O investimento federal em infraestrutura de transportes totalizou R$ 8,3 bilhões, em 2019, o menor valor em mais de uma década. O levantamento, realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) com informações da ONG Contas Abertas, inclui os gastos do Ministério da Infraestrutura (MInfra), da Infraero e das Companhias Docas – estatais que administram os portos brasileiros.
Com a crise gerada pela pandemia da Covid-19, o total de R$ 8,6 bilhões de investimentos autorizados para 2020 tende a não ser inteiramente aplicado, especialmente pela redução das atividades em diferentes setores da economia, e retroceder ao nível dos primeiros anos do século, quando não passaram da casa dos R$ 7 bilhões.
No ano passado, o investimento em transportes foi 64% menor que o pico registrado em 2010, quando foram investidos R$ 22,9 bilhões. Desde então, os recursos aplicados caem, em média, 9% ao ano. A queda mais expressiva ocorreu nos investimentos em rodovias, que, após alcançar o valor anual de R$ 17,1 bilhões investidos, somaram apenas R$ 6,6 bilhões em 2019.
Também contribuíram para a redução dos recursos aplicados a transferência ao setor privado de aeroportos até então administrados pela Infraero, a conclusão dos principais trechos da Ferrovia Norte-Sul e a paralisação de obras nas ferrovias Transnordestina e Oeste-Leste (FIOL), recentemente retomadas.
Evolução anual dos investimentos do Ministério da Infraestrutura, Infraero e Cias. Docas - Valores Constantes (R$ bilhões)*
A retração nos recursos destinados a área de transportes tem relação direta com a situação econômica do país. De forma geral, a crise fiscal afetou a capacidade de investimento da União, que tem cada vez mais o seu orçamento direcionado para gastos com salários e aposentadorias.
Tomando como exemplo o orçamento do MInfra em 2020, do total de R$ 22,1 bilhões autorizado para a pasta, os gastos com a previdência, salários e benefícios respondem por 21% do orçamento, ou R$ 4,8 bilhões. Outros 35% dizem respeito a reserva de contingência (R$ 7,7 bilhões), recursos que não podem ser gastos, pois compõem o cálculo de superávit do governo.
Descontando-se gastos diversos da pasta, os investimentos somam apenas R$ 7,9 bilhões, o equivalente a 36% do orçamento aprovado – quando somados com a previsão da Infraero e das Cias Docas, o total autorizado para 2020 chega a R$ 8,6 bilhões.
Reformas e privatizações para a retomada do investimento em transporte
Na avaliação da CNI, a agenda de reformas e de privatizações, que conta com o apoio do governo, é o único caminho para a retomada da capacidade de investimento do poder público. Além de reduzir as obrigações de gastos sob a responsabilidade do Estado, a transferência de ativos públicos é uma forma de se contrapor às falhas do setor público, ao atrair a expertise e a agilidade da iniciativa privada tanto nos investimentos quanto na gestão dos ativos.
“O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) se mostra cada vez mais imprescindível para o desenvolvimento de infraestrutura brasileira. Desde a sua criação, em 2016, até o fim de 2019, o PPI já realizou mais de 170 leilões, com investimentos totais de R$ 700 bilhões e arrecadação de R$ 137 bilhões em outorgas pelo poder público”, destaca o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade.
Para 2020, a expectativa é de realizar novos leilões de pelo menos 40 projetos de infraestrutura. O presidente da CNI observa que a ampliação e modernização do setor de transporte no Brasil tem um longo caminho pela frente. Segundo Robson Andrade, em uma realidade de intensa restrição fiscal, a continuidade e aprofundamento dos programas de concessão e de privatização adotados até o momento são questões chave para intensificar o processo de recuperação e auxiliar na pavimentação de um novo ciclo de crescimento com base na expansão do investimento.
Veja abaixo uma análise da CNI sobre a situação atual e o que deve ser feito em cada modal da infraestrutura de transportes do país:
Rodovias
No setor rodoviário, as consequências da progressiva queda nos investimentos foram evidenciadas pela mais recente pesquisa CNT de rodovias. Em 2019, o estado geral de 41% da extensão avaliada pela pesquisa foi considerado em condições “ótima ou boa” e 24% como “ruim ou péssimo”. Em 2018, esses percentuais haviam sido de 43% e 22%, respectivamente.
Chama a atenção o fato de que, pela primeira vez desde as pesquisas mais recentes, as rodovias concedidas apresentaram uma piora na avaliação do estado das vias. Atualmente, 15% das rodovias federais pavimentadas são administradas pelo setor privado, o que representa 9.647 km.
Esse cenário tem relação direta com as dificuldades enfrentadas pelos concessionários que participaram da terceira etapa de leilões de rodovias, nos anos de 2013 e 2014. Os problemas com essa etapa derivaram de um modelo que almejou a modicidade tarifária à custa de financiamento subsidiado do BNDES, de planos de investimento irrealistas – com previsões otimistas para o volume de tráfego e exigências de duplicação de grandes trechos em cinco anos – e do risco de demanda integralmente alocado para o concessionário.
