A bioeconomia é a cara do Brasil: de fungos mineradores à petróleo feito de CO2

A Rede de Institutos SENAI de Inovação atua com soluções em combustíveis, cosméticos e vacinas pela maior biodiversidade do mundo

A bioeconomia é um conceito que propõe a utilização de recursos biológicos dentro da produção industrial. Com o potencial de gerar um faturamento industrial anual de US$ 284 bilhões até 2050, de acordo com a Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), a implementação da bioeconomia é um dos planos e foco da indústria e governo.

 

 

O grande desafio é como usar recursos ou serviços biológicos na indústria e na sociedade. E é aí que entram os Institutos SENAI de Inovação, com soluções para o uso mais sustentável e eficiente dos recursos biológicos. As grandes frentes da bioeconomia são: consolidação da biomassa como principal matriz energética em setores importantes, mitigação da emissão dos gases de efeito estufa (GEE) e intensificação de tecnologias biorrenováveis.

Com toda a sua megadiversidade, o Brasil tem muito potencial para trabalhar e transformar a biomassa. São mais de 100 mil espécies de animais e 45 mil de vegetais conhecidos no nosso país. Investir na bioeconomia é, portanto, uma forma de elevar o potencial econômico do Brasil.

Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a bioeconomia movimenta, no mercado mundial, cerca de € 2 trilhões e cria mais de 22 milhões de empregos. Nas cinco regiões brasileiras, os Institutos SENAI atuam com projetos inovadores, que vão desde o uso de microorganismos até reaproveitamento de plantas.

A incrível habilidade mineradora dos fungos e bactérias

A atividade mineradora atua na base de todas as indústrias e é motor da economia global, por isso é algo que a sociedade não consegue abrir mão. Porém, apesar de ser tão necessária, a mineração traz diversos impactos ambientais e sociais, à exemplo do que vimos em Brumadinho.

Como uma forma de contornar esses efeitos, os Institutos SENAI de Inovação e empresas do mundo inteiro procuram formas de substituir os métodos tradicionais da mineração. Um exemplo de solução vem dos microorganismos, como fungos e bactérias. Alinhados à mineração, eles conseguem fazer um trabalho silencioso, atuar de forma invisível e sustentável, evitando as queimas dos minerais e, consequentemente, a emissão de gases poluentes. Isto é o que chamamos de biomineração ou biolixiviação.

O pesquisador do Instituto SENAI de Tecnologias Minerais, em Belém (PA), Julio Cezar Moreira explica que microorganismos específicos são utilizados pensando na sua capacidade de sobreviver em condições extremas. "A gente pode selecionar alguns microrganismos, que têm funções muito diversas no ambiente para facilitar ou para aumentar a eficiência da extração do minério de interesse. Chamamos de maximizar os potenciais dos minérios", explica Julio.

No Brasil, as reservas de cobre estão estimadas em 10,8 milhões de toneladas, sendo que aproximadamente 82% ficam no Pará. Porém, os processos tradicionais de mineração do cobre - mineral usado em equipamentos eletrônicos - consomem mais de 600 gigajoule de energia e emitem mais de 600 toneladas de CO2 na atmosfera.

Foi dentro do ISI do Pará que o processo de biolixiviação de um sulfeto de cobre foi testado como uma solução para o grande volume de estéreis, materiais escavados gerados pela mineração, que são depositados nas minas. Além de ser um processo mais simples, barato, com menos gasto de energia, com economia de água e, consequentemente, mais sustentável para a extração do cobre.

O diretor do instituto, Adriano Lucheta, explica que as possibilidades de uso dos microorganismos são muito variadas, podendo ser usadas em regiões do planeta com baixa disponibilidade de água, como no Chile ou Peru.

"Também podemos usar a biomineração no processamento de minerais com baixo teor de elementos de interesse, por ter um custo mais baixo. Podemos usar fungos e bactérias para a recuperação de elementos de interesse em sucatas eletrônicas, conseguindo recuperar elementos de alto valor ou raros, como o ouro", explica o diretor.

