Os desafios da destinação de resíduos

Na visão do empresário Roberto Morale, um caminho a ser considerado pelos prefeitos é a viabilidade de geração de energia a partir do lixo

Um ano e meio depois do prazo estabelecido na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) para o fim dos lixões, poucos avanços ocorreram e a grande maioria dos municípios continua sem atender a meta. Entre as principais dificuldades, está a inviabilidade econômica dos aterros sanitários pela falta de escala de produção de resíduos por cidades de pequeno porte. No entanto, há uma luz no fim do túnel. Na visão de Morale, dono da Hannover – empresa com tecnologia 100% nacional que processa o lixo de forma ambientalmente sustentável pelo controle de emissões de gases poluentes e vitrificação dos resíduos –, um caminho que precisa ser considerado pelos prefeitos é a viabilidade de geração de energia a partir do lixo. Além da preservação ambiental, a produção de eletricidade pode gerar aumento de emprego e renda e elevar a arrecadação dos municípios.

Em entrevista à Agência CNI de Notícias , Morale disse que a tecnologia, com custos mais modestos que os do aterro sanitário, pode agilizar o processo de dar fim aos lixões em cidades menores. Também pode ser mais uma opção para municípios maiores. Confira os principais trechos da conversa:

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Como a tecnologia pode ajudar o país na destinação correta de resíduos sólidos urbanos e atenuar o déficit de aterros sanitários?

ROBERTO MORALE – A tecnologia pode simplesmente substituir um aterro sanitário, que geralmente necessita de grandes áreas e traz um impacto ambiental e social enorme. Os prefeitos têm uma rejeição em receber lixo do vizinho. Nos países desenvolvidos, os resíduos têm grande valor e as indústrias deveriam estar recebendo por isso. Os municípios também poderiam receber royalties pela produção de energia elétrica, da mesma forma que se produz petróleo e se paga royalties ao municípios produtores. Isso também gera uma enorme fatia de impostos para o município e de ICMS para o próprio estado.

ROBERTO MORALE – O lixo no Brasil é muito rico e produzimos diariamente uma média de um quilo por habitante. Nas capitais, chegamos a uma média de 1,6 quilo por pessoa. Imagine uma cidade de 100 mil habitantes. Ela vai gerar 100 toneladas por dia de resíduos. Temos diversos tipos de resíduos, além do resíduo domiciliar. Há o lixo hospitalar, cujo processamento custa de 40 a 60 vezes mais que o lixo domiciliar, os resíduos da demolição e da construção e os da indústria. A tecnologia de plasma, proposta pela Hannover, processa e tem condições de inertizar todos esses tipos de resíduo.

O minímo que se gera de energia é de 300 KWatts por tonelada de resíduo. Em uma análise rápida, constata-se que os municípios pequenos  poderiam simplesmente substituir as atuais despesas de energia elétrica por uma usina e simplesmente economizar as suas despesas de destinação final de resíduo. Imaginando que um município, em média, gasta entre R$ 60 a R$ 120 para destinar seus resíduos, ele poderia ter essa economia e custear esse processo com a compra da energia gerada. Esse era um movimento de auto sustentabilidade que poderia ser feito.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Quais os principais desafios para a implementação da PNRS e como superá-los?

ROBERTO MORALE – O principal desafio é a escala. A Lei 12.305, de 2 de agosto de 2010, coloca regras, cuja principal é de que todos os municípios tinham quatro anos para concluir os seus projetos de fechar os lixões a céu aberto. Podemos pegar exemplos como o da própria capital do país que,  até hoje, tem o maior lixão a céu aberto da América Latina. Então, o que está na lei aplica-se a alguns municípios. Os pequenos municípios hoje têm total inviabilidade econômico-financeira por falta de recursos. O resíduo é uma obrigação constitucionalmente municipal, ou seja, o gerador é obrigado desde o nascimento até túmulo a uma destinação final em locais apropriados. Mas, infelizmente, a lei visa os municípios grandes. Foi feita de forma genérica e realmente precisa de uma revisão para que os municípios pequenos possam se readequar ao processo de sua implementação.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Que tipo de adequação precisa ser feita para incluir os pequenos municípios?

