A economista Gianna Sagazio é uma das pioneiras no estudo sobre inovação no Brasil. Nos anos 90, ela participou de uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) sobre o impacto da informática nas cadeias produtivas. Hoje, é diretora da CNI e coordenadora da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), coalizão empresarial sobre o tema. Desde 2016, Gianna já levou mais de 350 empresários e gestores públicos brasileiros para conhecer grandes polos de inovação, como o Vale do Silício, nos Estados Unidos, e o Instituto Fraunhofer, na Alemanha. Em entrevista, ela afirma que o Brasil ainda não vê a urgência de investir em inovação.
REVISTA EXAME - Por que levar empresários a grandes centros de inovação globais?
GIANNA SAGAZIO - A ideia é dar um choque de realidade. Visitamos locais de acesso restrito, como laboratórios nucleares, salas com supercomputadores e linhas de produção digitalizadas. Para executivos de uma grande empresa, ver com os próprios olhos a ciência de ponta vale tanto quanto anos de investimentos internos de inovação.
REVISTA EXAME - Que tipo de mudança já ocorreu após a imersão?
GIANNA SAGAZIO - Recentemente, diretores de uma grande fabricante de calçados brasileira viram um carro ser impresso em 3D num laboratório americano. Até então, a empresa levava um mês produzindo moldes das 4 000 peças que lançam por ano. Ao voltar ao Brasil, adotaram a impressão 3D e encurtaram várias etapas do processo. Depois de ir ao Vale do Silício, o reitor da FEI, uma das principais faculdades de engenharia de São Paulo, incluiu conceitos de inovação aberta, típica das startups de lá, na formação dos alunos.
REVISTA EXAME - É possível fazer inovação de ponta no Brasil?
GIANNA SAGAZIO - Nas viagens ao exterior, é normal os participantes acharem tudo uma maravilha e ficarem desanimados por achar impossível replicar a mesma coisa no Brasil. É uma grande ilusão. Muita gente desconhece a boa estrutura do Brasil para a pesquisa. Só o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) tem 82 centros de pesquisa, que fazem inovação e prestam serviços às empresas. É uma rede tão extensa quanto à do Fraunhofer.
REVISTA EXAME - O que falta para deslanchar a inovação brasileira?
GIANNA SAGAZIO - Falta um senso de urgência. O mundo está avançando rapidamente. Aqui, a despesa com inovação ainda é vista como custo por setores do governo. Aí acontecem absurdos, como o veto à isenção fiscal para o financiamento de bolsas de estudo quando foi sancionado o Marco Legal da Inovação [pela ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016] para evitar a piora nas contas públicas.
REVISTA EXAME - Como a questão deveria ter sido tratada?
GIANNA SAGAZIO - Nos países inovadores, como Israel e Estados Unidos, inovação é um investimento público. Há uma visão de longo prazo. Não faz sentido cortar bolsas de estudo por causa da conjuntura ruim.
REVISTA EXAME - Alguma política de inovação de longo prazo já teve sucesso aqui?
GIANNA SAGAZIO - Sim. Nos anos 90, a CNI e um grupo de acadêmicos fizeram um estudo sobre o impacto da tecnologia na indústria. Ele é usado até hoje como base teórica para programas como a Parceria de Desenvolvimento Produtivo, em que farmacêuticas recebem incentivos para montar, no Brasil, laboratórios de medicamentos.
REVISTA EXAME - Mas o Brasil segue mal em rankings globais. Por quê?
GIANNA SAGAZIO - O país peca por erros básicos. Não temos a tradição de produzir com frequência os dados utilizados nos rankings de inovação. Os números ficam defasados, e o Brasil sai mal na foto quando, de fato, não está tão ruim assim. Precisamos entender a metodologia dos rankings, fazer a lição de casa e gerar os dados pedidos.
A entrevista foi publicada na Revista Exame.