Das minas ao material de construção

Não é só o ISI do Pará que se dedica a tornar a mineração mais sustentável. No Cimatec Park, em Camaçari (BA), a equipe da Gerente de Negócios de Mineração, Helaine Neves, trabalha com o desenvolvimento de rotas tecnológicas a partir dos resíduos da atividade mineradora.

Em um dos projetos foi desenvolvida uma rota tecnológica inédita com pirometalurgia, uma técnica que usa altas temperaturas para extrair minerais ou transformá-los em outros produtos. A equipe também usa técnicas de separação química e física para obter os insumos necessários para novos usos.

No SENAI há 14 anos e com uma equipe majoritariamente feminina, a pesquisadora lembra que a mineração é uma das atividades econômicas mais antigas da humanidade e que vai desempenhar um papel importante no futuro. “A gente precisa cada vez mais ter processos sustentáveis e você trazer a tecnologia para isso de forma a reduzir esse dano ambiental é essencial para manter essa indústria viva. Então o desenvolvimento de tecnologia é a base de tudo. Não tem como você evoluir no processo produtivo sem desenvolver novas tecnologias, sem pensar diferente e sem fazer com que isso agregue valor ao processo produtivo da empresa”, afirma Helaine.

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As mulheres da ciência!

As mulheres podem ser o que quiser! E isso é visto dentro dos Institutos SENAI de Inovação. É por lá que a mulherada se torna protagonista em pesquisa, tecnologia e ciência. Confira a história de mulheres que transformação o país.

 

Achamos petróleo: a transformação do CO2 em combustível

 

Não é novidade que o atual desafio da ciência, das indústrias e da sociedade é controlar a emissão de carbono na atmosfera. Dados da Agência Internacional de Energia (AIE) mostram que, em 2022, a quantidade de emissões de C02, geradas por fontes de energia, cresceu em 0,9%, com mais de 36,8 bilhões de toneladas.

É claro que a remoção do carbono por fontes naturais e a captura de CO2 são importantes para conter as mudanças climáticas. Mas, as empresas, cada vez mais, apostam também em técnicas não só de armazenamento de CO2, mas também de reaproveitamento. É nisso que o Instituto SENAI de Inovação em Biossintéticos (ISI-RJ) está atuando.

"Os estudos mostram que só capturar o CO2 para a uma economia carbono neutra, que era a tendência inicial, não é mais tão mais suficiente", explica o pesquisador do ISI de Biossintéticos João Bastos. Isso significa que, além de não emitir, é preciso também retirar esse carbono da atmosfera, como diz o pesquisador.

Um exemplo prático é a partir das rotas químicas e eletroquímicas, ou seja, conversões químicas do CO2. "Nós temos um projeto em que estamos construindo uma unidade piloto que consome o C02 com grau de pureza maior e a água para gerar petróleo", afirma João. Para entender como isso funciona, primeiro é preciso saber que o CO2 é um molécula muito estável, que para reagir necessita de muita energia. Por isso, a captura de carbono atualmente é um processo caro e, portanto, pouco competitivo.

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Na Bahia, no SENAI Cimatec, pesquisadores estão em busca de uma forma mais eficiente de fazer essa transformação. “Estamos trabalhando com ajuda da inteligência artificial para desenhar cristais em suportes de catalisadores nos quais os intermediários que absorvam quimicamente esses catalisadores exijam uma energia de ativação mais baixa, de maneira que a gente não precise aumentar tanto a temperatura e a pressão para transformar CO2 em metanol, metano e outros produtos que possam ser reutilizados novamente pela nossa sociedade”, explica José Luis Gonçalves de Almeida, gerente do Mercado de Química da instituição.

“É possível gerar o hidrogênio a partir da água, por exemplo, e esse hidrogênio, junto com a molécula de CO2, consegue criar a molécula de petróleo. Essa reação química acontece em poucos minutos. Basicamente, a gente consegue retirar o CO2 e voltar ele como petróleo”, explica o especialista.

