Tabela do frete fere princípios da livre concorrência e livre iniciativa, diz Eliana Calmon

Ex-corregedora Nacional da Justiça afirma que a Lei 13.703/2018 tem aparência de ilegalidade. Validade da norma será decidida pelo STF, que ainda não definiu data para julgar ação da CNI

A ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ex-corregedora Nacional de Justiça Eliana Calmon afirmou que a Lei 13.703/2018, que instituiu a tabela que estabelece preços mínimos para o frete rodoviário, é inconstitucional. Ela participou na quarta-feira (22), em Brasília, do Seminário Frete Sem Tabela, organizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em parceria com associações industriais. Para a magistrada, o tabelamento criado pelo governo, no pacote de medidas voltado para caminhoneiros encerrarem a paralisação ocorrida em maio deste ano, gera insegurança jurídica para o país.

Em entrevista coletiva que concedeu durante o evento na última quarta, ela destacou que a legislação fere os princípios constitucionais da livre concorrência e da livre iniciativa. Na próxima segunda-feira (27), o Supremo Tribunal Federal (STF) realizará audiência pública sobre o tema, convocada pelo ministro Luiz Fux, relator de três ações que tratam do tabelamento do frete. Uma das ações, a ADI 5.964, é de autoria da CNI, que pede que a ação seja declarada inconstitucional. 

Leia os principais trechos da entrevista de Eliana Calmon: 

A senhora avalia que a tabela do frete causa insegurança jurídica para o país?

ELIANA CALMON – No momento, nós estamos em uma insegurança jurídica porque, na realidade, estamos com uma lei que tem toda a aparência de ilegalidade, de inconstitucionalidade, e que está sendo submetida ao poder Judiciário. Como o tempo do Judiciário é bem mais longo do que o tempo da economia, estamos realmente perdendo dinheiro, com uma insatisfação muito grande, os ânimos exaltados e as partes querendo dar uma solução que seja diversa para contornar a lei, não é? Como, por exemplo, (a ideia de) ‘vamos ter a nossa própria frota de transporte, que é uma forma de contornar esta lei, que realmente não tem condições de ser aplicada’.

A senhora considera a lei inconstitucional?

ELIANA CALMON – Pelo exame superficial, não conheço profundamente a matéria, mas por uma visão bastante rápida da legislação, a gente verifica diversas inconstitucionalidades. Inclusive, eu acho que a maior delas é porque ela fere, literalmente, o artigo 175 da Constituição, contra a livre concorrência e a livre iniciativa.

O Ministro Luiz Fux está no caminho certo ao tentar encontrar uma solução pacífica para o caso?

ELIANA CALMON – Absolutamente certo. Acho que ele foi prudente porque, neste momento, ele está se assenhoreando do que está acontecendo na sociedade. Possivelmente, ele está ouvindo pessoas, está ouvindo as partes, sem dúvida alguma, para ver se se chega a um denominador comum. Eu acredito que seja muito difícil. Mas, de qualquer sorte, esta iniciativa do ministro Fux é muito boa porque vai acalmando e vai ponderando os absurdos que podem causar esta aplicação da medida provisória (convertida na Lei 13.703/2018).

O papel do magistrado do STF não é só interpretar a lei?

ELIANA CALMON – Não. Hoje, o Poder Judiciário é chamado para resolver os conflitos de interesse. Desde o juiz de 1º grau, mas com mais propriedade ainda o STF, a quem cabe interpretar a Constituição, que é a lei maior, e tudo aquilo que estiver em desacordo com a Constituição, inclusive não somente com a letra fria da Constituição, mas com o espírito da lei. A nossa Constituição determina a livre iniciativa, a livre concorrência. Está lá dito com todas as letras. Então, a partir daí é que o Poder Judiciário toma a posição de solucionar o conflito.

Ministra, mais uma vez caberá ao Supremo dar uma solução para assunto de extrema importância para a sociedade. Isso tem sido comum...

ELIANA CALMON – No fundo não era para isso estar no Judiciário, mas, se está, o STF vai ter que dar uma solução. Essa matéria não resiste a uma mínima análise. O Supremo tende a decidir pela inconstitucionalidade. O mundo civilizado todo tem em sua Corte maior a característica de mediar conflitos. Antes da Constituição de 1988 era muito fácil ser juiz. Era só interpretar a lei e estava resolvido. Ia para casa e dormia tranquilo. Agora não basta isso. Juiz não é boca de legislador. Decida o conflito e tire da sociedade o imbróglio. 

A senhora avalia que o Supremo julgará rápido, logo depois da audiência pública?

ELIANA CALMON – Sim. Os setores estão, realmente, em dificuldade.

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