ROBERTO MORALE – Começamos pelo processo de licenciamento, que é extremamente complexo em todo o Brasil. Quando falamos de município de médio porte, ou seja, municípios com mais de 100 mil habitantes, em que é necessário relatório de impacto ambiental, o processo leva, no mínimo, 18 meses. Os processos de licenciamento simplificado deveriam estar a mão desses pequenos municípios. Deveria haver uma ação governamental, especialmente a nível de Secretaria de Meio Ambiente e de Recursos Hídricos dos estados para que esse licenciamento fosse mais ágil e desburocratizado.

E hoje também existe um outro agravante: o número de profissionais que essas secretarias têm para o licenciamento é muito pequeno. Alguns estados não delegam isso aos municípios e 89% dos municípios com população abaixo de 50 mil habitantes não possuem corpo técnico capaz de fazer um licenciamento e eles não têm essa delegação do estado. Isso recai sobre o estado, que possui pouquíssimos profissionais. Isso deveria ser revisado e os estados deveriam ter equipe específica para fazer um licenciamento mais ágil aos pequenos municípios.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Como você avalia a qualidade dos aterros sanitários no Brasil?

ROBERTO MORALE – Eles estão localizados em grandes capitais e em municípios acima de 350 mil habitantes. Infelizmente, inúmeros aterros se transformaram em lixões porque não basta apenas impermeabilizar parte do solo e coletar o chorume. O desafio maior está na operação e, então, vários deles expandem sem as devidas impermeabilizações e sem processos de controle de águas pluviais, de drenagem, de coleta de gases etc.

Um aterro sanitário deve ser supervisionado 30 anos após o seu encerramento. Isso no Brasil não acontece. As análises de contaminação também não são feitas e a legislação poderia ser mais severa e mais presente nessas questões. Acho que o Ministério Público poderia fazer um trabalho obrigando os municípios a tomarem outras posturas, o que não aconteceu até hoje, mesmo com a lei em vigor.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Como resolver esse problema?

ROBERTO MORALE – Exatamente com as Parcerias Públicas Privadas. No Brasil, áreas que são terceirizadas, passam a ter sustentabilidade financeira. Não é aptidão do governo fazer gestão de lixão. O município não tem, em sua maioria, engenheiro ambiental, sanitarista, operadores treinados e capacitados, gerentes de projetos, gente com know how, com conhecimento de operação de aterro sanitário. Então, a boa vontade não basta. Deve haver uma capacitação para esses municípios que querem fazer isso. E como também não há recurso para essa capacitação, o que fazer? Chamar empresas privadas para assumir esse processo, desde que o custo seja inferior ao custo atualmente pago pelo município.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Então, o senhor é contra o adiamento dos fins dos lixões?

ROBERTO MORALE – Com certeza. Não adianta adiar um problema e empurrar para um próximo mandato. Os prefeitos, os vereadores e os administradores públicos, de forma geral, têm de entender que o lixo, quando é disposto de forma incorreta, é um mal para toda comunidade, não é apenas uma despesa para o município. E isso tem que ser corrigido, porque colocar lixo no local indevido é errado. Podemos usar uma analogia. As pessoas não roubam porque podem ser presas? Não. As pessoas não devem roubar, porque roubar é errado. A destinação final de resíduos deve ser iniciada nos municípios, porque a destinação incorreta de resíduos é errada e faz mal ao ambiente e aos habitantes.

Deveria haver uma carta, em que os prefeitos teriam compromissos assumidos dentro de cada uma de suas capacidades e não cruzar os braços e simplesmente falar “não tenho dinheiro”. Será que não tem dinheiro mesmo ou é a prioridade que está incorreta? Eles devem, sim, rever o seu processo. A lei deveria ter mais espaço para que os municípios realizem ações concretas nesse sentido. Se ele não tem dinheiro para fazer tudo, mas deve começar. Não adianta não fazer nada. O prefeito não mexe na coleta, não faz a integração dos catadores, não se responsabiliza pelas cooperativas, não se responsabiliza por ter um processo de logística reversa com as empresas. Aí é muito fácil cruzar os braços e deixar quem faz a varrição e a coleta continue colocando lixo em lixões a céu aberto. Isso tem que acabar. Essa responsabilidade constitucionalmente é do administrador municipal. Não podemos mais adiar esse problema.

LEIA TAMBÉM

Relacionadas

Leia mais

Reforma tributária é decisiva para o Brasil crescer e enfrentar a concorrência global
SENAI vai avaliar impacto de seu primeiro centro de formação profissional aberto no exterior

Comentários