Poucas vezes houve um consenso entre governo e setor privado da necessidade de se abrir a economia brasileira para o mercado externo. Essa é a avaliação do Secretário-Geral das Relações Exteriores, embaixador Marcos Galvão. Há nove meses no cargo, o embaixador servia na missão do Brasil junto a Organização Mundial do Comércio (OMC) antes de se tornar o número dois do Itaramaty.
Nessa entrevista à Agência CNI de Notícias, Galvão fala sobre como reverter o cenário de baixa integração à economia internacional. E afirma: “No Brasil, eu vejo uma unanimidade no sentido de que precisamos estar mais presentes e de maneira mais eficaz e competitiva na economia internacional”.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – O senhor foi escolhido pela sua experiência em assuntos de comércio. Como o Brasil está se reposicionando na economia internacional?
MARCOS GALVÃO – Existe um consenso na sociedade e entre os agentes econômicos no Brasil de que a retomada do crescimento passa pela maior presença, interação e integração com a economia internacional. Poucas vezes no passado foi tão consensual, entre nós, a ideia de que precisamos dinamizar, atualizar e modernizar nossos vínculos produtivos, de investimentos e de comércio com a economia mundial. Mesmo os setores mais defensivos reconhecem e dizem abertamente que o Brasil precisa estar mais fortemente integrado à economia internacional.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Esse consenso torna o trabalho mais fácil?
MARCOS GALVÃO – Esse é um pano de fundo. Há um consenso. No Brasil, ao contrário do que acontece em outros lugares, eu não vejo ninguém em qualquer espectro da opinião política, para falar no sentido clássico, da esquerda para a direita, eu não vejo ninguém pedindo proteção. Não vejo no Brasil nenhum discurso abertamente protecionista. O que eu vejo é uma unanimidade no sentido de que precisamos estar mais presentes de maneira mais eficaz e competitiva na economia internacional.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – O discurso mais protecionista do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, favorece o Brasil nas negociações com o México, por exemplo?
MARCOS GALVÃO – Não é automático, digamos assim. E nós não queremos exagerar que problemas na frente X gerem necessariamente movimentos na frente Y. Porque não queremos ficar dependente de problemas com outros países para resolvermos nossas negociações. Nós gostaríamos que, independe do rumo da relação entre México e Estados Unidos, as negociações conosco sejam resolvidas tanto do ponto de vista político como de preservação de um nível de ambição que permita que tenhamos um acordo mais relevante. Mas é um bom momento para a relação entre Brasil e México e um bom momento para trabalharmos juntos.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – E como está a nossa relação com os Estados Unidos? Parece que ficamos fora da mira do presidente Trump.
MARCOS GALVÃO – Os Estados Unidos são a maior economia do mundo e nós temos um comércio importante com eles, sobretudo de bens manufaturados e industrializados. É uma relação com amplo número de linhas de cooperação e espaço para avançar. A determinação do nosso lado em relação aos Estados Unidos e, também dos Estados Unidos em relação ao Brasil, são essas as mensagens que nós estamos recebendo, é de pragmatismo.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Onde podemos avançar na relação com os Estados Unidos?
MARCOS GALVÃO – Nós queremos, de modo prático, identificar aquelas áreas que tragam retornos perceptíveis para os agentes econômicos e para sociedades de ambos os países. Nós achamos que fazendo e conseguindo mostrar resultados em áreas relevantes ainda que não seja em grande número, nós vamos gerar confiança de ambos os lados de que nós somos capazes de trabalhar juntos e de avançar. E nós já começamos isso.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – O acordo de salvaguardas tecnológicas para a exploração da Base de Lançamentos de Satélites de Alcântara, no Maranhão, está entre essas entregas de curto prazo?
MARCOS GALVÃO – O governo está trabalhando numa proposta de texto alternativo. O acordo de salvaguardas está sim nesse universo de considerações prioritárias.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – O acordo foi firmado em 2000 e, depois, o Congresso brasileiro não aprovou. O que vai mudar?
MARCOS GALVÃO – Há uma discussão de transferência e proteção de tecnologia. Mas o Brasil tem um interesse comercial em ter a base de Alcântara operando. E mais do que o comercial há todo um interesse no impacto positivo que isso gera para o programa espacial brasileiro. Na indústria aeroespacial, quase todos os foguetes têm componentes americanos. Nós sabemos que avançar nessa área pressupõe um acordo com os Estados Unidos e eles têm interesse em salvaguardar a tecnologia americana, seja pela tecnologia em si, seja porque as tecnologias de lançamento são de uso dual. Então existe uma consideração defesa e estratégia. Nós sabemos disso e estamos desejosos em avançar.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Em que outras frentes o Itamaraty tem avançado?
MARCOS GALVÃO – Há duas frentes mais óbvias. O Itamaraty tem uma responsabilidade com negociações internacionais em que nos cabe o papel de sentar a mesa e negociar. Evidentemente que antes de sentarmos à mesa e negociarmos, nós temos como retaguarda o Ministério de Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) e o Ministério da Agricultura (MAPA), para ficarmos em dois exemplos. E o Itaramaty tem outro lado importante, que foi reforçado nesta gestão que é o aparato de promoção comercial, que antes contava com a nossa rede de promoção comercial, coordenado pelo Departamento de Promoção Comercial em Brasília e agora conta com o reforço da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil).
