Apesar de o Brasil ter uma legislação moderna de compras públicas, com diversos instrumentos para impulsionar a inovação, 90% das aquisições ainda são feitas segundo o preço. O critério deve ser utilizado para compra de materiais, como papel e caneta, mas pode não ser determinante quando falamos de soluções tecnológicas.
O poder de compra estatal, assim como o potencial para alavancar o desenvolvimento e a inovação no país, é enorme: as compras públicas representam cerca de 12% do Produto Interno Bruto (PIB). Até o 3º trimestre deste ano, as compras homologadas alcançaram o valor de R$ 153 bilhões.
Na reunião do Comitê de Líderes da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI) desta sexta-feira (29), a Confederação Nacional da Indústria (CNI) reuniu a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), a Advocacia-Geral da União (AGU), uma empresa farmacêutica e a ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, para compartilhar os instrumentos, as recomendações, experiências e iniciativas de apoio acerca do tema.
“Todas as empresas líderes de tecnologia no mundo são apoiadas por compras públicas. Na China, por exemplo, a Huawei se apoia no mercado interno e nas compras públicas do governo chinês. Aqui no Brasil, só em medicamentos em 2021, compramos R$ 25 bilhões. A Petrobras compra 4% do PIB”, compara André Tortato Rauen, assessor especial da presidência e líder do Escritório de Encomendas Tecnológicas da ABDI.
Brasil tem arcabouço regulatório robusto
Além do montante expressivo, é consenso entre gestores públicos e a iniciativa privada de que o Brasil tem um arcabouço regulatório robusto para compras públicas para inovação:
- Marco Legal de Ciência, Tecnologia & Inovação: Lei 13.243/2016 e Decreto 9.283/2018;
- Marco Legal das Startups: Lei Complementar 182/2021;
- Nova Lei de Licitações e Contratos: Lei 14.133/2021;
- Margens de Preferência: Decreto nº 11.890/2024; e Resolução SEGES-CICS/MGI nº 4, de 18/10/2024.
As margens de preferência são o instrumento que permite priorizar produtos e serviços nacionais nas contratações públicas, e podem ser de até 10% para aquisição de bens manufaturados e serviços nacionais em relação ao produto ou serviço estrangeiro mais barato, ou de até 10% para bens reciclados, recicláveis ou biodegradáveis. Pode ser também estabelecida uma margem de preferência adicional de até 10% para bens e serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica no Brasil.
Ao falar das margens de preferência, a ministra Esther Dweck listou os produtos para os quais já existem percentuais definidos: ônibus, equipamento metroferroviário, sistemas fotovoltaicos, linha amarela, medicamentos e equipamentos de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). “Em 2023, esses produtos corresponderam a 48% das compras do governo federal”, destacou a ministra.
Modalidades de compras públicas para inovação
Bruno Portela, procurador federal da AGU, esclarece que são muitas as possibilidades de atender a uma demanda pública com uma solução inovadora. “Hoje, o gestor não precisa saber a solução, ele não precisa desenhar tecnicamente o produto que deseja. Ele precisa conhecer bem o problema”, aconselha.
As modalidades de compras públicas que contribuem para a inovação são:
- Encomenda tecnológica: combina a fase de pesquisa e desenvolvimento com a aquisição de soluções para problemas técnicos, produtos ou serviços inovadores. Um exemplo foi a vacina desenvolvida pela Fiocruz para a Covid;
- Contrato público de solução inovadora (CPSI): aplicado à compra de soluções inovadoras de startups. O instrumento tem sido usado pela Petrobras;
- Concurso: modalidade de licitação para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico para concessão de prêmio ou remuneração ao vencedor;
- Diálogo competitivo: modalidade de licitação para contratação de obras, serviços e compras nas quais exista assimetria de informação sobre as soluções mais adequadas, bem como seus modelos contratuais;
- Parcerias para o desenvolvimento produtivo (PDP): uso do poder de compra para fomentar o desenvolvimento e a inovação no setor de saúde, em especial, para a produção de produtos estratégicos para o SUS;
- Margem de preferência: permite priorizar produtos e serviços nacionais nas contratações públicas
Setor farmacêutico avança com ciência, insumos e medicamentos nacionais
Maior fornecedor em quantidade de compras homologadas neste ano, o Laboratório Cristália é um exemplo de que a compra pública para inovação é benéfica não só para os dois atores envolvidos diretamente no processo – o órgão ou a instituição pública que compra e a empresa que fornece – mas também para a independência tecnológica e o desenvolvimento da ciência no país.
“São 80 milhões de comprimidos em um ano, de um único produto vendido ao SUS. Enquanto o Brasil importa cerca de 90% dos IFAs [Insumos Farmacêuticos Ativos], o Cristália já produz mais de metade dos insumos necessários à produção em suas plantas farmacêuticas. Em parceria com a Bio-Manguinhos, produzimos o hormônio do crescimento. Com a parceria, o Brasil não importa mais nada relativo ao hormônio do crescimento”, conta Odilon Costa, vice-presidente de relações institucionais do Cristália.
A participação nas compras públicas começou por volta de 2010 e foi uma virada de chave para a empresa, que acumulava mais de duas décadas de trajetória. Hoje, o laboratório tem 23 parcerias público-privadas de produtos importantes para a saúde da população brasileira.
Uma estratégia nacional
No que depender do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, as compras públicas para inovação vão dar um salto. E a mola propulsora será a Nova Indústria Brasil (NIB), que vai orientar os setores estratégicos para isso. Saúde e defesa, foco de duas das seis missões, já têm expertise.
“Criamos a Comissão Interministerial de Contratações Públicas para o Desenvolvimento Sustentável (CICS), fizemos margens de preferência, compensações tecnológicas, industriais e comerciais, e encomendas tecnológicas. Começamos também o processo para discutir uma Estratégia Nacional de Compras Públicas, e a MEI é um fórum que queremos ouvir. O objetivo é aumentar o uso estratégico das compras públicas”, esclarece a ministra Esther Dweck.
Iniciativas de apoio às compras públicas para inovação
É do setor público ou privado e quer conhecer mais sobre as compras públicas para inovação? A ABDI, a AGU e o MDIC podem ajudar:
- Cpin: plataforma aberta de sistematização e intercâmbio de informações sobre compras públicas para inovação, com minutas e templates.
- Hubtec: apoia todo o processo de compra pública, desde a definição do objeto até a assinatura do contrato. Já assessoram encomendas tecnológicas da Petrobras, Correios, ministérios da Fazenda e Defesa e da Secretaria de Inovação do Paraná.
- Guia Referencial de Sandbox Regulatório da AGU e MDIC: documento de referência que estabelece parâmetros para criação de ambientes regulatórios experimentais na administração pública.