Não existe país forte sem indústria forte

Em artigo publicado na revista Exame, presidente da CNI defende o importância do setor para o país, fundamental para a 
produtividade e para a competividade dos demais segmentos da economia

Foto mostra mãos de trabalhador serrando um vergalhão em obra

O recente anúncio do encerramento das atividades da Ford no Brasil fez soar um alarme com relação à baixa competitividade da nossa economia e à importância da indústria para o desenvolvimento do país. O Brasil tem, atualmente, uma indústria de transformação menor do que poderia e deveria ter. Entre 2000 e 2019, a participação desse setor no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro caiu de 15,3% para 11,8%.

Nos Brics (sigla para o grupo de países integrados por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a indústria de transformação é responsável, em média, por 18,3% do PIB, sem considerar os números brasileiros. A participação da nossa indústria também é relativamente menor do que a de países avançados como os Estados Unidos e diversos outros integrantes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O processo de desindustrialização precoce da economia brasileira se reflete, de forma significativa, na perda de participação dos manufaturados na pauta de exportações brasileiras, que atingiu 43% em 2020, o nível mais baixo em 44 anos.

Essa perda de participação da indústria manufatureira na economia tem consequências de longo prazo para o desenvolvimento econômico e social do Brasil.

Apenas esse segmento da indústria é responsável por 48,7% das exportações de bens e serviços, por 65,4% dos investimentos empresariais em pesquisa e desenvolvimento, e por 24,9% da arrecadação de tributos federais (no setor industrial como um todo, esse índice chega a 33%).

A indústria também paga salários mais altos do que os demais setores (R$ 7.590 para profissionais com nível superior, contra uma média nacional de R$ 5.887) e tem forte poder de gerar crescimento. Para cada R$ 1 produzido pelo setor, são gerados R$ 2,40 adicionais na economia (58% a mais que a agricultura e 76% a mais que comércio e serviços).

É importante destacar, ainda, que a indústria desempenha papel estratégico para a dinamização de todo o sistema produtivo nacional. As tecnologias que desenvolve são, em grande medida, responsáveis para que a agricultura brasileira seja uma das mais competitivas do mundo.

O setor também agrega valor à produção agrícola, transformando-a em novos produtos e materiais, incluindo o emprego de biotecnologia e nanotecnologia. Como demandante, é responsável, ainda, pelo desenvolvimento de serviços de alto valor agregado, como P&D, design, logística, marketing, entre vários outros. Tanto uma agricultura competitiva quanto um setor de serviços sofisticado dependem de uma indústria forte e moderna operando no país.

Fotografia mostra homem branco, com protetor de ruídos nos ouvidos operando máquina em uma fábrica de esquadrias

Convivemos, nas últimas décadas, com o agravamento de um conjunto de fatores que foram minando a competitividade brasileira, o chamado Custo Brasil. O termo, aliás, surgiu em 1995, em uma publicação da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Para muitos países, a superação desses entraves sistêmicos à competitividade é uma atividade há muito tempo superada.

Em nosso país, contudo, continua a ser um tema do presente, que custa a avançar, impedindo que a indústria nacional possa competir, de igual para igual, com seus concorrentes mundo afora.

Sem reformas estruturantes, a começar por uma reforma tributária ampla, que abarque os três entes da Federação (União, estados e municípios), o Brasil estará condenado a ter baixo crescimento, vai se tornar uma economia cada vez menos relevante no cenário internacional e continuará assistindo ao fechamento de empresas.

A redução do Custo Brasil é, entretanto, apenas parte do problema. É uma pré-condição para o crescimento, que nos levará aonde muitos países da OCDE, organização na qual queremos ser admitidos, chegaram há muito tempo: um ambiente de negócios mais saudável. A segunda parte dessa equação consiste em observar e aprender com o que os países avançados fazem hoje, olhando para o futuro, com estratégias que coordenam políticas de inovação e de comércio exterior para fomentar o desenvolvimento produtivo.

Em um contexto de acirramento da competição internacional, do rápido avanço tecnológico que caracteriza a 4ª Revolução Industrial e dos desafios associados, como a mudança climática; a implementação explícita de políticas industriais pelas nações mais desenvolvidas é a prova de que elas compreendem as consequências, em longo prazo, de se ficar para trás na corrida do conhecimento. O Brasil não pode permanecer alheio a esse movimento.

Precisamos encarar o investimento em inovação como prioridade nacional, assegurar recursos estáveis para P&D e aprimorar instrumentos de apoio. Em paralelo, é indispensável fomentar a incorporação das tecnologias digitais da Indústria 4.0 por empresas de todos os portes, visando ao aumento da produtividade, apoiar a internacionalização das empresas e avançar na celebração de acordos comerciais que ofereçam benefícios concretos ao nosso país.

As boas práticas internacionais demonstram que nações bem-sucedidas na promoção da competitividade combinaram, de modo harmônico e coordenado, políticas industriais e macroeconômicas com iniciativas transversais, que se reforçam mutuamente para estimular o crescimento, a inserção internacional, as vantagens competitivas, o desenvolvimento de novas competências e a produção de bens de maior conteúdo tecnológico.

Funcionários de um laboratório, vestidos de jaleco e máscara, manuseiam equipamentos de teste rápido de covid-19

Apesar de todas as oportunidades desperdiçadas pelo Brasil ao longo dos anos, continuamos dispondo de uma boa base para avançar. Temos uma estrutura industrial diversificada, com empresas inovadoras; competência acumulada na área de ciência e tecnologia; e empresários e trabalhadores que sempre foram capazes de realizar grandes feitos quando confrontados com ambientes propícios e políticas adequadas.

Se nossas aspirações, como sociedade, são mais investimentos em ciência, tecnologia e inovação, e se nossas ambições para as próximas gerações são níveis crescentes de educação de qualidade e a criação de oportunidades de empregos que demandarão trabalhadores mais bem-educados e mais bem remunerados, precisamos nos preocupar com o futuro da indústria no Brasil.

Mais do que nunca, devemos agir com pragmatismo, senso de urgência, ousadia e governança, para fortalecer o diálogo público-privado. Não há mais tempo a perder

Robson Braga de Andrade é presidente da Confederação Nacional da Indústria. 

O artigo foi publicado neste sábado (20), na revista Exame.

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