Um dos benefícios dessa conversão é que a infraestrutura já está pronta, desde os carros utilizados até as estruturas de distribuição. Apesar de não ser a única solução possível, o pesquisador João explica que a resposta para um mundo mais sustentável e com carbono negativo não vem de um só lugar. “Estamos falando de um conjunto de soluções, que vai depender de questões regionais para se tornarem viáveis”, confirma Bastos.

Microorganismos que produzem combustíveis e consomem CO2

Já pensou na possibilidade de criar um microorganismo que consiga consumir o gás carbônico e, ainda, criar outro produto? Bom, isso já está acontecendo no Instituto SENAI de Inovação em Biossintéticos (ISI-RJ), com o foco em criar o hidrocarboneto, composto parecido com o petróleo, que pode ser usado como combustível ou lubrificante. Diferente da rota química, essa solução vem da rota da tecnologia.

O projeto visa mudar o DNA dos microorganismos, que não tinham essa função, para que eles façam algo que não é natural, mas que é necessário. “Esse é um projeto que nos orgulha muito, porque poucos países estão fazendo. Hoje, sabemos que um deles é os Estados Unidos, mas isso mostra que também temos expertise e equipamentos para fazer soluções como essa. Quanto mais soluções para transformar o carbono em produto tivermos melhor vai ser”, afirma o pesquisador do ISI-RJ João Bastos.

 

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O futuro do plástico

 

No Instituto SENAI de Inovação em Engenharia de Polímeros, em São Leopoldo (RS), são diversos os esforços para construir materiais mais sustentáveis que substituam o plástico e a borracha convencionais. Com muita tecnologia e diferentes processos químicos, mandioca, cana de açúcar, milho e batata se transformam em embalagens.

“Os polímeros têm uma ampla gama de possibilidades do que fazer porque eles podem ser processados várias vezes e podem ser moldados de diversas formas. Podemos utilizar desde embalagens para alimentos, para cabos de utensílios domésticos, nos automóveis. São muito versáteis os materiais polímeros”, afirma o bolsista do ISI, Bruno Bergel.

Além de desenvolver soluções inovadoras, a rede conecta diferentes atores da cadeia produtiva, permitindo que o que seria descartado por uma indústria seja usado por outra. “O fornecedor da matéria prima está bem longe do usuário final. Nós somos o elo de conexão. A gente acelera o processo de desenvolvimento de uma nova matéria-prima ou de um novo produto de base polimérica porque a gente se relaciona com todos os elos da cadeia”, afirma o gerente de operações do instituto, Jordão Gheller.

O Jordão conta aqui a história de como o Brasil foi precursor dos polímeros. 

 

 

Mas, nem sempre é fácil encontrar soluções sustentáveis no mundo polimérico, como explica a pesquisadora do ISI Moara Britz, que há mais de dez anos trabalha na área de adesivos. “Eu acho bem desafiador achar novas aplicações de matérias-primas sustentáveis que vão ter o mesmo desempenho de produtos hoje já existentes porque a gente já tem parâmetros de desempenho de materiais definidos e bem exigentes”, afirma.

Mais do que se dedicar a soluções mais sustentáveis que o plástico, o ISI em Engenharia de Polímeros trabalha em projetos de economia circular para aprimorar a reciclagem desse material que muitas vezes é mais complexa do que moer uma sacolinha de plástico. “Existe uma tecnologia por trás da reciclagem. Existem muitos recursos para conseguir reutilizar esse material, tanto em questão de triagem, lavagem, aditivação para que ele se torne um polímero pronto para uso em diversas aplicações”, explica Vinicius Oliveira, pesquisador do instituto.

Apesar do esforço a mais para que o material seja usado novamente, o resultado é reduzir as emissões de gases do efeito estufa. “A economia circular acaba reduzindo as emissões de gás carbônico porque a gente não tem toda a cadeia petroquímica antes. A gente pula essa etapa. É um material que nasce basicamente do resíduo e não precisa de toda aquela transformação de extrair o petróleo, passar na refinaria, fazer a polimerização. Esse caminho mais curto, o caminho da circularidade, auxilia na redução da emissão de CO2, que é um ganho para a sociedade”, completa Vinicius.

