A vida secreta de Tio Matheus

Como é a vida fora dos palcos do maior animador de torcida dos festivais de robótica do Brasil

É pouco antes de meio-dia e o animador senta num canto para fazer um lanche enquanto o palco dá uma trégua. Conversa devorando um pacote de amendoim japonês e um suco de caixinha. Fome é uma das poucas coisas – raras, dá para dizer – que tiram o bom humor do paulista de Ribeirão Preto. Milhares de crianças e adolescentes o conhecem como Tio Matheus. O incendiário apresentador dos festivais brasileiros de robótica.

Matheus Oliveira Santos já passou dos 40. Não parece. O preparo de quem se formou em Educação Física e exerce a profissão ajuda. Mas o que mascara a idade é o entusiasmo juvenil que puxa coreografias para os hinos da robótica, que atiça a torcida durante os rounds da FIRST Lego League (FLL), que convida integrantes das equipes a dançar a transcendente Macarena lá na frente.

Esse mesmo entusiasmo ele carrega desde criança, quando consumia as energias de dona Branca, sua mãe. O mesmo que agora gasta a bateria dos filhos, Manuel, 9 anos, e José Bento, 6. “Coitada da minha mãe. Vou pagar todos os meus pecados com o Zé Bento.”

Fome é das poucas coisas que tiram o bem humorado Tio Matheus do sério

Quando Tio Matheus abre a biografia, quem não o conhece vai se dando conta que animação pode, sim, para alguns, ser uma profissão. No caso dele, tudo indica, parece ser um dom.

Tio Matheus pertence a uma classe de adultos ameaçada de extinção: a que acorda feliz. “Uns amigos já me disseram que têm raiva de mim, que eu sou muito feliz, tenho muita energia. Eles se irritam, mas dizem que também queriam ser assim”, comenta.  

Ele é o caçula dos três filhos de Branca e Antônio José da Cruz Santos, para os íntimos o Niltão, batismo que a vida deu pela semelhança com Nilton Santos, lendário lateral esquerdo do Botafogo. 

A mãe veio de família pobre dos arredores de Ribeirão, se formou em enfermagem pela Universidade de São Paulo (USP), onde conheceu Niltão. Ele, filho de marceneiro, saiu da faculdade médico. “Meu pai ficou cego em um acidente de carro 13 dias antes de eu nascer. Ele seguiu na medicina, não mais como ortopedista, mas como fisiatra”, conta. A fisiatria atua no tratamento de doenças relacionadas a limitações físicas e dores crônicas. 

A família reunida: Branca, Niltão, Thiago, Manuela e Matheus

Matheus lembra como a limitação do pai sobrecarregou a mãe. “Ela tinha de nos levar pra tudo, cozinhar, cuidar dele, e trabalhar fora, dando aula na USP. Ela foi muito guerreira e eles eram muito unidos.” Niltão morreu em dezembro passado, por complicações da covid-19, aos 74 anos. 

Todos os filhos seguiram na área da saúde. Thiago, o mais velho, é farmacêutico. Manuela é fisioterapeuta. Matheus, educador físico. 

Foi na faculdade, em São Carlos (SP), que apareceu a primeira chance de ser animador em acampamentos para crianças e adolescentes, daí o apelido Tio Matheus. Logo ele também faria sucesso nas gincanas para os bixos, calouros da universidade. Graduado, o “bico” virou negócio.

A canonização da Dança da Galinha

Dance se ouvir a galinha

Com a Jacaré Ki Pira, empresa de recreação que abriu com um sócio, ele fez de tudo um pouco. Inclusive iniciar a canonização do que é hoje o som sagrado entre alunos da robótica: a Dança da Galinha. A faixa apareceu num CD com várias músicas para eventos de animação. “Não sei de quem é, de onde veio. Tava lá, no meio de outras. As crianças começaram a coreografar junto com os instrutores. E pegou!”, explica. 

