Os juízes que tudo veem (e tudo sentem)

Acha que só a vida de árbitro de futebol é difícil? O esporte mais popular do mundo tem apenas 17 regras. Na robótica, são mais de 100

A camiseta dos juízes de arena é cinza ou listrado preto branco, bem parecida com a dos juízes de futebol

São 16h45 do primeiro dia de competições do Festival SESI de Robótica Off Season, no Rio de Janeiro. Os 18 juízes de sala e dos pits da modalidade mais avançada, a FIRST Robotics Competition (FRC), estão reunidos para a primeira deliberação do torneio. Eles vão escolher 10 equipes, das 30 participantes, para uma reavaliação, amanhã, que vai definir os campeões de alguns prêmios da categoria, como o de criatividade e o de impacto na comunidade. Eles chegaram na Marina da Glória às 7h30 e só saem quando a deliberação acabar, o que deve acontecer lá pelas 19h, 20h.

Enquanto os juízes de sala e dos pits - facilmente reconhecidos pela camisa polo azul royal e pela prancheta na mão - debatem em uma sala fechada (momento muito aguardado não só por ser o ápice da avaliação, mas também frescor do ar-condicionado); outro grupo de juízes segue atento em cada movimento dos robôs na arena. Tirar um cubo do adversário do lugar, cruzar uma linha no tempo errado ou mesmo entrar na quadra pulando o cercado pode resultar em penalidade.

Como a arena tem mais ou menos o tamanho de uma quadra de vôlei, eles dividem o espaço em quatro quadrantes e cada juiz cuida de um. Com tablets e um bastão que lembra uma versão um pouco mais rústica da bandeirinha de escanteio no futebol, eles apontam e registram todas as penalidades e pontuações, que vão direto para o sistema.

Confia no processo

“Os juízes de arena avaliam performance. Fez, não fez, pontuou e pronto. Sai a aliança vencedora. O mais subjetivo fica com a avaliação dos pits e da sala para os outros prêmios. E, para a deliberação final, no último dia, reunimos todos os juízes. Não tem votação, conversamos e entramos em consenso [das equipes que vão levar cada prêmio]”, explica João Pedro Ganzella, auxiliar do juiz-chefe. 

À esquerda está o juiz chefe, Silas Vergilio, e à direita o auxiliar João Pedro Ganzella

Em alguns aspectos, a modalidade intermediária, a FIRST Tech Challenge (FTC), se assemelha à FRC. A camiseta dos juízes de arena é cinza ou listrado preto branco, bem parecida com a dos juízes de futebol. Só que, diferentemente do esporte mais popular do mundo, que tem apenas 17 regras, essas duas categorias têm, cada uma, mais de 100. Tem regra pra TUDO. Do peso, tamanho e peças do robô aos pits, bottons, circulação na arena, prêmios. Os olhos que tudo veem são dos juízes, mas são as regras que garantem a lisura do processo. 

“Conseguimos entrar num consenso pela metodologia da competição. A gente até brinca, ‘confia no processo’, vamos seguindo e realmente, no final, saem os melhores”, destaca William Salvador, que é juiz pela segunda vez e está com colegas da empresa onde trabalha, a John Deere. Um corpo técnico altamente qualificado é uma marca do time de juízes das competições. 

Mestres da inteligência emocional 

Para chegar na FRC, que exige maturidade para lidar com uma infinidade de regras, os estudantes e os próprios juízes, muitas vezes, passam pela categoria intermediária, a FTC. Uma diferença é clara no processo de avaliação da arena: assim que acaba a partida, os juízes da Tech Challenge dão feedback e podem tirar dúvidas dos competidores sobre as penalidades e as pontuações, o que pode exaltar os ânimos e ser um ótimo exercício de inteligência emocional.

“A gente anota as infrações e os pontos, e, quando termina a partida, temos uns 30 segundos para deliberarmos. Se for uma infração grave, montamos o argumento e levamos pro time. Mas só um integrante da equipe pode vir. Tem um pessoal que chega vermelho, de tensão”, diverte-se Iago Saito. Em seu terceiro ano como juiz, ele reconhece que, apesar das emoções, os estudantes são guiados pelos core values, valores que todo competidor deve ter para uma competição amigável.

Já, na FRC, não há muita brecha para esclarecimentos. Se a equipe tem alguma dúvida, um integrante deve ir para um espaço delimitado, o question box, e o head referee (juiz chefe da arena) vai falar com ele. Independentemente da modalidade, é preciso responsabilidade e coerência dos juízes para avaliar se certa ação foi intencional ou não.

Por exemplo, derrubar o robô adversário ou retirar um cone do adversário. Se os juízes enxergarem intenção, a equipe infratora é desqualificada. Tudo isso em meio a gritos da torcida, música alta e comentários do narrador/animador. Haja concentração!

"A gente até brinca, ‘confia no processo’, vamos seguindo e realmente, no final, saem os melhores", destaca William Salvador

O diabo mora nos detalhes 

Na terceira arena de competições, da F1 in Schools, as avaliações param por um respingo de cola. O aerofólio de um dos carros soltou na primeira corrida e logo aparece o juiz da pista atrás de um pano para limpar a cola que está escorrendo – e pode prejudicar o desempenho na pista. Aqui, cada detalhe conta. E eles são milimétricos. 

“O nosso escrutínio, que acontece um dia antes das corridas, é no paquímetro, porque é por milímetro. E o carro tem que ter, no mínimo, 50 gramas. Se ele bater 49,9, infringiu a regra. Depois do escrutínio, eles recebem uma devolutiva e têm uma hora para fazer as correções. Ficamos com os carros e eles só pegam na hora da corrida”, detalha Christian Battaglia, juiz de pista. 

Nas salas, prêmios mais específicos, como pensamento inovador e participação feminina, são debatidos. Os outros, como apresentação verbal e engenharia, são bem analíticos, mensurados por uma pontuação que vai de 1 a 20.

O trabalho é cansativo e exige dedicação, não só nos dias de competição. É estudar as regras, negociar os dias fora no trabalho e passar o fim de semana longe da família. Mas, acaba temporada, começa temporada, eles estão aqui novamente. Em meio a uma análise, aparentemente, fria, sobra espaço para emoção. Por que ser juiz? “É recompensador”, eles dizem.

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