Tabelamento do frete é inconstitucional e desequilibra a economia, avaliam especialistas

Juristas e economistas que participaram do Seminário Frete sem Tabela, Brasil com Futuro, na CNI, apresentaram série de problemas que a política de preços mínimos está trazendo para a sociedade brasileira

Juristas e especialistas em infraestrutura participaram nesta quarta-feira (22), em Brasília, do Seminário Frete Sem Tabela, Brasil com Futuro, realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em parceria com associações do setor produtivo. Nos três paineis do evento, houve consenso quanto à ineficiência e inconstitucionalidade da Lei 13.703/2018, que instituiu o tabelamento do frete no Brasil. O tema será alvo de audiência pública na próxima segunda-feira (27) no Supremo Tribunal Federal (STF), que ainda não definiu data para julgar a ação na qual a CNI pede que a lei seja declarada inconstitucional.

Na avaliação da ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ex-corregedora Nacional de Justiça, Eliana Calmon, a tabela mínima do frete é “visivelmente inconstitucional”. Segundo ela, o ministro relator do caso no STF, Luiz Fux, tem buscado solucionar a questão da forma menos traumática possível. “Ele não é um aplicador de lei da forma tradicional e está tentando solucionar de forma a pacificar a questão. Mas acho difícil uma solução que possa vir do Poder Judiciário, a não ser a declaração da inconstitucionalidade dessa tabela”, disse.

Eliana observou que, há alguns anos, o Poder Judiciário deixou de julgar baseado apenas na letra fria da lei e passou a resolver conflitos de interesse da sociedade. “O tabelamento do frete é um problema difícil de solucionar, pois temos que deixar as forças do mercado se entenderem como sempre aconteceu”, afirmou a ministra, ao criticar a intervenção do Estado na economia.

Ex-ministra do STJ e ex-corregedora Nacional de Justiça, Eliana Calmon considera a lei que estabeleceu o preço mínimo do frete "visivelmente inconstitucional"

CARTEL – Um dos debatedores do painel jurídico do seminário, o jurista Beto Vasconcellos, ex-secretário Nacional de Justiça, apontou que a lei viola diversos princípios da Constituição, como os da livre iniciativa, livre concorrência, razoabilidade, proporcionalidade e isonomia. Para ele, o tabelamento não se sustenta, pois não há como ser aplicado e muito menos fiscalizado em um país continental como o Brasil. “(A ANTT) poderia ser a melhor agência do mundo e ainda assim não teria a capacidade de calcular todas as variáveis possíveis de um preço próximo à realidade nem capacidade efetiva para fiscalizar”, enfatizou.

Vasconcellos mencionou também que o tabelamento institui um cartel que, em última análise, se voltará principalmente contra os próprios caminhoneiros, que não conseguirão se manter no mercado, entre outros motivos porque as empresas montarão frotas próprias. “O transportador autônomo logo vai perceber que o preço não é competitivo e ele mesmo vai negociar o preço do frete”, frisou o jurista. “Serão eles os mais prejudicados por essa política e pelo efeito cascata do tabelamento para a economia brasileira. O preço mínimo é conceitualmente um cartel ou monopólio institucionalizado, artificialmente imposto, e tende a levar a um aumento de preços em geral no Brasil”, acrescentou.

NOVO TRIBUTO – Para além do argumento jurídico e de distorção do mercado, o especialista em Infraestrutura Cláudio Frischtak, sócio da Inter B Consultoria, destacou que a instituição da tabela do frete significa, na prática, a criação de um novo tributo para o contribuinte brasileiro. “O tabelamento é na realidade um novo tributo, altamente distorcivo e ineficiente, e transferido diretamente a um grupo de interesse. A medida desequilibrou a oferta e demanda, e seus custos estão sendo sistematicamente subestimados”, afirmou.

Especialista em infraestrutura, Cláudio Frischtak afirma que o tabelamento cria graves distorções na economia e tem efeito, na prática, de um novo tributo

De acordo com Frischtak, o Brasil está caminhando na contramão da recuperação econômica. Para ele, a capacidade da iniciativa privada de investir será ainda menor a partir do tabelamento do frete. Ele defende um mercado livre sem qualquer intervenção do Estado. “Mercados densos e competitivos, operando livremente, ampliam o potencial de crescimento de renda e emprego, e logo do bem estar”, disse, depois de lembrar que o país tem enorme déficit de investimento em infraestrutura, especialmente nas áreas de transporte e saneamento.

CADE – Também especialista no tema, o sócio da GO Associados Pedro Scazufca considera que a instituição da tabela do frete foi uma medida populista que gerará impactos à livre concorrência no país. Ele mencionou que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) se manifestou contrário à tabela, que, segundo ele, inevitavelmente impactará de maneira grave a economia e os preços de produtos essenciais como os alimentos.

“Não faz sentido dar um tratamento diferenciado para esse segmento (frete rodoviário). É um desestímulo muito grande para a economia”, criticou. “O tabelamento do frete resultará em preços maiores, prejuízos aos consumidores e aos próprios transportadores que estão no mercado há muito tempo, além da redução da capacidade de crescimento do país”, completou Scazufca.

Fernando Schüler, do Insper, considera que a única saída para os problemas decorrentes do tabelamento é a revogação da lei

SAÍDAS – Contrário ao tabelamento do frete, o deputado federal Evandro Gussi (PV-SP) afirmou que o sistema político brasileiro aprovou uma medida de “flagrante irracionalidade” política, econômica e jurídica. A saída para desfazer a medida e reverter as distorções criadas no mercado e na legislação brasileira, segundo ele, é a revogação completa da lei do frete. “Boa parte do Congresso não tinha ideia dos efeitos nefastos que a medida traria. Só temos um caminho: a lei precisa ser revogada”, disse.

Para o professor do Insper Fernando Schüler, a criação da tabela foi marcada por uma curiosa contradição: enquanto a grande maioria dos brasileiros apoiava a paralisação dos caminhoneiros, a população dizia, na mesma proporção, se recusar a pagar a conta de uma solução para a crise. “Tudo isso é um grande exemplo do surrealismo brasileiro. Tudo foi precipitado, numa situação emergencial. Não há outra saída: temos de revogar”, analisou.

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