Moda é oferta, estilo é escolha, diz Gloria Kalil

Em entrevista à Agência CNI de Notícias , Gloria Kalil fala sobre a crise no setor de moda, moda sustentável e a produção atual de notícias sobre o tema

Jornalista, empresária e consultora de moda, Gloria Kalil se dedica à consultoria de estilo e negócios em moda e comportamento. Nos anos 1980, foi diretora de uma das mais famosas marcas de moda do país, a Fiorucci. Autora de diversos livros, todos best-sellers, ela iniciou a carreira como jornalista de moda na editora Abril. 

Sempre acompanhando os principais eventos de moda no Brasil e no mundo, Gloria Kalil também participou das duas primeiras edições do SENAI Brasil Fashion. O projeto, promovido pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) , apresenta mini-coleções desenvolvidas por estudantes de moda orientados por grandes nomes do mundo da moda como Ronaldo Fraga, Lino Villaventura e Alexandre Herchcovitch. O próximo desfile do SENAI Brasil Fashion está marcado para novembro, dentro da programação da Olimpíada do Conhecimento , em Brasília. 

Em entrevista à Agência CNI de Notícias , Gloria Kalil fala sobre a crise no setor de moda, moda sustentável e a produção atual de notícias sobre o tema. Leia na íntegra: 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Como você avalia a situação da indústria da moda brasileira? 

GLORIA KALIL - A indústria no Brasil, de uma maneira geral, está enfrentando dificuldades, e a moda não escapa disso. Na verdade, a indústria da moda está sofrendo há muito tempo. O primeiro grande tranco foi em 1990, quando o então presidente Collor abriu, de um dia para o outro, a importação para o Brasil. Era evidente que não poderia haver um protecionismo absurdo com a indústria. Mas era evidente, também, que isso não podia ter sido feito de um dia para o outro. Deveria ter anunciado as mudanças, por exemplo, para daqui um ano, disponibilizando linhas de financiamento para modernização dos parques industriais, para só depois fazer a abertura. 

Mas não, tudo foi feito repentinamente e, como resultado, muitas indústrias têxteis fecharam por falta de competitividade. Conclusão: hoje praticamente não existe matéria-prima nacional, não temos pano no Brasil, isso porque quase todas as confecções trabalham com tecidos estrangeiros. 

A indústria começou a sofrer naquela época e sofre hoje, como todas as outras, por falta de clientes, de dinheiro, por todos os problemas econômicos que estamos passando. Além disso, nós temos impostos pesadíssimos, um câmbio que às vezes é favorável, às vezes não, e leis trabalhistas e alfandegárias obsoletas.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Neste cenário, nossas marcas conseguem concorrer no exterior? 

GLORIA KALIL - Claro que não. Nós não temos nenhuma marca brasileira bem sucedida no exterior. Essa é outra ilusão. O Brasil está exportando para onde? Que moda? Qual é a marca brasileira conhecida lá fora? Não existe isso. Pergunte para qualquer pessoa em Paris ou Nova York qual é a marca de moda brasileira conhecida. Só há uma: Havaianas. Já foram feitas várias tentativas, mas não existe nenhuma marca de moda brasileira conhecida fora do país. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Você acompanhou eventos importantes de moda como o Minas Trend, São Paulo Fashion Week e Fashion Rio. Onde estão surgindo as criações inovadoras? 

GLORIA KALIL – Todas as regiões estão passando por renovações. O problema é que nós temos um quadro de produção muito pequeno. Temos grandes e boas marcas, mas nem todas estão bem. Elas estão fazendo o que podem para sobreviver e trabalhando, aliás muito bem. Algumas conseguem se manter, mas muitas fecharam. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - A preocupação com a moda sustentável chegou para ficar? 

GLORIA KALIL - Eu acho que isso é um caminho. É algo que será praticamente obrigatório no futuro. Mas, por enquanto, é uma demanda muito reduzida por grupos com consciência ecológica. Para a grande maioria isso não quer dizer nada, até porque é uma roupa mais cara. Evidentemente que a sustentabilidade é importantíssima, mas enquanto não for obrigatório, não vai funcionar. É igual ao cinto de segurança. É uma necessidade, mas as pessoas só passaram a usar depois que virou lei e começou a dar multa. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - O seu site de moda, um dos pioneiros da área, está no ar há 15 anos. Mas, hoje em dia, há uma explosão de sites e blogs sobre o assunto. Virou moda falar de moda? 

GLORIA KALIL - Na realidade virou moda dar palpite em moda. Mas moda propriamente dita já esteve muito mais na moda como objeto de desejo do que hoje. A explosão de desejo de moda começou nos anos 1980 e foi até os anos 2000. Eu tive uma grande indústria de moda nos anos 1970 e 1980, a Fiourucci. As pessoas de todas as classes, de office-boy até o playboy, se matavam para ter um jeans Fiourucci. Hoje ninguém mais briga para ter roupa, todos querem um celular, por exemplo. Ou seja, as pessoas estão mais ligadas nos eletrônicos. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS -  Como esse aumento no número de pessoas falando e escrevendo sobre moda interfere no setor? 

GLORIA KALIL - Nós temos muita coisa: sites, revistas, televisão e as próprias blogueiras, que são grandes difusoras do mercado. Para esse momento de dificuldade da economia, elas são grandes vendedoras. Podem não ser as melhores críticas, mas são influenciadoras e há algumas que realmente sabem o que estão falando. E, claro, tem gente que acha que entende de moda, outros que não sabem nada, mas vai ter gente achando que ela sabe. Tem muita gente sem noção do que está escrevendo. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - A moda é para todos? 

GLORIA KALIL 
– Com certeza. Nunca houve tanta oferta de estilos diferentes de moda para todos os estilos de pessoas. Hoje em dia, o difícil é dizer que tem uma tendência. Por exemplo, eu assisto ao Minas Trend, São Paulo Fashion Week e lançamentos no Rio. Com isso, os leitores me pedem uma lista de tendências, só que isso está ficando impossível porque tudo continua na moda. Se me perguntar qual saia está na moda, eu vou dizer que tem micro, mini, tem pelo joelho, tem midi e tem longa, então qual é o seu estilo? Porque oferta tem pra tudo. 

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Afinal, o que é ter estilo? 

GLORIA KALIL - A diferença entre moda e estilo é a seguinte: moda é oferta, estilo é escolha. Hoje, se você quer ser funk ostentação, tem roupa para isso. Se quer se vestir sexy, tem. Também há opções para quem quer se vestir moderno ou ficar mais discreto. A moda oferece todas as possibilidades, o estilo vai determinar a sua escolha. Você vai escolher o que te representa. Estilo é uma escolha consciente diante de todas as ofertas da moda. 

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