É imprescindível que os órgãos de Estado responsáveis pelo processo de renegociação desses contratos de concessão problemáticos agilizem o processo de repactuação ou relicitação para evitar uma deterioração ainda maior dessas rodovias. Além disso, as dificuldades experimentadas nesses certames mostram a necessidade de uma avaliação meticulosa das modelagens de concessão e dos empreendimentos a serem transferidos para a gestão privada.
Dada a preponderância do modal rodoviário na matriz de transporte brasileira, a base para os novos contratos deve ser a modicidade tarifária, além da viabilidade dos empreendimentos e da priorização de trechos com um grande volume de acidentes. Além disso, é natural que o setor público tenha uma participação elevada nos investimentos. Vale destacar a recente conclusão pelo DNIT e Exército da pavimentação da BR 163, um corredor logístico estratégico para o setor produtivo.
Ferrovias
Nos últimos anos, ao mesmo tempo em que o setor ferroviário avançou com a conclusão do principal trecho da Ferrovia Norte-Sul após décadas de promessas para a sua entrega, a malha ferroviária nacional continuou marcada por uma baixa conectividade, pela preponderância do minério de ferro como responsável por quase 80% da movimentação e por uma extensão praticamente estagnada.
Segundo dados da ANTT, enquanto 30% da malha permanece ociosa e aproximadamente um quarto já não apresenta condições operacionais, o total da movimentação de carga ferroviária de operadores trafegando na malha de outras concessionárias representa apenas 12% do total, o que revela a baixa integração do sistema.
É preciso acelerar o processo de retomada das obras na Ferrovia Transnordestina e de concessão da Ferrovia Oeste-Leste (FIOL), previsto para este ano. Além disso, com a perspectiva de prorrogação das concessões atuais, deve-se estipular garantias contratuais, legais e regulatórias para a viabilização do direito de passagem e do tráfego mútuo no sistema, tanto para operadores atuais, quanto futuros.
Outro caminho para expansão do investimento privado no setor é pela permissão do regime de autorização para as ferrovias. O PLS 261/2018 atua nesse sentido, mas depende de alterações textuais em seu substitutivo, especialmente para que apenas os novos trechos a serem construídos pelos investidores privados sejam explorados mediante autorização.
Aeroportos
O programa de concessão aeroportuário pode ser considerado como a experiência recente mais bem sucedida de transferência de ativos de infraestrutura. Atualmente, o país conta com 22 aeroportos operados pelo setor privado, que respondem por 67% dos passageiros movimentados no país. Os próximos leilões de aeroportos regionais neste ano devem dobrar a quantidade de aeroportos concedidos, o que irá alavancar a quantidade de investimentos e a qualidade de suas infraestruturas.
Além de se avançar no programa de concessões de ativos da Infraero, o investimento no setor será beneficiado com a aprovação do PLS 46/2017, que permite a aplicação de recursos do Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac) na cobertura de custos de desapropriações, facilitando os processos de ampliação da infraestrutura dos aeroportos.
Portos e hidrovias
Todos os terminais portuários marítimos e fluviais no Brasil são operados por agentes privados, seja por arrendamento ou autorização. No entanto, a infraestrutura dos grandes portos do país permanece sob a responsabilidade das Cias. Docas, estatais que apresentam um baixo nível de eficiência em suas administrações, elevados passivos trabalhistas e baixa capacidade de gestão para realizar os investimentos necessários à alavancagem dos portos públicos aos padrões internacionais de qualidade, especialmente no que diz respeito às obras de dragagem.
A modernização das administrações portuárias é a parte da Lei dos Portos que ainda não avançou. O governo confirmou o interesse de proceder com a transferência ao setor privado dos portos públicos, a ser iniciada pela Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), e do porto de Santos, com leilões previstos para 2021.
A desestatização desses empreendimentos é essencial, mas existe um grupo de outros pequenos portos públicos que poderiam ser privatizados com maior agilidade. É o caso do porto de Ilhéus, Aratu, Natal, Areia Branca, Fortaleza, Cabedelo, Recife, Macapá e Forno. Por apresentaram menores níveis de complexidade operacional e de movimentação de carga, a modelagem de concessão desses portos é mais simples, sendo possível o leilão conjunto das administrações portuárias e dos terminais. Isso facilita o processo de transferência ao setor privado e potencializa os resultados positivos com as concessões.
Além disso, é preciso definir as oito áreas dos portos organizados que ainda não tiveram os decretos com as suas novas poligonais publicados e adequar os cerca de 140 contratos de arrendamentos com prazo expirados. Em conjunto com os leilões e autorizações de novos terminais, essas medidas ajudarão a ampliar os investimentos no setor.
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