 

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O desafio da borracha

Uma das vertentes dos polímeros são os elastômeros, que talvez você conheça pelo nome de borracha, usados para fazer pneus ou solados de calçados, por exemplo. Um simples pneu pode ter até dez componentes diferentes, muitos deles não degradáveis.

O trabalho dos pesquisadores é buscar formulações mais sustentáveis, com materiais de origem natural, menos poluentes. Algumas opções são óleos vegetais extraídos de castanhas, sílicas feitas com casca de arroz e lignina, um resíduo da indústria de celulose e papel.

“A gente consegue ver as modificações no processo e nas formulações que são necessárias para englobar essas matérias primas de fonte natural, que é um grande interesse no mercado atualmente. Além disso, a gente consegue aumentar o valor agregado desses resíduos que seriam descartados, e assim incorporá-los em um material mais nobre, aumentando o valor deles”, explica a pesquisadora Patricia Cofferri, do ISI em Engenharia de Polímeros.

Devido às suas propriedades mecânicas de se esticar e voltar à forma original, a borracha muitas vezes é um material difícil de ser reciclado. “Quando você faz o processamento dele existe uma reação química que amarra as cadeias e você não consegue derreter, não consegue fundir o material novamente e fazer outra peça”, explica Vinicius Oliveira.

Diante desse desafio, pesquisados no mundo todo buscam recuperar a borracha tentando tirar essas reticulações do material ou substituí-la por outros materiais, como alguns termoplásticos. “A tecnologia da borracha está cada vez mais específica e, ao mesmo tempo, necessária para atender a aplicação de alto desempenho”, completa o pesquisador.

Como atrair pesquisadores para o Brasil?

O Brasil é um bom país para trabalhar com pesquisa? A Rede de Institutos SENAI de Inovação nasce para mudar a visão de emprego para cientistas e pesquisadores. Venha conhecer como a maior rede de pesquisa do país abre o leque de opções no mercado de trabalho dos pesquisadores.

 

Combustível de alga pode substituir o diesel

 

Um outro exemplo da bioeconomia na prática foi desenvolvido em Três Lagoas (MS), cidade localizada a 326 km de Campo Grande, capital do estado. Lá, a solução partiu do olhar para as plantas aquáticas, especificamente para a biomassa das macrófitas. O Instituto SENAI de Inovação em Biomassa desenvolveu uma solução para um problema ambiental que existe em várias partes do mundo: a proliferação descontrolada de algas, que, além de acabar com a vida aquática por diminuir a quantidade de oxigênio, também pode provocar entupimento de ductos e outras estruturas em hidrelétricas, por exemplo.

Para os pesquisadores do ISI Biomassa, apenas controlar a reprodução dessas plantas ou retirá-las periodicamente da água soou pouco produtivo, como explica o gerente de gestão e negócios do instituto, João Gabriel Silva. “O nosso principal objetivo é tentar transformar aquele material que é residual e valorizá-lo para a própria indústria, transformando-o em outros produtos e processos que tenham aderência com a indústria ou com a sociedade, de uma forma geral”.

Hoje, o ISI de Três Lagoas trabalha para transformar algas em biocombustível, que pode substituir o óleo diesel e oferece um alto valor agregado.

A retirada das plantas aquáticas era feita com mínimo de impacto na qualidade de água e na fauna associada para evitar problemas ambientais e sociais. A solução foi uma forma de criar um aproveitamento nobre à biomassa de macrófitas aquáticas retiradas, que, até então, eram levadas ao aterro sanitário, sendo descartadas sem nenhuma utilidade.

Confira aqui mais fotos dos Institutos SENAI de Inovação

Instituto SENAI de Inovação: Um Mundo de Possibilidades
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