Para o professor do departamento de Comunicação da Universidade de Stanford, na Califórnia (EUA), Byron Reeves, videogame definitivamente não é coisa de criança ou adolescente. Ele é um dos maiores estudiosos da gamificação nas empresas, ou seja, a adoção de práticas dos games no dia a dia das instituições. Com esses processos, o objetivo é engajar o funcionário e, com isso, ampliar a produtividade. Por isso, segundo ele, empresas de todo o mundo devem ficar atentas à importância dos jogos eletrônicos para ampliar mercados.
O pesquisador participou de um evento promovido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), pelo Serviço Social da Indústria (SESI), pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e pelo Instituto Euvaldo Lodi (IEL), em Brasília. Especialista no estudo da influência dos jogos sobre o comportamento dos profissionais é, também, cofundador do H-Star Institute, centro de pesquisa avançada que estuda a relação das pessoas com a tecnologia.
O Portal da Indústria entrevistou o professor, autor de mais de cem artigos científicos sobre mídia e psicologia. Confira:
Portal da Indústria – Como os games podem ser usados para influenciar os profissionais no ambiente de trabalho?
Byron Reeves - As pesquisas que temos feito nos últimos vinte anos tentam mostrar o que há na mídia que a faz tão popular, tão engajadora, que faz as pessoas quererem gastar tanto tempo e dinheiro com ela. Nos laboratórios temos estudos para descobrir quais são esses ingredientes. E agora, estamos tentando aplicá-los para propósitos sérios, não apenas para diversão, mas para engajar as pessoas em áreas em que o engajamento é difícil como, por exemplo, estimular a proatividade.
Portal da Indústria - Como conduzir os aspectos dos games para a realidade das empresas?
Reeves - As pessoas estão começando a fazer isso agora. Há muitos exemplos, muitas formas de aplicação. Estamos trabalhando com companhias que identificam problemas de engajamento no dia a dia, nas tarefas realizadas. Em nossas pesquisas, os entrevistados reclamam das atividades muito repetitivas, que tornam o trabalho chato, e também que falta feedback. Outro ponto é que eles desconhecem a contribuição deles para os objetivos maiores da organização. A partir dessas questões, aplicamos os ingredientes de sucesso dos games para tentar solucionar cada um dos problemas. Dependendo da aplicação, pode afetar a realidade de trabalhode forma ampla ou apenas em alguns pontos específicos, buscando o engajamento total.
Portal da Indústria - O que significa o engajamento total?
Reeves - Você pode dividir a vida em duas: a primeira é o pensamento racional e, a partir dessa lógica, as formas de interagir com outras pessoas e com meio ambiente. A outra se trata da parte da vida que são abrange emoções, conexões sociais, engajamento, paixão, irracionalidade. Engajamento total é uma combinação desses dois mundos diferentes. É o racional com etapas reflexivas do trabalho, como olhar para planilhas, avaliação de números, estratégia e táticas, aliadas às partes mais emocionais do trabalho, como a paixão , inovação, excitação, criatividade, o interesse de estar com outras pessoas, colaboração. O engajamento total envolve os dois universos.
Portal da Indústria – É possível aproveitar esse aprendizado para estimular os colaboradores a serem mais inovadores e a trabalhar melhor?
Reeves - O que estamos tentando fazer é imitar o que os games proporcionam. Eles fazem as pessoas se envolverem, elas os amam, gastam muito dinheiro com eles e, o interessante, é que são pessoas de todas as idades. Elas jogam por motivos diferentes e o fazem por muitas horas, vários dias, todas as semanas. O que queremos é “roubar” esses ingredientes e aplicá-los no trabalho. Nos jogos, as pessoas percebem que estão trabalhando em equipe e podem ver o papel que exercem na história. Essas são algumas das coisas que os games fazem muito bem. O feedback que as pessoas têm jogando é muito difícil de se ter no trabalho. Nos games você tem isso a cada momento, pois eles te mostram se você está indo para a direção certa ou errada a partir da decisão tomada.
Portal da Indústria – Como implementar o método da gamificação na indústria?
Reeves – Há várias companhias diferentes ao redor do mundo tentando fazer isso. A melhor forma é começar com pequenos passos e entender a psicologia do que está acontecendo. No Vale do Silício, onde eu vivo, há várias empresas agora mesmo tentando responder a essa pergunta. Elas estão pesquisando como podemos construir uma plataforma de tecnologia e que tipo de serviços podemos ter para ajudar as pessoas a tornarem o trabalho mais divertido. A ideia, aqui, é desenvolver o engajamento emocional. Se divertir não é o oposto a trabalhar, é um complemento. As pessoas trabalham melhor quando se divertem, quando estão engajadas.
Portal da Indústria - Você pode citar exemplos de empresas que estão usando a gamificação?
Reeves - Algumas empresas estão experimentando de forma diferente esse processo para transformar a maneira de se trabalhar. Há mercearias, grandes redes de varejo, empresas de consultoria, equipes de descobertas científica, entre outras iniciativas. Em muitos casos os estímulos são para pequenas coisas do dia a dia. A ideia é desenvolver jogos capazes de estimular o comprometimento e provocar mudanças no comportamento das pessoas. E sim, é possível alterar as atitudes, ampliar o compromisso delas quando estão inseridas num jogo.
Um bom exemplo disso é o caso de uma empresa em que criamos um jogo para ajudar as pessoas a economizar energia. Colocamos um medidor na casa delas e todo o consumo podia ser monitorado na tela do computador, mostrando o que consumia mais, em quais horários, etc. Ao acompanhar essas ações e receber estímulos para diminuir os gastos, as pessoas começaram a mudar o comportamento em diferentes situações. Com isso, algumas delas conseguiram gerar economia de 2, 5 e até 10% no consumo.
Portal da Indústria - Como os jogos podem tornar as grandes empresas mais fortes?
Reeves - A mídia mudou. Ela não tem mais apenas uma direção: eu escrevo algo, faço um vídeo, faço uma propaganda e as pessoas respondem a isso. Esse não é o futuro. O futuro é a interação, onde a audiência individualmente tem muito mais discernimento e escolhas, ela tem voz sobre as preferências do que ela quer fazer. Uma das coisas que os games fazem é encorajar a conversação, a participação. Os jogos podem fazer justamente isso, colocar as pessoas para participarem do desenvolvimento das marcas, tornando-as mais importantes. A empresa ganha muito com isso.
Portal da Indústria - O senhor acredita que a gamificação torna possível a descoberta de novos líderes?
Reeves - Sim. Jogos internos nas empresas são uma das coisas que nós provavelmente estudamos mais. Quando as pessoas participam de games que demandam interação, diferentes tipos de líderes surgem. Esses líderes são baseados em expertise nos games. Se eu tenho mais pontos que você, eu sei mais, então posso ser um líder melhor. Mas também posso ser tímido, estar em uma cadeira de rodas, ser alguém que ninguém pensa em ser um líder, mas tenho mais chances de conseguir um cargo de liderança porque nos games tudo é transparente.
Nos games fica tudo lá para quem quiser ver. Sabemos quem sabe mais e como estamos em relação ao outro. Às vezes isso é um problema, mas é uma forma interessante de descobrir líderes. Nos games, a percepção de líderes é muito mais rápida que na vida real.