
A Acrebóticos era a única equipe do Acre na temporada 23/24 da FIRST® LEGO League Challenge, a categoria de competição em robótica educacional voltada para estudantes de 9 a 15 anos. A missão de representar o estado custou caro. Autocobrança, nervosismo e ansiedade começaram a atrapalhar a preparação dos estudantes da escola SESI Rio Branco. Até que Eucimar Moreira, professor de educação física e treinador do time, percebeu.
“Precisávamos parar e recomeçar para que o estresse não se tornasse algo incontrolável. Víamos que isso atrapalhava todo nosso trabalho e não avançávamos com novas ideias por conta do nervosismo e pressão para termos um bom resultado para nossa escola e para o estado. Eles são muito novos, têm só 12 e 14 anos”, conta.
A saída foi convidar um psicólogo para acompanhar a equipe. A estratégia deu tão certo que o profissional agora integra oficialmente a equipe técnica que acompanhará os Acrebóticos na temporada 24/25.
Muitas vezes, é durante as competições de robótica ou na preparação para elas que crianças e adolescentes experimentam em maior intensidade, pela primeira vez, sentimentos como ansiedade, euforia, frustração, tristeza, pressão e alegria. Por isso, a adição de psicólogos ao suporte da equipe pode ser um grande diferencial para os jovens.
“Eu observava quem estava apresentando mais nervosismo, fazia sinais para que eles respirassem para manter a calma durante os rounds e oferecia conversas mais reservadas quando precisavam”, conta Luís Eduardo Ferreira, psicólogo que vem acompanhando a Acrebóticos nos últimos sete meses de treino e na etapa qualificatória regional de competições, realizada no Pará.
Pandemia ajudou a derrubar tabus em saúde mental
Os acreanos não estão sozinhos. Numa pesquisa de 2022 conduzida pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) com 7,8 mil brasileiros de até 19 anos, 54% disseram ter ansiedade, depressão e preocupação com o retorno às atividades presenciais após a pandemia de covid-19. Metade até sentiu a necessidade de pedir ajuda, mas não seguiu adiante por insegurança ou falta de vontade.
Quando a ajuda está disponível, é meio caminho andado. A presença do psicólogo foi uma experiência nova para Maria Clara Rezende, 12 anos, da Acrebóticos. Apesar de parecer tranquila e tímida, a aluna conta que a ansiedade toma conta de todos durante as competições. Com apoio dos adultos, eles conseguem manter o foco. “Ter o nosso psicólogo e o técnico ao nosso lado o tempo todo faz muita diferença, nos sentimos mais confiantes”, disse a jovem competidora.
Robótica é oportunidade de trabalhar conteúdos e emoções
Como organizador da maior competição de robótica educacional do país, o Serviço Social da Indústria (SESI) quer que as competições e o uso da tecnologia em sala de aula sejam usados não só para a formação intelectual dos alunos, mas também para as habilidades sociais e maturidade emocional deles.
“A robótica educacional vai muito além de ensinar tecnologia. Para nós, o aprendizado só é pleno quando acompanhado de bem-estar emocional. Por isso, acompanhamos o tema, investimos em práticas que promovem a saúde mental, criando ambientes seguros e acolhedores, nos quais o desenvolvimento acadêmico e humano caminham juntos”, reforça o superintende de Educação do SESI, Wisley Pereira.
É por volta dos 14 anos, faixa etária desses estudantes, que 50% dos potenciais transtornos mentais têm início, de acordo com o relatório Caminhos em Saúde Mental de 2021, do Instituto Cactus – organização filantrópica e sem fins lucrativos especializada na conscientização sobre cuidados com a saúde mental, tanto por capacitações e intervenções comunitárias, quanto por pesquisas para embasar ferramentas e inovações psicossociais como esse relatório.
Por isso, junto com os outros pilares das nossas vidas – família, amigos e outros –, a escola tem um papel crucial para ajudar a identificar esses desconfortos emocionais.
Em São Paulo, uma equipe de 20 psicólogos atende as 142 escolas do SESI e acompanha os estudantes, realizando esse trabalho preventivo e de intervenção quando necessário.