Quando ele entrou para o SESI São Carlos como gestor de esporte e lazer em 2009 e pintou o convite de animar os incipientes torneios paulistas de robótica, em 2010, o hit foi junto. Inclusive quando Matheus aceitou a missão de conduzir, pela primeira vez, o torneio nacional, em Indaiatuba (SP), no mesmo ano.  

A Dança da Galinha é parte do protocolo dos festivais de robótica organizados pelo Serviço Social da Indústria (SESI). Os alunos amam, o público se diverte e a música gruda. Passam dias e, do nada, você pode se pegar cocoricando alto, na fila do supermercado. Resistir é inútil.

Até o momento, os direitos autorais da canção-tema da robótica brasileira seguem sem disputa.

GALERIA: grandes momentos da trajetória de Tio Matheus na robótica

O ânimo social

Com 12 anos de experiência ajudando a formar um estilo brasileiro de fazer eventos de robótica, Tio Matheus não faz ideia de quantas competições comandou. “As pessoas que fazem isso acontecer são fantásticas e fazem com que seja um trabalho tão gratificante”, afirma. Enquanto trabalhou no SESI, entre 2009 e 2019, foram muitas e muitas viagens a trabalho, tanto pela coordenação de esportes quanto para apresentações. 

Se ele conseguiu fazer tudo que fez – acompanhar equipes em competições na Alemanha, em 2012; no Mundial de Houston, em 2018; apresentar senão todos quase todos os festivais nacionais do SESI – e ser pai de duas crianças ao mesmo tempo, ele sabe que deve à paciência e ao apoio da mulher, Juliana. Socióloga, ela é professora do Instituto Federal de Sertãozinho. 

“Minha mulher é feminista. Então, as coisas em casa são divididas. Eu cozinho, lavo a louça, faxino banheiro. E sei que poderia fazer muito mais”, admite. Matheus diz que a formação e engajamento da esposa sobre a pauta de gênero influenciam não só ele, como a formação dos dois meninos. “É difícil porque ainda tem muita coisa errada no mundo. A gente faz a nossa parte”, diz.

Em sentido horário: Juliana, Zé Bento, Manuel e Matheus

Por acompanhar o desenvolvimento da robótica educacional desde sempre, ele percebe como o perfil dos participantes mudou.

“No começo, era só menino, hoje a robótica está cheia de meninas! Reflete as mudanças que estão acontecendo não só na robótica como no mundo nessa pauta de igualdade de gênero. Cara, é fantástico. Mas também acho que precisamos fazer um trabalho para aumentar a diversidade racial e a inclusão na robótica. Por que tem poucas crianças negras? Isso tem que mudar”, argumenta. 

Se você parar nas aparências, na simpatia generalizada, no carisma magnético de Matheus nos palcos, corre o risco de perder lados incríveis do doutorando em Educação pela Universidade Federal de São Carlos. O lado que cita Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, como livro de cabeceira, o que vê na educação uma força transformadora.

Tio Matheus celebra maior participação de meninas na robótica!

O homem pira

A vontade de dar mais tempo para a formação acadêmica e de viajar menos o fizeram tomar a difícil decisão de deixar o quadro do SESI em 2019 para assumir o cargo de professor de educação física concursado da Prefeitura de Ribeirão Preto. 

Isso não significa que ele deixou o universo da robótica para trás. O primeiro festival internacional de robótica organizado pelo SESI no país, realizado entre 5 e 7 de agosto no Rio de Janeiro, conta com ele. Juliana, claro, apoiou.

O combinado é que enquanto ele estiver fora ela não assista a novos episódios de Grey’s Anatomy. “Faz um ano que tamo assistindo e não consigo parar. Eu choro, me envolvo”, conta.  

Não seria a mesma experiência sem o Tio Matheus. Os gringos de 37 países precisavam ver que, no Brasil, a robótica pega fogo e quem acende o fósforo é ele. Ainda mais quando o festival cai no dia do seu aniversário. 

Aposentadoria, por enquanto, não faz parte dos planos. 

“Enquanto eu tiver pique, enquanto as pessoas acharem que sou importante, vou ficar.” 

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