As áreas de produtos farmacêuticos, biotecnologia, tecnologia aplicada a medicina, comunicação digital e química orgânica fina representam quase 40% dos pedidos de patentes que aguardam decisão no Brasil, montante conhecido como backlog. Pela relevância e pelas oportunidades que os setores representam para a indústria brasileira, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) promoveu uma série de visita de examinadores de patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) a fábricas da Bionovis, Sanofi-Medley e da Syngenta, no interior de São Paulo.
Nos últimos dois dias, (31/10 e 1/11), 20 examinadores de patentes conheceram as unidades por meio do programa Conhecendo a Indústria, organizado pela Diretoria de Relações Institucionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Outro objetivo da iniciativa foi apresentar a realidade do setor produtivo a interlocutores governamentais.
A escolha das empresas não foi ao acaso. Elas representam setores que lidam com alto volume de pedidos de patentes que aguardam decisão final. Até fevereiro de 2024, o backlog de produtos farmacêuticos estava em 12.465 pedidos; o de biotecnologia acumulava 9.392 pedidos; e a química orgânica fina reunia 6.616 depósitos sem análise final. Ao todo, o INPI acumulava até a referida data, 114.159 pedidos de patentes pendentes de decisão.
Bionovis traz bom exemplo da relação entre patentes e biotecnologia
Essa foi a primeira vez que uma equipe de examinadores de patentes do INPI esteve em uma fábrica de biofármacos. A Bionovis, instalada em Valinhos (SP), é pioneira na produção e na comercialização de medicamentos biológicos e biossimilares de alta complexidade no Brasil. É uma joint venture farmacêutica nacional e nasceu em 2012, a partir da união entre os laboratórios Aché, EMS, Hypera Pharma e União Química, proporcionando acesso a terapias de alto padrão em todo o território brasileiro.
O vice-presidente executivo da Bionovis, Thiago Mares Guia, classifica a visita dos examinadores do INPI como relevante para mostrar, na prática, a complexidade do que é desenvolvido pela empresa.
“Tudo que a gente desenvolve aqui está no setor de biotecnologia farmacêutica. Ele é altamente regulado e, ao mesmo tempo, requer um grau de tecnologia e ciência muito profundos para o desenvolvimento e para a produção dos medicamentos."
Guia explica que os medicamentos biológicos têm ganhado cada vez mais importância econômica, social e clínica nos últimos anos. “Isso traz uma série de questões patentárias e de propriedade intelectual extremamente relevantes para o contexto desses medicamentos, seja no desenvolvimento e na produção e faz com que nossa empresa tenha que se especializar e navegar nesse cenário de propriedade intelectual”, destaca. Segundo o vice-presidente executivo da Bionovis, quase todos os fármacos produzidos lá por meio de parceria público-privada para transferência tecnológica são para atender o complexo econômico e industrial da saúde, incluindo o Sistema Único de Saúde (SUS), o mercado brasileiro e exportação.
Sanofi-Medley é referência em genéricos, política que ampliou acesso a medicamentos no Brasil
A segunda visita foi à Sanofi-Medley, baseada em Campinas (SP). A unidade abriga o centro de desenvolvimento de genéricos da Medley, onde há cerca de 40 projetos de pesquisa de medicamentos genéricos em andamento. A empresa produz em torno de 180 milhões de caixinhas de fármacos por ano.
A diretora de Propriedade Intelectual da Sanofi/Medley da América Latina, Maria Isabel Giacchetti, destacou o aspecto didático da visita dos examinadores de patente. “Aqui o examinador, que avalia os pedidos com aquela técnica toda, aquele mundo de informações técnicas, visualize na cabeça como é na prática o desenvolvimento daquele produto. Eles podem ver como é alto o investimento em inovação e desenvolvimento de um fármaco”, avalia. Segundo ela, a concessão de patentes de forma correta e num prazo razoável tornam o sistema de inovação possível.
Syngenta aposta em inovação como diferencial de mercado
A última visita explorou a produção da Syngenta, indústria de produtos químicos agrícolas e sementes com muita atuação na área de biotecnologia, que e inaugurou recentemente um novo centro de pesquisa e desenvolvimento em Paulínia (SP). A China National Chemical Corp., ou ChemChina, comprou a empresa, até então de propriedade suíça, por US$ 43 bilhões, em 2017.
O diretor de relações institucionais e governamentais para o Brasil da Syngenta, Filipe Teixeira, explica que a empresa aposta em inovação como um diferencial de mercado.
“Temos excelência em criar novos produtos, e a única forma de você recuperar os altos investimentos necessários nessas inovações e para termos condições de investir sempre é precisamos da proteção intelectual. A patente é a principal forma que a gente tem de transformar um resultado de pesquisa em um produto de maneira economicamente sustentável”, explica.
Por isso, segundo ele, viabilizar visitas de examinadores de patentes do INPI significa aprimorar o conhecimento sobre o processo de desenvolvimento de pesquisa aplicada no país.
