Por que psicólogos passaram a integrar equipes de robótica?

Cuidar da saúde emocional não é mais um tabu e janeiro é o mês da conscientização sobre esse tema. No SESI, além do acompanhamento diário nas escolas, psicólogos estão cada vez mais presentes nas competições

A Acrebóticos era a única equipe do Acre na temporada 23/24 da FIRST® LEGO League Challenge, a categoria de competição em robótica educacional voltada para estudantes de 9 a 15 anos. A missão de representar o estado custou caro. Autocobrança, nervosismo e ansiedade começaram a atrapalhar a preparação dos estudantes da escola SESI Rio Branco. Até que Eucimar Moreira, professor de educação física e treinador do time, percebeu.

“Precisávamos parar e recomeçar para que o estresse não se tornasse algo incontrolável. Víamos que isso atrapalhava todo nosso trabalho e não avançávamos com novas ideias por conta do nervosismo e pressão para termos um bom resultado para nossa escola e para o estado. Eles são muito novos, têm só 12 e 14 anos”, conta.

A saída foi convidar um psicólogo para acompanhar a equipe. A estratégia deu tão certo que o profissional agora integra oficialmente a equipe técnica que acompanhará os Acrebóticos na temporada 24/25.

Muitas vezes, é durante as competições de robótica ou na preparação para elas que crianças e adolescentes experimentam em maior intensidade, pela primeira vez, sentimentos como ansiedade, euforia, frustração, tristeza, pressão e alegria. Por isso, a adição de psicólogos ao suporte da equipe pode ser um grande diferencial para os jovens.

“Eu observava quem estava apresentando mais nervosismo, fazia sinais para que eles respirassem para manter a calma durante os rounds e oferecia conversas mais reservadas quando precisavam”, conta Luís Eduardo Ferreira, psicólogo que vem acompanhando a Acrebóticos nos últimos sete meses de treino e na etapa qualificatória regional de competições, realizada no Pará.

Acrebóticos foi a primeira equipe de robótica que representava o estado nas competições

Pandemia ajudou a derrubar tabus em saúde mental

Os acreanos não estão sozinhos. Numa pesquisa de 2022 conduzida pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) com 7,8 mil brasileiros de até 19 anos, 54% disseram ter ansiedade, depressão e preocupação com o retorno às atividades presenciais após a pandemia de covid-19. Metade até sentiu a necessidade de pedir ajuda, mas não seguiu adiante por insegurança ou falta de vontade.

Quando a ajuda está disponível, é meio caminho andado. A presença do psicólogo foi uma experiência nova para Maria Clara Rezende, 12 anos, da Acrebóticos. Apesar de parecer tranquila e tímida, a aluna conta que a ansiedade toma conta de todos durante as competições. Com apoio dos adultos, eles conseguem manter o foco. “Ter o nosso psicólogo e o técnico ao nosso lado o tempo todo faz muita diferença, nos sentimos mais confiantes”, disse a jovem competidora.

Robótica é oportunidade de trabalhar conteúdos e emoções

Como organizador da maior competição de robótica educacional do país, o Serviço Social da Indústria (SESI) quer que as competições e o uso da tecnologia em sala de aula sejam usados não só para a formação intelectual dos alunos, mas também para as habilidades sociais e maturidade emocional deles.

“A robótica educacional vai muito além de ensinar tecnologia. Para nós, o aprendizado só é pleno quando acompanhado de bem-estar emocional. Por isso, acompanhamos o tema, investimos em práticas que promovem a saúde mental, criando ambientes seguros e acolhedores, nos quais o desenvolvimento acadêmico e humano caminham juntos”, reforça o superintende de Educação do SESI, Wisley Pereira.

É por volta dos 14 anos, faixa etária desses estudantes, que 50% dos potenciais transtornos mentais têm início, de acordo com o relatório Caminhos em Saúde Mental de 2021, do Instituto Cactus – organização filantrópica e sem fins lucrativos especializada na conscientização sobre cuidados com a saúde mental, tanto por capacitações e intervenções comunitárias, quanto por pesquisas para embasar ferramentas e inovações psicossociais como esse relatório.

Por isso, junto com os outros pilares das nossas vidas – família, amigos e outros –, a escola tem um papel crucial para ajudar a identificar esses desconfortos emocionais.

