Carlos Lopes: mundo precisa de trajetória de crescimento diferente

Professor na Escola Mandela de Governança Pública da Universidade da Cidade do Cabo e conselheiro da MEI fala sobre o papel da inovação na redução das desigualdades

Carlos Lopes é professor na Escola Mandela de Governança Pública da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, e conselheiro da MEI

Qual é o papel da inovação na redução da desigualdade? Para o sociólogo Carlos Lopes, professor na Escola Mandela de Governança Pública da Universidade da Cidade do Cabo (África do Sul) e ex-diretor de Políticas do Secretário-Geral Kofi Annan na Organização das Nações Unidas (ONU), esse elemento de desenvolvimento tem papel central, sobretudo se considerarmos as emergências climáticas. 

A convite da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), ele integra um grupo de especialistas internacionais renomados que passarão a aconselhar a indústria em estratégias de inovação no Brasil. 

Confira a entrevista sobre a importância de pensar a inovação e o desenvolvimento tecnológico a partir da perspectiva de igualdade social e meio ambiente. 

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA - Por que é importante é ter esse tipo de grupo de especialistas internacionais discutindo inovação?

CARLOS LOPES - Porque a inovação não se pode fazer em vácuo, ou só num contexto doméstico. É preciso ter uma visão global, onde estão os melhores ecossistemas, os produtos mais avançados, as tecnologias de ponta, incluindo as megatendências. E quando se olha para a megatendência demográfica, climática, tecnológica, até em termos de consumo, é impossível não pensar que vastas regiões do Sul vão ser responsáveis por esse consumo de intensidade tecnológica. O Brasil precisa conhecer essas várias facetas da discussão e por isso é que esse conselho pode ser muito importante.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA - Por que o desenvolvimento tecnológico pode agravar as desigualdades sociais?

CARLOS LOPES - Há uma aceleração na forma de computar e esse poder de cálculo algorítmico vai ser tão rápido que não vai ser possível parar as tendências que já existem se nós não fizermos algo por isso. Então, infelizmente a trajetória de crescimento que tivemos até agora provocou índices de desigualdade cada vez maiores. Se continuarmos assim sem modificar os parâmetros, vamos ter um agravamento da desigualdade incomportável. Na questão climática, você não vai poder chegar à conclusão de que o planeta tem que fazer menos emissões para que aqueles que tem um poder de consumo mais elevado continuem a manter o seu padrão e os outros fiquem onde estão.


Tem que haver um equilíbrio até porque infelizmente para os países que têm o maior consumo, eles também têm o maior problema de emissão, portanto precisam dos outros e esse desequilíbrio vai ter que ser corrigido com uma trajetória de crescimento diferente.


Por isso é que a desigualdade passa a ser central na resposta. Até aqui nós a toleramos, mas no futuro não vai ser possível por causa da questão climática.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA - E como se faz isso?

CARLOS LOPES -  É relativamente simples de explicar, muito difícil de fazer. Se existem determinada regiões do globo que não contribuem para as emissões, pelo contrário, são absorventes das emissões, esses países têm que ser compensados, não penalizados, inclusive, com dificuldades de acesso ao crédito. Por isso é que eu gosto de equacionar dizendo que há países que têm uma dívida carbono e nós temos que arranjar mecanismos que possam responder a este desequilíbrio. A parte difícil é que isto traduz-se em negociações internacionais e em financiamento.

E o sistema financeiro internacional não comporta uma correção deste tipo de problemas. Por quê? Porque continua a exigir que tudo que tem a ver com energias limpas seja subsidiado para retirar o risco e isso significa que continuamos a usar as energias fósseis como se fosse o normal. Enquanto isso mudar, não vai ser possível corrigir o sistema financeiro porque ele responde a incentivos.


A mudança já começou. Pode demorar tempo, mas já começou.


AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA INDÚSTRIA - O que o senhor destacaria de mais interessante em termos de inovação acontecendo na África?

CARLOS LOPES - Os países que são atrasados tecnologicamente industrialmente tem uma lista enorme do problemas, mas também tem algumas vantagens. A parte das vantagens fala-se pouco. Eles podem saltar etapas e podem chegar à tecnologia mais recente, mais disponível porque é mais contemporânea, desde que, do ponto de vista do financiamento, ela seja acessível. E isso acontece em algumas áreas, por exemplo, transações bancárias móveis é uma tecnologia mais fácil do que construir agências bancárias.


E por causa disso a África é um líder mundial, tem mais de metade das transações bancárias móveis do mundo, e o país mais avançado é o Quênia, não é um país europeu, nem um asiático. A companhia mais avançada em tecnologia da China, a Tencent, tem como acionista maioritário uma empresa sul-africana, que é mesma empresa que depois vai investir numa série de produtos de alta tecnologia e que inclusive tem interesses muito grandes no Brasil, é acionista da OLX, acionista da Abril.


A Amazon tem como unidade mais rentável o cloud computing. A nuvem da Amazon é gerida a partir da Cidade do Cabo, onde eles empregam 7 mil pessoas, inclusive muitos brasileiros. Há coisas que passam despercebidas porque há nichos de oportunidades que são oferecidos a países que são retardatários no conjunto, mas que podem saltar etapas em algumas coisas. O Marrocos decidiu investir na indústria aeronáutica começou do nada hoje em dia é um dos fornecedores da Bombardier, está em negociação com a Embraer. Às vezes a África é subestimada, mas o Brasil pode aprender com ela.

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