Não há fórmula mágica para gerar renda sem produção, diz ministro Ives Gandra Martins Filho

Em entrevista à Agência CNI de Notícias, ex-presidente do TST analisa o desafio trazido pela pandemia de coronavírus às relações do trabalho e as medidas recentes que buscam a preservação de empregos

A crise causada pela pandemia de coronavírus impõe desafios inéditos para a saúde pública e para a economia, no Brasil e no mundo. No mundo do trabalho, o foco agora se volta para um dilema complexo e faz com que empresas e trabalhadores se deparem com uma questão: como preservar empregos e renda num cenário em que setores produtivos enfrentam forte perda de receitas e anteveem a possibilidade de que as medidas de afastamento social perdurem ainda por algumas semanas?

Em entrevista à Agência CNI de Notícias, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Ives Gandra da Silva Martins Filho faz uma leitura da crise sob a perspectiva das relações do trabalho. “O grande desafio é a preservação dos empregos quando é reduzida substancialmente a atividade econômica. Não há fórmulas mágicas para gerar renda sem produção. O natural é repartir entre todos de forma proporcional - governo, empresas e trabalhadores - os sacrifícios inerentes à crise”, analisa.

Segundo o magistrado, as recentes medidas adotadas pelo governo federal na área trabalhista são positivas, por buscar preservação de empregos, garantia de renda mínima e redução de encargos às empresas. Quanto à possibilidade de redução de jornada e salário, trazida pela Medida Provisória n.936, Martins Filho avalia que o melhor caminho é pela via da negociação coletiva, embora esta alternativa também possa ser adotada, em casos específicos, por negociação individual entre empresa e empregado.

No entanto, ele sugere sensibilidade à Justiça do Trabalho diante do quadro extraordinário que o mundo do trabalho atravessa. “A Justiça do Trabalho, no caso de contestações a acordos individuais, deverá levar em conta a excepcionalidade inimaginável da situação em que vivemos, na qual o isolamento decretado praticamente impede assembleias gerais que respaldem acordos coletivos. Precisamos ser razoáveis e adequar a norma a uma realidade totalmente imprevista pelo legislador, quer ordinário, quer constitucional”, pondera.

Confira a íntegra a seguir:

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - O Brasil e o mundo atravessam uma crise sem precedentes, tanto na economia e quanto na saúde pública. Qual é o grande desafio que este cenário traz para o mundo do trabalho?

IVES GANDRA MARTINS FILHO - O grande desafio é a preservação dos empregos quando é reduzida substancialmente a atividade econômica. Não há fórmulas mágicas para gerar renda sem produção. O natural é repartir entre todos de forma proporcional - governo, empresas e trabalhadores - os sacrifícios inerentes à crise. A preservação do emprego se torna uma das grandes preocupações, ao lado da preservação de vidas.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Como equilibrar a viabilidade das empresas com a proteção ao emprego?

IVES GANDRA MARTINS FILHO - A divergência essencial entre as autoridades governamentais está na disjuntiva entre isolamento vertical ou horizontal, em que este último pode parar a economia e implicar num remédio, ao meu ver, talvez pior que a doença, com desemprego, falências e com pessoas morrendo de fome. Acredito que as últimas medidas governamentais visam o equilíbrio das relações de trabalho, buscando preservar os empregos, garantir renda mínima a informais e reduzir os encargos das empresas.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Na crise de 2013, centenas de empresas e sindicatos de trabalhadores celebraram acordos de redução de jornada e salário, com vistas à proteção do emprego. Que cenário o sr. antevê para a atual crise?

IVES GANDRA MARTINS FILHO - A melhor saída são os acordos coletivos, de redução de salário e jornada, antecipação de férias ou suspensão do contrato de trabalho, com aporte parcial do governo. Para uma redução salarial de até 25%, a própria CLT, em seu art. 503, prevê a possibilidade por decisão exclusiva da empresa em caso de força maior, independente de acordo. E a pandemia é a notória força maior do momento. É de se lembrar a MP 680, de 2015, para salvar a indústria automobilística, permitindo redução de salário e jornada em 30%, com aporte do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) de 50% dos salários reduzidos.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Como mecanismos como a redução de jornada e suspensão do contrato de trabalho podem contribuir para mitigar os efeitos sobre o emprego?

IVES GANDRA MARTINS FILHO - Fundamentalmente preservando os empregos e garantindo uma renda mínima, ou paga pelo empregador, ou arcada pelo governo. O importante é não demitir, de modo a possibilitar uma rápida retomada da atividade econômica pós pandemia.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Que avaliação o sr. faz das medidas adotadas pelo governo federal? Como contribuem para trazer segurança jurídica para as empresas se adequarem à realidade atual?

IVES GANDRA MARTINS FILHO - A última medida adotada é positiva no sentido de que prevê o aporte governamental tanto às empresas quanto aos trabalhadores. É uma saída, especialmente no caso do isolamento horizontal sem possibilidade de teletrabalho.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Que cautelas as empresas devem adotar ao buscarem as soluções trazidas pelas medidas anunciadas?

IVES GANDRA MARTINS FILHO - A maior cautela seria se faria tais alterações por norma coletiva. Mas a Justiça do Trabalho, no caso de contestações a acordos individuais, deverá levar em conta a excepcionalidade inimaginável da situação em que vivemos, na qual o isolamento decretado praticamente impede assembleias gerais que respaldem acordos coletivos. E a própria materialização destes não sofre menor dificuldade. Precisamos ser razoáveis e adequar a norma a uma realidade totalmente imprevista pelo legislador, quer ordinário, quer constitucional.

Relacionadas

Leia mais

Governo federal acertou nas medidas econômicas, mas efeitos precisam chegar a empresas e trabalhadores, avalia CNI
SENAI ensina montadoras a consertar respiradores
MP 936 traz avanços para empresas atravessarem crise e preservarem empregos

Comentários