Abertura comercial sim, mas do jeito certo

Em artigo publicado no jornal Valor Econômico, o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, afirma que para a indústria brasileira, a abertura comercial, caso seja bem planejada e executada, contribuirá para aumentar a competitividade do setor

Robson Braga de Andrade é empresário e presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)

“Para todo problema complexo, existe sempre uma solução clara, simples e errada.” A frase, atribuída a um jornalista americano do início do século 20, sobrevive ao tempo e deveria ser pintada nas paredes de alguns órgãos do governo. O Ministério da Fazenda e a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) têm tratado de abertura comercial e sua relação com o desenvolvimento econômico. O tema é relevante e merecia ter sido discutido de forma ampla, com a participação de todos os interessados, sobretudo os empresários e os trabalhadores.

Com os debates promovidos pela Fazenda e pela SAE, desconectados do dia a dia da economia brasileira, entrou na agenda da Câmara de Comércio Exterior (Camex) uma proposta de redução do Imposto de Importação concentrada em dois setores: bens de capital, e bens de informática e telecomunicações. Os órgãos sugerem que as referidas tarifas sejam reduzidas a 4%, de forma linear e unilateral. Ou seja, fora do contexto dos acordos comerciais e, portanto, sem nenhuma contrapartida em maior acesso dos produtos brasileiros ao mercado de outros países.

Quando necessárias, diminuições tarifárias precisam vir acompanhadas de medidas que contribuam para a adaptação dos setores afetados, incentivando sua competitividade. Devem, também, prever um período razoável de implementação, sob pena de tornar inexequível a adequação. Adotadas de modo abrupto e sem as cautelas apropriadas, elas impactam a indústria, provocando o fechamento de empresas e o desemprego. A proposta da Fazenda tem esse potencial destrutivo, pois não prevê iniciativas para tornar os dois segmentos mais competitivos. 

Além disso, ignora o momento crucial das negociações comerciais pelo qual o Mercosul está passando com a União Europeia, que têm, na questão tarifária, um de seus pontos mais relevantes. Nesse contexto, demonstra, sobretudo, descaso pelos esforços que o próprio governo, em parceria com o setor privado, vem empreendendo para estabelecer um acordo que será essencial para a abertura econômica e para o desenvolvimento do Brasil. 

Discussões sobre abertura comercial costumam ser dominadas por argumentos ideológicos. Pode-se aceitar que isso ocorra no ambiente acadêmico, mas, quando se trata de políticas públicas, que afetam a vida das empresas e de seus trabalhadores, qualquer decisão deve ser baseada em critérios essencialmente técnicos.

Ao escolher duas áreas da indústria como alvo, a proposta promove um desequilíbrio das margens de proteção efetiva, distancia a nossa economia ainda mais do conceito de escalada tarifária e, sobretudo, esquece as disfunções do sistema tributário nacional, que impõe custos às empresas não aplicados a seus principais concorrentes no mundo. Somente o resíduo tributário no setor industrial exportador brasileiro soma, na média, 3% do valor das suas vendas, podendo ser superior em alguns segmentos.  

A proposição da Fazenda e da SAE desconsidera, também, a conjuntura econômica do país e da indústria brasileira. Após 11 trimestres de retração, provocada pela maior crise da história da República, e ainda marcada por forte ociosidade, o setor industrial começa a dar os primeiros passos no sentido da recuperação, com aumento da confiança do empresário e do consumidor. Uma redução tarifária nos termos delineados certamente afetaria esse movimento de retomada.  

Finalmente, a proposta é inconsistente com outras políticas do governo, que vêm estimulando investimentos em capacidade produtiva e desenvolvimento tecnológico nos setores produtores de bens de informática e telecomunicações e de bens de capital. Exemplos são as recém-lançadas iniciativas quanto à internet das coisas e à Indústria 4.0, que têm o objetivo de preparar a economia brasileira para a 4ª revolução industrial.

O sistema de defesa comercial também vem sendo alvo de iniciativas da Fazenda e da SAE que têm contribuído para sua politização. O arcabouço hoje existente visa combater o comércio desleal e atinge menos de 1% das importações do país. As medidas são aplicadas após uma criteriosa análise técnica, conduzida pelo Departamento de Defesa Comercial (Decom), do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. 

A Fazenda tem atuado para que a avaliação de “interesse público”, que é justa e legítima se usada realmente em casos de interesse do país, tenha sua função distorcida, tornando-se quase uma instância recursal para reverter algumas medidas de defesa comercial, por vezes sem respeito ao próprio processo legal estabelecido. 

O órgão propõe, ainda, criar uma fase de decisão política antes de o Decom aceitar as petições do setor privado para começar as investigações. Na prática, isso estrangula o processo técnico, espremendo-o entre duas determinações políticas – uma para iniciá-lo e outra para adotar as medidas de defesa comercial propriamente ditas. 

Para a indústria brasileira, a abertura comercial, caso seja bem planejada e executada, contribuirá para aumentar a competitividade do setor. Mas ela deve ser promovida no âmbito das negociações de acordos comerciais e realizada em paralelo a outras iniciativas, como parte de uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo. 

A competitividade depende de um amplo conjunto de fatores, como reforma tributária, eficiência do Estado e dos gastos públicos, segurança jurídica, desenvolvimento da infraestrutura, políticas mais consistentes de apoio à inovação e melhora da educação, entre outros. Nenhuma grande economia do mundo – incluídos China, Estados Unidos, Japão e União Europeia – fez o que a Fazenda propõe: redução unilateral de tarifas e enfraquecimento da defesa comercial. O Brasil já tentou, no passado, soluções simplistas e parciais como essas para seus desafios. Como sabemos, nunca deu certo.

O artigo foi publicado nesta segunda-feira (30) no jornal Valor Econômico.

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