Reduzir Custo Brasil é fundamental para melhor integração do Brasil nas cadeias globais de valor

Webinar da CNI com a TOTVS e especialistas do MIT e da Fundação Getúlio Vargas discutiu oportunidades para internacionalização das empresas no pós-pandemia

Reduzir o Custo Brasil, especialmente na questão tributária e de infraestrutura, e ampliar o investimento das empresas em gestão, com foco em inovação e em digitalização, são alguns dos principais fatores para uma melhor integração do Brasil nas cadeias globais de valor (CGVs) no pós-pandemia. As recomendações foram discutidas no webinar "A Reorganização das Cadeias Globais de Valor e o Lugar do Brasil", realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em parceria com a TOTVS, nesta quinta-feira (7).


"O Brasil perdeu o bonde na formação das cadeias globais de valor. Nossa inserção é muito baixa, mas agora a  gente talvez tenha uma nova oportunidade. Vamos estimular essa discussão para que tanto o governo quanto as empresas façam o dever de casa", afirmou o superintendente de Desenvolvimento Industrial da CNI, Renato da Fonseca.


Embora o Brasil seja um grande receptor de investimento estrangeiro, as empresas brasileiras de modo geral investem pouco em outros países. O Brasil hospeda um grande número de filiais de empresas multinacionais que importam e produzem, principalmente, para o mercado doméstico. 

São empresas com alta dependência de importações de intensidade tecnológica, conforme apontado por estudo da CNI em parceria com a TOTVS e elaborado e elaborado pelos pesquisadores Tim Sturgeon e Mark Dallas, do Industrial Performance Center do Massachussets Technology Institute (IPC-MIT) e do Union College, respectivamente.

Em relação ao Custo Brasil, Fonseca destacou que o sistema tributário gera um resíduo tributário que dificulta as exportações e dá vantagem ao produto importado em relação ao produto doméstico. 

Esse diagnóstico foi reforçado pelo gerente-executivo de controladoria e finanças da Marcopolo, Pablo Motta. "Ser uma multinacional hoje no Brasil é realmente muito desafiador. O Custo Brasil comparado com demais países em que temos investimento acaba trazendo perda do nosso potencial de competitividade", acrescentou.

A empresa especializada em fabricação de carroceria de ônibus é líder na América Latina e exporta para mais de 100 países. A companhia conta com fábricas em 8 países, onde são feitas  montagens e acabamentos locais.

Além da tributação, uma infraestrutura ineficiente aumenta o custo e o tempo de importar e de exportar, o que eleva a necessidade de estoques. "Assim, muitas empresas precisam de mais capital de giro e têm um aumento do custo financeiro de se integrar no mercado internacional", comentou o superintendente de Desenvolvimento Industrial da CNI.

Fonseca lembrou que o Congresso Nacional tem discutido propostas para redução do custo Brasil, mas que também é preciso um esforço de internacionalização por parte das empresas, especialmente pequenas e médias.

Na avaliação do vice-presidente da TOTVS, Marcelo Eduardo Cosentino, a digitalização é fundamental nessa transformação. "É preciso incluir metas dee curto prazo para que o processo produtivo brasileiro seja efetivamente, mais conectado a seus fornecedores e clientes. Precisamos ganhar tempo em inovação, produção, e logística para ter entregas mais conectadas. Quando a gente estiver disposto a fazer isso, a gente começa a ter alguma chance de voltar a jogar esse jogo", afirmou.

Reorganização das cadeias pode ser oportunidade

A crise provocada pela pandemia de Covid-19 mostrou a fragilidade das cadeias globais do modo como foram estruturadas e provocou uma reavaliação tanto por empresas, mas sobretudo pelos governos, da dinâmica do comércio exterior. Uma maior diversificação regional das cadeias poderá permitir ao Brasil se recolocar em uma função mais estratégica.


"A interrupção dos processo produtivos tem assustado empresas e governos. A gente pode esperar ações políticas por parte de governos forçando reshoring [retomada dos processos industriais em caráter nacional] ou nearshoring [comércio com maior foco com países vizinhos] para cadeias mais próximas. Isso gera oportunidade, na nossa visão, para o Brasil", explicou Renato da Fonseca.


Um exemplo, é uma melhor inserção na cadeia dos Estados Unidos. Para aproveitar essa chance, gerente de Integração Internacional da CNI,  Fabrizio Panzini,  apontou 4 políticas a serem priorizadas a fim de levar a um alinhamento com as práticas internacionais:

  • Mais integração: priorizar trocas com Estados Unidos, União Europeia e América Latina, que hoje representam 70% do comércio industrial brasileiro; pactuar acordos de livre-comércio, acordos temáticos e alianças;
  • Menor custo para comercializar: não acumulação de tributos nas exportações, aprimorar instrumentos de financiamento e garantias alinhados ao mundo e concluir facilitação de comércio e agilidade aduaneira;
  • Menor custo para internacionalizar: alinhar regras de tributação de empresas que investem no exterior, celebrar mais Acordo para Evitar a Dupla Tributação (ADT) e alinhar regras de preços de transferência com as da OCDE;
  • Transporte: aumento da transparência na administração de taxas e encargos tributários e avançar na agenda de portos, especialmente com as concessões.

Nos últimos anos, os coeficientes de abertura comercial mostram pouca inserção no cenário mundial. "A gente não está conseguindo aumentar a participação das nossas exportações", ressaltou Panzini. O indicador estava em  15% em 2003 e continua neste patamar, após oscilações ao longo dos últimos anos. 

As importações de bens intermediários subiram de um patamar em torno de 55% em 2011 para 62,6% em 2020, mas as exportações de bens finais e bens de capital estão abaixo de níveis anteriores. Hoje o indicador está em 18,5% e chegou a 25% em 2016.

Empresas precisam investir em inovação e gestão de riscos 

As exportações do Brasil dependem cada vez mais de recursos naturais pelo fato do país não ter entrado nas CGVs. Na prática, o papel do Brasil na economia global é, principalmente, como exportador de commodities primárias ou produtos baseados em recursos naturais.

Com isso, o país deixa de lado uma importante forma de integração ao comércio global que pode gerar mais benefícios econômicos e sociais ao país. No caso das filiais presentes no Brasil, a inovação continua enraizada nos países desenvolvidos, em suas sedes, ou migrando para a China em alguns casos. 

Investir em inovação é uma das principais recomendações do  professor do Massachussets Institute of Technology (MIT), Timothy Sturgeon. Ele chamou atenção também para uma fraqueza da inovação na indústria de base e elevada importação de bens intermediários.


"O Brasil não tem uma integração de bens de alto valor nas cadeias globais. As exportações são mais de commodities e o país é um grande recebedor de multinacionais produzindo para o mercado local", destacou.


A inovação também é uma das recomendações a longo prazo apontadas pelo professor da FGV Orlando Cattini, junto com aumento da capacidade local e diversificação de fornecedores. "Observamos uma aceleração da perda de competitividade nos interpretamos que seja estrutural, infelizmente, e não conjuntural", afirmou. 

Entre as medidas estratégicas para as empresas, o especialista também incluiu a elevação dos níveis de estoque como parte da gestão de risco das cadeias e a digitalização.

A professora da FGV Maria Tereza Fleury, por sua vez, ressaltou a necessidade de avaliar políticas públicas de transformação digital. "Você tem um número enorme de políticas, mas o grande problema é o quanto elas estão saindo do papel, o quanto estão ficando só em declarações de princípios e quais são os resultados", pontuou.

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