Indústria forte, País forte

Em artigo publicado no Estadão, o diretor de Educação e Tecnologia da CNI, Rafael Lucchesi, afirma que o Brasil está bem-posicionado para iniciar um ciclo de neoindustrialização

O Brasil enfrenta uma queda continuada da participação relativa da indústria no PIB nos últimos 40 anos. Este movimento não tem paralelo com o verificado em países desenvolvidos, nos quais a migração para uma economia baseada em serviços de alto valor agregado ocorreu quando se atingiram níveis de renda per capita anual em torno de U$ 20 mil. Daí ser correta a descrição do fenômeno verificado no Brasil como “desindustrialização prematura”, com consequências desastrosas para o dinamismo econômico, a criação de empregos qualificados, a difusão de tecnologias e a internacionalização de empresas.


Destaca-se, na conjuntura atual que, apesar do excelente crescimento do PIB de 1,9% no primeiro trimestre, foi registrado recuo de 0,6% na indústria de transformação, acumulando três trimestres consecutivos de desempenho negativo.


Acresce-se à perda de relevância da indústria no PIB um movimento de “reprimarização” no interior do próprio setor – a queda da participação das atividades industriais de maior conteúdo tecnológico e mais intensivas em conhecimento. O resultado é uma economia que perde complexidade e disposição a inovar.

A preocupação em preservar e promover a indústria ficou evidenciada com a desorganização das cadeias de suprimentos provocada pela pandemia de Covid-19, o deslocamento do polo dinâmico da manufatura para países do Sudeste Asiático e as incertezas geopolíticas atuais, que têm despertado reações nas economias desenvolvidas.

Nos Estados Unidos, por exemplo, foi aprovado, em 2022, o Chips and Sience Act (2022), que disponibilizará até US$ 280 bilhões para o estímulo à pesquisa e desenvolvimento e à atração de fabricantes de semicondutores para a construção de novas fábricas nos EUA. A União Europeia, por sua vez, aprovou o European Chips Act, no valor de até € 43 bilhões, visando dobrar o market share da região em semicondutores de 10% para 20% até 2030. Nestes e em outros casos, vê-se a mobilização de recursos públicos, com o objetivo de incentivar a relocalização de plantas industriais nos territórios locais, próximos ou em movimentos motivados por questões geopolíticas.

Para o Brasil, as oportunidades de revigorar sua indústria em novas bases estão associadas ao enfrentamento dos desafios globais e ao imperativo da inclusão social e da melhoria de vida da população. É com este objetivo que foi reativado o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), ligado à Presidência da República e presidido pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), composto por 20 ministérios, além do BNDES, e 21 conselheiros da sociedade civil.


Na primeira reunião, o Conselho apresentou a proposição do papel da indústria orientado por missões, tendo como princípios inclusão social, emprego de qualidade, desenvolvimento tecnológico, inovação, sustentabilidade, transformação digital e inserção internacional qualificada.


Ao longo de sua história, o BNDES tem desempenhado relevante papel na construção e modernização do parque industrial brasileiro e no apoio às empresas. Por isso, a retração da indústria refletiu-se também na participação relativa deste setor nos desembolsos totais do Banco, que era de 47% em 2009 e apresentou queda de cerca de 20% em 2022. Já o apoio à inovação tecnológica, que chegou a representar 5,5% dos desembolsos em 2015, caiu para apenas 0,9% no ano passado. No financiamento à exportação, a redução foi de um apoio máximo de US$ 11,3 bi em 2010 para apenas US$ 0,6 bilhão em 2022.

No seu papel de agente financiador do desenvolvimento, o BNDES anunciou recentemente duas medidas importantes: abertura de linha de crédito com taxa fixa em dólar para a indústria, com R$ 2 bilhões destinados à aquisição de máquinas e equipamentos de fabricação nacional, e para a indústria de transformação, em projetos de investimento ou capital de giro; além da redução de até 60% nos spreads para exportação na linha Exim Pré-embarque, voltada ao financiamento da produção de bens nacionais com compromisso de exportação.

Também foi anunciada a aprovação da MP nº 1.147/2022, que autorizou a concessão de financiamentos em TR para inovação e digitalização. A proposta é limitada a 1,5% dos recursos constitucionais transferidos ao BNDES e terá critérios de elegibilidade definidos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), conferindo máxima transparência no uso de recursos incentivados. Estima-se alocar nesta linha até R$ 20 bilhões em quatro anos, aos quais se somam recursos de igual valor pela Finep com recursos do FNDCT.

Acreditamos que o Brasil está bem-posicionado para iniciar um ciclo de neoindustrialização, orientado por missões e conectado aos maiores desafios globais para se tornar uma nação mais digital, inclusiva, industrializante, inovadora e tecnológica.   

Rafael Lucchesi é diretor de Educação e Tecnologia da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

José Luis Gordon é diretor de Desenvolvimento Produtivo, Comércio Exterior e Inovação do BNDES.

O artigo foi publicado no Estadão nesta sexta-feira (16).

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