A psicóloga e supervisora de Saúde e Inclusão do SESI-SP, Daniela Oliveira Andriollo, explica que as iniciativas são contínuas para todas as idades e independem de aulas e conteúdos curriculares específicos. "A psicologia educacional é aplicada de forma transversal ao longo dos anos escolares. Observamos as características individuais dos estudantes, o contexto em que estão inseridos, os acontecimentos do mundo, e adaptamos os métodos para que todos aprendam tanto competências técnicas quanto socioemocionais”, afirma Daniela.
Graças à metodologia, o trabalho se estende aos competidores dos torneios de robótica naturalmente. A especialista conta que, durante as aulas e treinos, além das questões específicas do tema, há momentos de reflexão sobre experiências pessoais, emoções, autoconhecimento e colaboração. Técnicos e professores também contam com apoio psicológico.
“Cada jovem tem um estilo próprio de aprender – alguns são mais reservados, enquanto outros são mais extrovertidos. Cabe ao técnico identificar essas características e orientá-los de forma tranquila, divertida e focada no aprendizado. É preciso ter um olhar atento e empático”, destaca Daniela, que foi convidada pelo SESI-SP para acompanhar as equipes classificadas para o mundial de Houston em 2024.
Durante a viagem, para manter a conexão com os estudantes, a equipe técnica adotou medidas para reforçar o trabalho já realizado, como: uma roda de conversa antes do início do mundial, visitas aos stands para oferecer apoio moral após os treinos e rodadas, além de diálogos pontuais quando algum estudante demonstrava necessidade.
“Quando eles retornavam desanimados após algumas rodadas, receosos de que algo não saísse como o planejado, oferecíamos acolhimento e os lembrávamos do que já haviam conquistado e até onde chegaram. Nós éramos a rede de apoio deles”, conclui Daniela.
Diálogo com a família é fundamental
Durante a preparação para as competições, os estudantes dedicam mais tempo aos treinos, criando expectativa tanto neles quanto nas famílias. Como o resultado pode não ser o esperado, os profissionais também identificaram a importância de dialogar com os familiares.
“Neste ano vamos fazer uma abordagem mais próxima às famílias, para que eles compreendam o que são esses momentos de competição. Os pais pressionam, até mesmo sem querer, o filho que está em processo de desenvolvimento e isso pode se acumular de uma forma não tão leve”, destaca o psicólogo Luís Eduardo.
Além disso, esse contato é fundamental para que os profissionais conheçam o contexto de vida do estudante, já que ficarão longe das famílias e passarão por mudanças de rotina quando viajarem para os torneios nacionais e internacionais.
Letícia Cruz, que também compõe a supervisão de Saúde e Inclusão Escolar do SESI-SP, explica que entender a realidade do aluno faz parte para que o psicólogo o ajude a desenvolver estratégias de autoconhecimento e percebam possibilidades de apoio a sua saúde mental.
“É importante que eles tenham conhecimento da sua rede de apoio e não abdiquem de aspectos básicos de suas rotinas, o que pode causar uma sobrecarga em relação a vivência dos torneios”, conclui.
Janeiro Branco
O Janeiro Branco foi idealizado em 2014 pelo psicólogo Leonardo Abrahão, de Minas Gerais. Ele criou a campanha com o objetivo de conscientizar as pessoas sobre a importância da saúde mental, promovendo reflexões e ações para melhorar a qualidade emocional de vida. Inspirado no simbolismo de recomeços que o mês de janeiro carrega, Leonardo escolheu o nome para representar uma “folha em branco” onde todos podem escrever novas histórias. Desde então, a campanha ganhou força e é amplamente promovida em várias partes do Brasil.
Dados recentes mostram que o Brasil lidera o ranking mundial de transtornos de ansiedade, com 9,3% da população afetada, o que equivale a cerca de 18 milhões de brasileiros. A depressão também é uma preocupação crescente, agravada pelo impacto da pandemia de COVID-19, que levou a um aumento de 25% nos casos de transtornos mentais no país, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Para saber mais ou pedir ajuda, acesse os sites oficiais do Janeiro Branco e do Centro de Valorização da Vida (CVV).