Brasil está pronto para agenda de reforma estrutural, diz secretário-geral da OCDE

Angel Gurría diz que o processo de adesão ao órgão é profundamente transformacional e visa aproximar os candidatos à adesão aos princípios e boas práticas da OCDE. Ser membro da organização é sinal para investidores internacionais e domésticos que as políticas do país seguem padrões-chave em áreas como governança corporativa, investimento, concorrência, mercados financeiros e administração pública

O Brasil pediu adesão do país à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em maio de 2017. Para ser aceito, será submetido a um amplo processo de avaliação de suas políticas públicas que leva cerca de 3 anos, e precisa ser aceito por unanimidade pelos 35 membros do grupo, entre eles os Estados Unidos. 

Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), não há muito distanciamento entre os objetivos da OCDE e os da indústria brasileira. A adesão do Brasil como membro pleno da Organização é o caminho natural para um país que se destaca pelo grau de participação, entre os países não membros, nos comitês e instrumentos da OCDE.

Em rápida passagem pelo Brasil, o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, falou com exclusividade para a Agência CNI de Notícias. Acompanhe:

Secretário-geral da OCDE

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Quais os benefícios de os países virarem membros plenos da OCDE? 

ANGEL GURRÍA – A ex-presidente do Chile Michelle Bachelet uma vez definiu a OCDE como o “Clube das Melhores Práticas”. A instituição agrega 35 economias líderes com o objetivo de promover “melhores práticas para melhores vidas” e fornece um quadro onde governos podem trabalhar juntos, compartilhando experiências, encontrando soluções para problemas comuns, e colaborando para enfrentar desafios globais. No coração deste processo está o reconhecimento do valor da cooperação e coordenação e a disposição em aprender com experiências de políticas públicas diversas por uma melhor coordenação internacional.

Durante as últimas décadas, a OCDE tem evoluído na direção de maior abertura e diversificação, ampliando o seu mandato para promover um crescimento mais inclusivo e sustentável. A OCDE está na ponta na busca por soluções inovadoras e no desenvolvimento de políticas públicas, incorporando novas ideias e novas formas de trabalhar, para melhorar o bem-estar das pessoas.

Ser membro da OCDE ajuda os países a se beneficiarem do desenvolvimento inovador de políticas econômicas e sociais. Os membros possuem um lugar na mesa em mais de 200 comitês e grupos de trabalhos dentro da Organização, em discussões que reúnem experts de cada país membro, e países parceiros, apoiados por um Secretariado altamente especializado.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – O que mudará para o Brasil caso ele entre para a OCDE?

ANGEL GURRÍA – Algumas das principais vantagens em ser membro da OCDE incluem:

- Benefício de reputação. Ser membro da OCDE é um claro reconhecimento que o país segue os mais altos padrões globais, compartilhando o comprometimento com uma democracia pluralista, aderente a um mercado aberto e transparente, com o objetivo comum de desenvolvimento sustentável. É um grande sinal para investidores internacionais e domésticos que as políticas do país seguem padrões-chave em áreas como governança corporativa, investimento, concorrência, mercados financeiros e administração pública.

- Participação em discussões globais: A OCDE está no coração da arquitetura de governança global e é uma voz chave da agenda global em uma grande variedade de tópicos. Liderando os esforços sobre crescimento econômico, competitividade global e boa governança, a OCDE trabalha junto com o G20 e o G7, sendo um parceiro e conselheiro de importância global em diversas áreas.

- Apoio às reformas domésticas: Os membros têm acesso ao repertório de expertise da OCDE que inclui pesquisas e análises em diversas áreas de políticas macroeconômicas e estruturais. A Organização apoia os seus membros em suas reformas domésticas fornecendo um quadro para comparar experiências e compartilhar melhores práticas em diversas áreas, de políticas econômicas a proteção ambiental.

- Compartilhamento das responsabilidades: A OCDE permite aos seus membros coordenarem suas políticas a nível global para promover eficiência econômica, economizar recursos e promover crescimento sustentável. A Organização ajuda formuladores de políticas a entenderem, avaliar, e comparar opções de políticas públicas e seus resultados, criando oportunidades para pessoas, empresas e regiões.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Quais os principais compromissos que o país precisa assumir para ser aceito? 

ANGEL GURRÍA – O pedido do Brasil para a adesão à OCDE é um sinal de que o país está pronto para consolidar ainda mais sua agenda de reforma estrutural. O processo é profundamente transformacional e visa aproximar os candidatos à adesão aos princípios e boas práticas da OCDE. Este também oferece uma oportunidade para que o país candidato e os países membros da OCDE trabalhem juntos efetivamente em uma vasta gama de questões de políticas públicas. 

Os ambiciosos esforços do Brasil em se reformar e consolidar o equilíbrio fiscal do governo e promover estabilidade macroeconômica – incluindo a indispensável reforma da Previdência – estão abrindo o caminho para um crescimento econômico mais sustentável.