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Como está a nossa agenda de negociações internacionais?
MARCOS GALVÃO – O MDIC pôs em consulta pública as negociações com o Japão e a Coreia do Sul, duas das grandes potências industriais do mundo. Foram feitas também sondagens e uma aproximação inicial com o Canadá. O fato é que existe da nossa parte a disposição de multiplicar frentes de negociação embora nós saibamos que a abertura de novas frentes de negociação não depende apenas da vontade do Brasil, não é unilateral. Entra o princípio de Garrincha de que é preciso combinar, não vou dizer com os russos, mas com o outro lado. Para negociar é preciso dos dois lados.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – E quem está disposto a negociar com o Brasil?
MARCOS GALVÃO – O fato é que estamos hoje num mundo em que existe uma retração por parte de alguns dos atores em relação à abertura de novas frentes de negociação. Bom seria de tivéssemos mais países desejosos de negociar. Temos uma agricultura muito competitiva, uma indústria capaz de competir, mas nós não imaginamos que possamos iniciar negociações sem que haja um amadurecimento de nossas contrapartes. Sabemos que há interesse em negociar de vários atores. Há uma mensagem básica do ex-ministro José Serra que o ministro Aloysio Nunes Ferreira reiterou. A regra do jogo é reciprocidade, não há concessões unilaterais. Você faz movimentos concessionais nas áreas que você tem interesse defensivo e ele também deseja concessões do outro lado.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – O Brasil está pronto para fazer concessões? Podemos baixar tarifas em troca da redução de barreiras não-tarifárias?
MARCOS GALVÃO – Cada vez mais em negociações internacionais, a questão das barreiras técnicas, sanitárias e fitossanitárias é um dado chave. Uma vez que o mundo é um mundo de tarifas baixas. Em alguns casos de países desenvolvidos as tarifas são mais baixas, mas eles têm picos tarifárias, nos quais para mexer eles também querem muitas contrapartidas. Outra afirmação que se faz, muitas vezes sem absoluta precisão, é de que somos uma economia fechada.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – O Brasil não é um país fechado?
MARCOS GALVÃO – Primeiro nós não somos uma economia fechada do ponto de vista do investimento. Basicamente a indústria brasileira é em grande parte uma indústria multinacional. Dizem que o Brasil é fechado pela relação comércio exterior e Produto Interno Bruto (PIB). Se diz que o comércio exterior representa um percentual mais baixo do que a média internacional como parte do PIB. Vale a pena olhar para a participação do comércio exterior do PIB dos Estados Unidos e do Japão. Ninguém diz que os Estados Unidos são uma economia fechada e, não obstante a participação do comércio exterior no PIB americano é muito menor do que a de outros países desenvolvidos. Em geral, países de grande escala territorial e populacional, pela força que o mercado interno tem na economia, acabam tendo uma correlação comércio exterior PIB menor do que economias de menor dimensão demográfica e territorial.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Mas existe um gap entre o PIB brasileiro e sua posição do comércio internacional. O Brasil 10ª economia do mundo, mas não está nem entre os 20 maiores exportadores.
MARCOS GALVÃO – Isso é outra coisa. Uma coisa é você ser fechado, a outra coisa é você não ocupar o espaço que você gostaria de ter no comércio internacional. E certamente nós reconhecemos que o Brasil deveria ter uma presença maior no mercado internacional.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – O Mercosul se tornou um parceiro mais atraente com as mudanças nos governos do Brasil e da Argentina?
MARCOS GALVÃO – Essas mudanças facilitam as negociações comerciais. O importante é que não há mais o contraste entre o Mercosul, alegadamente protecionista, e os países da Aliança do Pacífico, desejosos de se integrar. Hoje há uma ampla convergência entre os países do Mercosul e da Aliança do Pacífico. (Mercosul é formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai e a Aliança do Pacífico é formada por México, Chile, Colômbia e Peru).
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Então podemos falar na ampliação dos acordos?
MARCOS GALVÃO – Isso mesmo. O Brasil já tem acordo de liberalização comercial com o praticamente todo o conjunto da América do Sul. O comércio estará todo liberalizado em 2018 e em alguns poucos casos em 2019. Resta ampliar o acordo com o México que tem uma cobertura que ainda não está à altura das nossas economias e nós estamos buscando outras frentes. Iniciamos conversações exploratórias com os países do EFTA (grupo de países europeus que não fazem parte da União Europeia). Antes disso, iniciadas há muito tempo, as negociações com a União Europeia, que agora ganharam um novo impulso.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – E as negociações com a União Europeia? Terminamos em 2018?
MARCOS GALVÃO – As ofertas do Mercosul e da União Europeia estão postas na mesa. Existe um calendário que tem por objetivo concluir a parte técnica até o final do ano. E, ao contrário do que se poderia imaginar num ambiente internacional de vozes que defendem posições mais protecionistas, as negociações com a União Europeia ganharam um novo impulso. Vislumbro a possibilidade de que marchamos para uma conclusão possível no ano que vem.