A saída do Reino Unido da União Europeia, o Brexit, aponta para lições sobre a estabilidade de regras para o comércio e investimentos. Não é possível desenvolver cadeias globais de valor num cenário de regras instáveis ou mesmo inexistentes.
Pense em uma empresa que decidiu investir no Reino Unido como base para penetração no mercado europeu. Quais as preocupações?
Há pelo menos cinco: a) a manutenção de uma área de livre comércio entre a União Europeia e o Reino Unido; b) a ausência de restrições aos investimentos; c) o mínimo de restrições de acesso à força de trabalho e, em especial, a preservação do status dos já empregados de origem estrangeira; d) padrões técnicos e fitossanitários que evitem a duplicação de adaptações; e) regras de transações financeiras que não gerem custos à operação.
Para muitas empresas estrangeiras, o elemento determinante da decisão de localizar-se no Reino Unido foi a combinação da qualidade do ambiente de negócios com o acesso a um mercado ampliado. Tudo o que afetar a capacidade de integração a cadeias regionais ou globais de valor desvaloriza os investimentos realizados.
Imaginemos uma empresa hipotética com uma rede de conexões comerciais, de investimentos, de pessoas e de conhecimento na região.
Ela compra insumos da Alemanha, contrata executivos franceses e espanhóis, adota padrões europeus para produtos químicos (Reach), utiliza padrões europeus de saúde e segurança do trabalho, centraliza os serviços de informática na Irlanda, protege as suas patentes e marcas segundo regras europeias, utiliza regras fitossanitárias de padrão comunitário e talvez ainda se beneficie de acesso a recursos de fundos europeus.
Essas normas e padrões uniformizam as regras do jogo e, muitas vezes, concorrem para a redução dos custos de transações nas empresas e nas operações entre firmas. São igualmente fundamentais para garantir a capacidade de as firmas operarem em regime de just in time (produção integrada sem estoque).
Todas as dúvidas em relação a essas questões geram receio e temor para o investidor. No caso do Brexit, esses temores são, em parte, minorados pela força das instituições do Reino Unido e por sua tradição de liderança na agenda de comércio internacional.
O mais provável é que o Reino Unido tenha capacidade de fazer uma negociação que reproduza boa parte das atuais condições.
Independentemente do que venha a ocorrer, ficam lições sobre a importância das regras do comércio e de investimentos para países que desejam capturar parcelas de investimentos com capacidade de integrar-se a cadeias globais de valor.
A operação das empresas sempre exigirá normas sobre tarifas, funcionamento de aduanas, mobilidade de pessoas, fluxo de serviços, propriedade intelectual, padrões e modelos técnicos.
Em um mundo de cadeias globais de valor, é reduzida a capacidade de os países adotarem procedimentos autônomos. Regras seguras e adequadas são fundamentais para o comércio global e para o próprio potencial de um país, como o Brasil, atrair investimentos.
O artigo foi publicado nesta quarta-feira (12) no jornal Folha de S. Paulo.