No futuro, o Brasil precisa continuar enfrentando o alto nível de desigualdade que afeta tanto o bem-estar da população quanto o crescimento econômico. Precisa, também, aumentar sua produtividade, competitividade e investimento, melhorando o ambiente de negócios e acesso a crédito, promover inclusão de gênero e oportunidades para mulheres, além de fortalecer sua participação nas cadeias globais de valor para colher e redistribuir de forma mais ampla os benefícios da globalização. A OCDE está pronta para apoiar o Brasil nestes desafios.

Gurría participou, nesta semana, do seminário Preços de transferência: o padrão da OCDE e a abordagem brasileira – desafios e oportunidades, na CNI

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – É possível se tornar membro sem reformas estruturais?

ANGEL GURRÍA – É importante ressaltar que o Brasil não está sozinho na realização de reformas estruturais. Muitos países da OCDE precisam e estão fortemente engajados com reformas estruturais. O relatório da OCDE “A Caminho do Crescimento” fornece uma ampla análise das prioridades de reformas a serem implementadas pelos países do G20. Uma importante mensagem deste documento é que os governos precisam implementar amplos pacotes de políticas de forma a criar sinergias entre as reformas de mercado de trabalho, de produto e financeiro, para escapar da armadilha do baixo crescimento, além de  garantir que os benefícios sejam compartilhados com a vasta maioria dos cidadãos.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Para ser aceito, o país passa por uma avaliação de 360º? Como é feita essa avaliação?

ANGEL GURRÍA – De fato, dizemos que o processo de adesão é uma avaliação em 360º, pois ele envolve uma revisão abrangente do quadro jurídico e da formulação de políticas do país, cobrindo uma ampla gama de áreas envolvendo quase todos os ministérios e agências governamentais dos países candidatos. A avaliação é realizada por vários comitês da OCDE, por meio de revisões técnicas para avaliar a disposição e a capacidade dos países candidatos a implementar os instrumentos jurídicos da Organização, bem como suas políticas e práticas em comparação com as melhores políticas e práticas da OCDE.

Mas, mais importante, o processo de adesão é uma oportunidade. O processo serve de catalisador para reformas domésticas, uma vez que, como parte de suas revisões, os comitês podem recomendar pontos de melhorias para aproximar o país candidato aos padrões da OCDE e das melhores práticas internacionais. No final de sua revisão, cada comitê prepara uma opinião formal que resume sua avaliação. Uma vez que todos os comitês tenham adotado pareceres formais, o Conselho da OCDE toma a decisão sobre convidar do país candidato a se tornar um membro.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Como o setor privado brasileiro pode ajudar o ingresso do Brasil na OCDE?

ANGEL GURRÍA – O setor privado desempenha um papel crucial ao acompanhar todo o processo de adesão e ele se beneficiará disso. Por um lado, o setor privado e outras partes interessadas podem desempenhar um papel importante no processo de reforma, estando sempre envolvidos em consultas e trabalhando com os comitês da OCDE.

De fato, existem muitas áreas nas quais a participação do setor privado é altamente relevante. Isso é obvio em áreas como política fiscal, conduta empresarial responsável, movimentos de capitais, comércio internacional, investimento, meio ambiente e luta contra a corrupção. Um exemplo concreto é o papel muito construtivo que a Confederação Nacional da Indústria desempenhou sediando a importante discussão sobre os padrões da OCDE sobre Preços de Transferência com a Receita Federal. 

Por outro lado, a OCDE possui um canal oficial para ligar-se à comunidade empresarial. O Comitê Consultivo Empresarial e Industrial para a OCDE (BIAC) atua como a voz do empresariado em nome das principais organizações industriais. O Brasil, representado pela CNI, interage ativamente com as principais organizações empresariais dos países membros e parceiros da OCDE. Os membros do BIAC participam de discussões e formulação de políticas públicas através de consultas com liderança e autoridades governamentais, comitês e grupos de trabalho, fornecendo insights, conselhos e perspectivas de primeira mão da indústria.

AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS – Quais os principais papeis da OCDE e como ela tem ajudado as economias dos países?

ANGEL GURRÍA – A OCDE é pioneira em questão de políticas públicas, ela está na fronteira na busca por soluções que mais tarde se tornarão mainstream. É uma das mais multidisciplinares das organizações internacionais e aborda praticamente todas as dimensões de políticas públicas. A OCDE é uma organização liderada por seus membros, e baseada em consensus, que conta com seu secretário-geral para cumprir sua missão.

Os Membros participam de discussões sobre políticas públicas com experts no desenvolvimento de soluções inovadoras para desafios comuns. A OCDE também abriu caminho, derrubando obstáculos, para o crescimento inclusivo, combatendo as desigualdades de renda, de saúde, de educação e de oportunidades em geral, e tem aprendido as lições da crise financeira global, por exemplo, através do projeto Novas Abordagens para Desafios Econômicos (NAEC).

A organização tem apoiado processos de reforma específicos em vários países da OCDE, incluindo recentemente na França, Grécia e o México. No caso do México, por exemplo, a Organização prestou apoio às reformas fiscais, de educação, de concorrência e de telecomunicações no início da administração da presidente Pena Nieto.

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