Em São Paulo, uma equipe de 20 psicólogos atende as 142 escolas do SESI e acompanha os estudantes, realizando esse trabalho preventivo e de intervenção quando necessário.

A psicóloga e supervisora de Saúde e Inclusão do SESI-SP, Daniela Oliveira Andriollo, explica que as iniciativas são contínuas para todas as idades e independem de aulas e conteúdos curriculares específicos. "A psicologia educacional é aplicada de forma transversal ao longo dos anos escolares. Observamos as características individuais dos estudantes, o contexto em que estão inseridos, os acontecimentos do mundo, e adaptamos os métodos para que todos aprendam tanto competências técnicas quanto socioemocionais”, afirma Daniela.

Graças à metodologia, o trabalho se estende aos competidores dos torneios de robótica naturalmente. A especialista conta que, durante as aulas e treinos, além das questões específicas do tema, há momentos de reflexão sobre experiências pessoais, emoções, autoconhecimento e colaboração. Técnicos e professores também contam com apoio psicológico.

“Cada jovem tem um estilo próprio de aprender – alguns são mais reservados, enquanto outros são mais extrovertidos. Cabe ao técnico identificar essas características e orientá-los de forma tranquila, divertida e focada no aprendizado. É preciso ter um olhar atento e empático”, destaca Daniela, que foi convidada pelo SESI-SP para acompanhar as equipes classificadas para o mundial de Houston em 2024.

Durante a viagem, para manter a conexão com os estudantes, a equipe técnica adotou medidas para reforçar o trabalho já realizado, como: uma roda de conversa antes do início do mundial, visitas aos stands para oferecer apoio moral após os treinos e rodadas, além de diálogos pontuais quando algum estudante demonstrava necessidade.

Daniela (de preto agachada) acompanhou as equipes no mundial de robótica em Houston

“Quando eles retornavam desanimados após algumas rodadas, receosos de que algo não saísse como o planejado, oferecíamos acolhimento e os lembrávamos do que já haviam conquistado e até onde chegaram. Nós éramos a rede de apoio deles”, conclui Daniela.

Diálogo com a família é fundamental

Durante a preparação para as competições, os estudantes dedicam mais tempo aos treinos, criando expectativa tanto neles quanto nas famílias. Como o resultado pode não ser o esperado, os profissionais também identificaram a importância de dialogar com os familiares.

“Neste ano vamos fazer uma abordagem mais próxima às famílias, para que eles compreendam o que são esses momentos de competição. Os pais pressionam, até mesmo sem querer, o filho que está em processo de desenvolvimento e isso pode se acumular de uma forma não tão leve”, destaca o psicólogo Luís Eduardo.

Além disso, esse contato é fundamental para que os profissionais conheçam o contexto de vida do estudante, já que ficarão longe das famílias e passarão por mudanças de rotina quando viajarem para os torneios nacionais e internacionais.

Letícia Cruz, que também compõe a supervisão de Saúde e Inclusão Escolar do SESI-SP, explica que entender a realidade do aluno faz parte para que o psicólogo o ajude a desenvolver estratégias de autoconhecimento e percebam possibilidades de apoio a sua saúde mental.

“É importante que eles tenham conhecimento da sua rede de apoio e não abdiquem de aspectos básicos de suas rotinas, o que pode causar uma sobrecarga em relação a vivência dos torneios”, conclui.

Janeiro Branco

O Janeiro Branco foi idealizado em 2014 pelo psicólogo Leonardo Abrahão, de Minas Gerais. Ele criou a campanha com o objetivo de conscientizar as pessoas sobre a importância da saúde mental, promovendo reflexões e ações para melhorar a qualidade emocional de vida. Inspirado no simbolismo de recomeços que o mês de janeiro carrega, Leonardo escolheu o nome para representar uma “folha em branco” onde todos podem escrever novas histórias. Desde então, a campanha ganhou força e é amplamente promovida em várias partes do Brasil.

Dados recentes mostram que o Brasil lidera o ranking mundial de transtornos de ansiedade, com 9,3% da população afetada, o que equivale a cerca de 18 milhões de brasileiros. A depressão também é uma preocupação crescente, agravada pelo impacto da pandemia de COVID-19, que levou a um aumento de 25% nos casos de transtornos mentais no país, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Para saber mais ou pedir ajuda, acesse os sites oficiais do Janeiro Branco e do Centro de Valorização da Vida (CVV).

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