Para Teixeira a visita dos examinadores do INPI permite que eles conheçam e reconheçam a realidade de se fazer pesquisa numa indústria no Brasil. “Eles conhecem como é a produção, as dificuldades de fazer a pesquisa, de inovar e desenvolver tecnologia no nosso país, o investimento necessário para isso, o tempo leva. Poder estar com eles no campo, no laboratório, mostrando a nossa realidade do dia a dia, é extremamente importante”, avalia.
Estratégia Nacional de PI quer aproximar atores do ecossistema de inovação
A CNI é membro do Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual (GIPI), colaborando na implementação da Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual (ENPI). Em 2023, a CNI assumiu o compromisso de contribuir com ações e conteúdos sobre PI como parte do segundo Plano de ação da ENPI (2023-2025). Uma das entregas envolve promover visitas técnicas às indústrias inovadoras para examinadores do INPI.
Por que a patente de medicamentos existe?
As farmacêuticas e empresas que desenvolvem invenções tecnológicas desembolsam grandes volumes de recursos para realizar as pesquisas e chegar a drogas eficazes para tratamentos médicos, como contra o câncer. Existe um longo processo desde a concepção de novas moléculas até a entrada de um novo medicamento no mercado, que demanda tempo e muito financiamento. As patentes representam uma maneira eficaz de garantir retorno financeiro e recompensa os esforços de inovação feitos pela empresa.
Visitas promovem troca de conhecimento e sensibilização do tema propriedade intelectual
O impacto para os servidores do INPI foi imediato. A coordenadora-geral de Patentes do INPI das áreas de química e farmácia, Flávia Trigueiro, acredita que as visitas contribuem para a atualização dos examinadores. “Tivemos a oportunidade de conhecer na prática processos como a compressão e granulação de fármacos. Isso está no dia a dia dos examinadores mas de forma teórica nos pedidos de patentes”, explica.
Trigueiro destacou também tudo que tem sido feito para dar mais celeridade aos pedidos de patentes.
“Temos treinamentos e atualizações contínuas das diretrizes de exames técnicos pois, à medida que as tecnologias avançam, precisamos nos preparar para conhecer a tecnologia para ter condições de avaliar os pedidos. O INPI também tem investido em automação de processos e estamos estudando recursos de inteligência artificial”, disse.
Em 2024, tomaram posse 120 novos examinadores. Desses, 40 atuam em patentes, sendo 20 para biofármacos e 20 para telecomunicações, outra área muito demandada. Apesar do reforço, Flávia Trigueiro defende maior ampliação do quadro de funcionários, admitidos por meio de concurso público, assim como mais autonomia financeira para acelerar o tempo de análise do INPI.
“Visitas como essas promovem conhecimento e permitem que os examinadores conheçam in loco tecnologias de fronteira no setor. São aspectos importantes no momento da análise de um pedido de patente”, avalia a analista de políticas e indústria na CNI Paula Soares que é mestre em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologias para Inovação e Engenheira de Patentes.
Exame é mais rápido para patentes de fármacos para doenças específicas
Pedidos de remédios relacionados a doenças como câncer, HIV, doenças negligenciadas, doenças raras e tecnologias relacionadas a emergência de saúde como foi o caso da Covid têm prioridades nas avaliações dos pedidos. Também tem prioridade equipamentos médicos para diagnóstico, prevenção e tratamento dessas doenças acima citadas.
A importância da propriedade intelectual para a nova política industrial
Considerada fundamental para incentivar o desenvolvimento da inovação e da pesquisa no país, a propriedade intelectual é um dos instrumentos da Nova Indústria Brasil (NIB), a política de desenvolvimento industrial lançada neste ano pelo governo brasileiro. Os instrumentos da nova política, definidos a partir de um diálogo entre sociedade, setor produtivo e academias, incluem metas como reduzir o prazo de exame para decisão sobre pedidos de patentes dos 6,9 anos atuais para 2 anos até 2026. A patente dá o direito de exclusividade de exploração comercial da tecnologia, produto ou serviço por 20 anos, a partir da data de depósito.
A propriedade industrial terá papel relevante no alcance dos objetivos das missões norteadoras da NIB. A missão 2, do complexo econômico industrial da saúde, tem a meta de ampliar a participação da produção das necessidades nacionais em medicamentos, vacinas, equipamentos e dispositivos médicos, entre outros, contribuindo para o fortalecimento do SUS e a melhoria do acesso da população à saúde.
A missão 5, que trata de bioeconomia, descarbonização e transição e segurança energéticas, buscará ampliar o uso da biodiversidade brasileira pela indústria, reduzir a emissão de gás carbônico na indústria; elevar a participação dos biocombustíveis na matriz energética de transportes e aumentar uso tecnológico e sustentável da biodiversidade pela indústria.
No processo de desenvolvimento de tecnologias e novos produtos, as concessões de patentes são estímulos fundamentais para alavancar investimentos privados em pesquisa e inovação.