temos em todo o mundo. Por exemplo, o Brasil tem uma boa avaliação da transferência de renda com o Bolsa Família. No México, certamente teremos outros exemplos. Então, acredito que não é puramente uma questão de ter uma política coerente e contínua no Brasil, mas de se fazer parte de uma comunidade mais ampla na geração do conhecimento e no compartilhamento de experiências.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS - Considerando mudanças de governo e pressões políticas, principalmente a que vivemos no Brasil, quais estratégias o Banco Mundial recomenda para garantir a continuidade e a efetividade de políticas industriais?

WILLIAM MALONEY - Uma coisa que sofremos aqui na ALC é a mudança constante nas políticas. Um estudo do Banco Mundial mostra que, quando existe muita variação de governo para governo na retórica em relação à inovação, há menos inovação em comparação aos outros países onde essa menção à inovação é consistente e continuada entre as administrações, independentemente de governos.

O que é necessário é construir um consenso político, entre todas as elites, de que precisamos ter uma política que se mantenha ao longo do tempo. Questões de inovação são coisas de décadas.

Questões de mudança estrutural são questões de décadas e não podemos mudá-las mandato a mandato. Na Finlândia, todos os parlamentares eleitos têm que passar por um curso sobre a política de inovação da Finlândia. Nos Estados Unidos, a ciência, a tecnologia e a educação técnica, desde a década de 1950, são fundamentais para a defesa do país.

Então, não importa, nos últimos 40, 50 anos, qual partido estava encarregado do assunto, continuamos financiando essas coisas. Mas é preciso haver esse consenso entre as elites políticas de que temos de manter a política industrial ao longo do tempo.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS - De que modo o apoio do Banco Mundial pode ajudar países latino-americanos a fortalecer suas capacidades de monitoramento e avaliação de impacto, garantindo decisões mais embasadas e eficientes no setor industrial?

Acredito que eventos como os que estão acontecendo esse mês aqui no Brasil são exatamente o tipo de coisa que precisamos fazer como parceiros nesse processo.

A avaliação é parte da política e deve ser uma parte dinâmica que vamos aprendendo ao longo do tempo com nossas experiências, que corrige o que deu errado, que melhora a política que deu certo, que é parte do processo. Mas mais como parceiro na busca pelo conhecimento. O Brasil não precisa do nosso financiamento nessa questão. Obviamente, a necessidade é mais compartilhar conhecimento sobre como fazer bem e comunicar a importância de fazê-lo.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS - Que mensagem o senhor pode deixar aos jovens industriais e formuladores de políticas públicas que hoje estão se preparando para liderar o futuro da região?

WILLIAM MALONEY - Precisamos elevar o nível de capital humano em todas as dimensões. Os governos estão extremamente atrasados, primeiro na educação pública. As notas do PISA, uma medida de habilidade matemática, por exemplo, no quintil mais rico da Argentina estão abaixo do quintil mais pobre do Vietnã. Temos que nos esforçar muito mais, ter sucesso em melhorar os sistemas de educação na região.

Se você já tem uma boa formação, estude obviamente os temas em profundidade e mantenha o ceticismo. Nada é óbvio. Se fosse óbvio, estaríamos crescendo 7% ao ano. O que está acontecendo no Brasil? É importante descobrir o que realmente está nos impedindo de avançar.

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