Poucos países no mundo criaram regras para disciplinar a atividade de defesa de interesses, popularmente conhecida como lobby. Na América Latina, apenas o Chile conta com uma regulamentação, um marco construído ao longo de 20 anos de discussões e que entrou em vigor em 2014. Diretor-executivo da Transparencia Chile (braço local da Transparência Internacional), Alberto Precht, conta que a demora na construção de uma lei sobre o tema é uma evidência da complexidade da tarefa de legislar sobre o assunto.
"A primeira coisa é perder o medo da palavra lobby. É normal e não há problema que os distintos atores de uma sociedade façam lobby para poder influenciar a tomada de decisão. Senão, não existiria democracia", disse em entrevista à Agência CNI de Notícias. Envolvido na construção da lei chilena, Precht avalia que o ponto-chave no debate foi incluir a todos que desejam influenciar decisões no poder público sobre a regra, e que este processo deve ser de conhecimento público. "Posso lhe garantir que a maioria dos empresários, das organizações civis, dos sindicatos são pessoas honestas, que querem influenciar e, evidentemente, têm todo o direito de influenciar", analisa. Confira a entrevista:
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - A lei no Chile é considerada equilibrada e uma possível referência para outros países que querem regulamentar o lobby. Quais são as principais características da regulamentação do Chile que justificam isso?
ALBERTO PRECHT - Bom, a primeira coisa que é preciso assinalar é que regulamentar o lobby é uma tarefa muito difícil. São muitos poucos países no mundo que têm regulamentação - 14 ou 15. No caso chileno, essa discussão foi bastante ampla, começando em 1994 e, recentemente, conseguimos ter uma lei, em 2014. Tramitou durante o governo de Sebastian Piñera e foi promulgada no governo da atual presidente (Michelle) Bachelet. O que faz da discussão chilena ser bastante diferente, por exemplo, dos Estados Unidos. O que nós temos é uma lei de acesso às informações de agenda dos funcionários públicos. Quer dizer que qualquer reunião que um funcionário público, de determinada importância, tenha com uma pessoa que queira influenciar na tomada de decisão vai ficar registrada de maneira pública, acessível para todas as pessoas.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Qual é a principal diferença com o modelo americano, que impõe uma série de exigências a quem exerce a atividade de defesa de interesse?
ALBERTO PRECHT - O que o modelo chileno faz, que é muito interessante, não é regular a indústria, como se faz normalmente no modelo americano, mas regular a reunião, o contato que pode acontecer e que pode gerar uma atividade de lobby entre quaisquer atores, não somente a uma empresa que se dedica ao lobby ou uma empresa em particular, mas também, por exemplo, os sindicatos, as ONGs, as associações empresariais. Qualquer um que possa ser sujeito ativo de lobby, portanto essa reunião ficaria regulamentada.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - Numa regulamentação de lobby, um ponto bastante difícil é encontrar o equilíbrio de transparência e grau de burocracia. No Chile, como se buscou o equilíbrio entre uma regra muito severa ou muito liberal?
ALBERTO PRECHT - A primeira coisa é perder o medo da palavra lobby. É normal e não há problema que os distintos atores de uma sociedade façam lobby para poder influenciar a tomada de decisão. Senão, não existiria democracia. Imagine um deputado ou um senador que tomasse decisões sem conhecimento de nada. Claramente, seria pior do que se conhecesse a todos os atores. Por isso, o que o modelo chileno busca é equilibrar primeiro e dizer: todos podem fazer lobby. Com isso, eliminamos rapidamente o problema de quem é lobista e quem não é lobista.
Como a palavra tem um significado ruim e as pessoas acreditam que o lobista é um corrupto, não seria bom dizer que um cidadão pode e outro não fazer lobby. Em segundo lugar, ver quais eram os aspectos onde o Chile tinha avanços importantes. E aí, o acesso à informação, como no Brasil, tem padrões muito elevados. Por isso, ao invés de partir de uma regulamentação externa, vamos usar o que já temos. Ou seja, a regulamentação da lei de acesso à informação, o conhecimento público. E, por último, não deixemos a responsabilidade ao lobista, que sempre vai cuidar para que a reunião seja um pouco mais secreta. A responsabilidade, a deixamos ao Estado. É ele que tem de pôr luz sobre as reuniões.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - A regulamentação coíbe ou reduz casos de corrupção ou de desvios de conduta?
ALBERTO PRECHT - Claramente, uma lei de lobby não soluciona todos os problemas, mas sim, é uma oportunidade muito boa para aqueles que, honestamente, querem influenciar a tomada de decisões. Se você me pergunta se alguém que quer pressionar indevidamente uma pessoa, um funcionário público, um senador ou deputado vai usar a lei do lobby? Claramente, não, porque não quer que isso seja sabido. Mas, com certeza, a pessoa honesta, a empresa honesta, a associação honesta que queira influenciar os parlamentares, vai querer que isso seja conhecido, sob as regras da lei.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - É muito comum dizer que os países que começaram a discutir a regulamentação do lobby começaram esse processo em meio a uma crise, como acontece no Brasil. O Brasil está sozinho neste caso?
ALBERTO PRECHT - Bem, no geral, todas as regulamentações contra a corrupção ou em prol da transparência começam depois de uma crise. É assim com todas as regulamentações. Por exemplo, quando os países começam a proteger mais os animais? Quando há movimentos que começam a pedir pelos direitos dos animais. O mesmo ocorre com os casos de corrupção. Claramente, quando existem casos de corrupção com a conotação, por exemplo, dos casos que temos visto aqui no Brasil, é evidente que o aparato legislativo, o Estado em geral, tem de reagir. Por isso, não veria (esse movimento) como algo ruim, mas, na verdade, como um dado da realidade.
No caso chileno, a lei do lobby começa a nascer em 1994, depois de um escândalo relacionado a investimentos da nossa maior empresa de cobre, a Codelco. Era normal que depois desse caso tivéssemos uma regulamentação. É normal que seja assim, não há ter medo.
AGÊNCIA CNI DE NOTÍCIAS - O senhor diria, então, que a regulamentação do lobby não é de interesse apenas do setor econômico, de empresários, mas deve ser de toda a sociedade?
ALBERTO PRECHT - Sem dúvida. O pior é que as relações que são normais entre o privado e o público ocorram na escuridão. Posso lhe garantir que a maioria dos empresários, das organizações civis, dos sindicatos são pessoas honestas, que querem influenciar e, evidentemente, têm todo o direito de influenciar. Me pergunto qual é a melhor forma: fazê-lo na escuridão ou fazê-lo sob a luz do sol? Que todos saibam que essas conversas não têm nada de mal além de expor os pontos para que as autoridades possam tomar as melhores decisões. Esta é uma grande oportunidade para o Estado, que pode dizer: "Não sou pressionado. Recebo a todos". E, para o setor privado, que possa dizer: "Veja, não estou fazendo nada de errado, mas algo que é próprio dos meus interesses, que são também os interesses de todo o país desde o ponto de vista de quem os expõe.”